Guiné > Região de Tombali > Sector S4 (Cadique) > Cobumba > CART 3493 (1972/74) > O António Eduardo Ferreira à porta do abrigo.
Foto (e legenda): © António Eduardo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Série com pequenos excertos dos melhores postes do António Eduardo Jerónimo Ferreira (1950-2023) (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) (*).
O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, por volta de 2013 ou 2014.
(..) Foi difícil, a vida dos homens da CART 3493 em Cobumba, mas a daquela gente que por lá morava não foi melhor, deixaram de ser bombardeados pelos "tugas", passaram a ser por alguns dos seus que integravam as forças do PAIGC (uma mulher da população morreu, vitima de uma flagelação).
Não deve de ter sido nada fácil de encaixar a mudança, o que eles de facto desejavam era a paz e não a continuação da guerra. (Muito tempo já passou e a esperança de muita daquela gente numa vida melhor parece continuar a ser uma miragem.)
Havia certos dias em que as poucas pessoas que por lá estavam a maior parte do dia passavam-no junto ao seu abrigo, que seria certamente mais seguro que os nossos, dado o sítio onde se localizavam (debaixo de um grande mangueiro) e a forma como eram construídos(apenas com cerca de um metro de largura).
Apesar das poucas conversas que tínhamos com a população, por vezes lá íamos fazendo algumas perguntas a que eles normalmente respondiam (aqueles que nos entendiam)... Certo dia perguntei ao filho do chefe de tabanca de que é que eles tinham medo quando ainda não estava lá a tropa branca, ele respondeu que era do "passarinho grande" (o avião)...
Cobumba era um local onde os homens novos durante dias não se viam e, quando estavam, com o aproximar da noite abalavam…
As pessoas mais velhas estavam sempre por ali, algumas delas tinham estado ao serviço do PAIGC como carregadores de material de guerra (caso do Miranda).
Havia várias crianças (caso do filho do chefe da tabanca) que andavam na escola do PAIGC em Pericuto, povoação próxima de nós, não sei qual seria a frequência de alunos.
(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
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O nosso camarada era natural de Moleanos, Alcobaça. Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, por volta de 2013 ou 2014.
Parte VIII - Coitada da população de Cobumba que tinha de parecer estar bem com os dois lados, as NT e o PAIGC
(..) Foi difícil, a vida dos homens da CART 3493 em Cobumba, mas a daquela gente que por lá morava não foi melhor, deixaram de ser bombardeados pelos "tugas", passaram a ser por alguns dos seus que integravam as forças do PAIGC (uma mulher da população morreu, vitima de uma flagelação).
Não deve de ter sido nada fácil de encaixar a mudança, o que eles de facto desejavam era a paz e não a continuação da guerra. (Muito tempo já passou e a esperança de muita daquela gente numa vida melhor parece continuar a ser uma miragem.)
Havia certos dias em que as poucas pessoas que por lá estavam a maior parte do dia passavam-no junto ao seu abrigo, que seria certamente mais seguro que os nossos, dado o sítio onde se localizavam (debaixo de um grande mangueiro) e a forma como eram construídos(apenas com cerca de um metro de largura).
Era nossa convicção que eles estavam por ali porque tinham informações que nós não tínhamos… Algumas vezes o “arraial” acontecia mesmo e nesses momentos estar perto de um abrigo podia fazer toda a diferença (...).
Apesar das poucas conversas que tínhamos com a população, por vezes lá íamos fazendo algumas perguntas a que eles normalmente respondiam (aqueles que nos entendiam)... Certo dia perguntei ao filho do chefe de tabanca de que é que eles tinham medo quando ainda não estava lá a tropa branca, ele respondeu que era do "passarinho grande" (o avião)...
Quando o "passarinho" aparecia, se estavam na bolanha e esta tinha água, velhos e novos deitavam-se, ficando apenas com parte da cabeça de fora. Ele dizia: " só com um olho fora da água".
Era um menino de doze ou treze anos (o Zé) que certos dias saía com uma pequena saca onde dizia levar os livros e que ia para a escola em Pericuto que ficava do lado de lá da bolanha mas onde nós não íamos, porque apesar de ser perto era arriscado… A haver escola ou coisa parecida, teria que ser da responsabilidade do PAIGC…
Um outro com quem falei dizia que tinha sido carregador do PAIGC, transportava material de guerra à cabeça (chamava-se Miranda) o sítio mais longe onde tinha chegado foi ao Xitole: era um homem já de certa idade, normalmente não saía lá da tabanca.
Já perto do fim da nossa estadia naquele sítio as minas continuavam a causar-nos grandes preocupações, pois eram colocadas mesmo do lado de dentro do arame que nessa altura já circundava todos os abrigos e parte da picada.
Devido a essa situação foi exigido ao chefe da tabanca que nomeasse alguém que teria de andar todo o dia no carro ao lado do condutor, era uma forma de pressionar possíveis familiares que estavam do lado do PAIGC para não colocarem as minas, se é que isso poderia ter alguma influência nas ordens dimanadas do Partido.
Recordo-me do primeiro (e não sei se o único) que andou comigo, foi o filho do chefe, o Zé, entre eles era quem falava melhor português. Também para os condutores era uma situação estranha, andarmos todo o dia com alguém a nosso lado, coisa a que não estávamos habituados. Não sei se psicologicamente isso nos terá ajudado.
Não me recordo se foi detectada mais alguma mina depois dessa exigência (nem faço ideia com que vontade foi cumprida pelo chefe de tabanca).
Devido a essa situação foi exigido ao chefe da tabanca que nomeasse alguém que teria de andar todo o dia no carro ao lado do condutor, era uma forma de pressionar possíveis familiares que estavam do lado do PAIGC para não colocarem as minas, se é que isso poderia ter alguma influência nas ordens dimanadas do Partido.
Recordo-me do primeiro (e não sei se o único) que andou comigo, foi o filho do chefe, o Zé, entre eles era quem falava melhor português. Também para os condutores era uma situação estranha, andarmos todo o dia com alguém a nosso lado, coisa a que não estávamos habituados. Não sei se psicologicamente isso nos terá ajudado.
Não me recordo se foi detectada mais alguma mina depois dessa exigência (nem faço ideia com que vontade foi cumprida pelo chefe de tabanca).
Também nunca soube se essa ordem foi pensada no Comando da Companhia ou veio de outro sítio, o certo é que aconteceu e chegou ao conhecimento do PAIGC, pois na rádio que transmitia em seu nome, através da voz daquela a quem chamávamos a “Maria Turra”, esse assunto foi muito falado.
A esta distância no tempo dá para entender melhor como era difícil a vida daquela gente, que tinha de parecer estar bem com os dois lados (PAIGC e a Tropa Portuguesa), mas na verdade isso não era possível. (...)
As pessoas mais velhas estavam sempre por ali, algumas delas tinham estado ao serviço do PAIGC como carregadores de material de guerra (caso do Miranda).
Havia várias crianças (caso do filho do chefe da tabanca) que andavam na escola do PAIGC em Pericuto, povoação próxima de nós, não sei qual seria a frequência de alunos.
Pessoal novo, por lá, só estavam crianças, algumas que diziam ser oriundas de Bedanda. (...) Chegava a acontecer, em alguns dias, aparecerem por ali vários homens mais novos, não sabíamos de onde vinham, que passavam o tempo que lá estavam, a beber numa espécie de taberna que tinha sido feita depois de nós lá termos chegado, cujo dono servia de tradutor quando era necessário falar com alguma população que não conhecia a nossa língua.
Quando chegava o fim da tarde iam todos embora, na maioria bêbados. Às vezes acontecia cenas de pancadaria entre eles em que nós agíamos como se nada estivesse a acontecer… era problema deles. (....) (**)
(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
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Notas do editor
(*) Último poste da série > 23 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24876: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba, na região de Tombali
(*) Último poste da série > 23 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24876: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VII - Estar debaixo de fogo não é coisa que se deseja a ninguém, muito menos em Cobumba, na região de Tombali
(**) Vd. entre outros o poste de 3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9847: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (1): Cobumba, Pessoas, Guerra e Reflexões
1 comentário:
Pobres balantas, terão sido porventura as maiores vítimas desta estúpida guerra de "libertação"... Triplamente explorados, por "tugas", pelos "fulas" e pela nomenclatura do PAIGC... E quando saíam fora do controlo do PAIGC, pagavam caro: aconteceu isso no leste, sector L1 (Bambadinca), em Samba Silate e em Nhabijões, aconteceu na região de Tombali: veja-se este relato sobre Cobumba...
O que terá acontecido depois ao Zé, filho do chefe da tabanca de Combumba,obrigado a ir no lugar do morto, ao lado dos nossos condutores ?!... Uma cena cruel de guerra, na qual não me revejo...LG
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