sábado, 15 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

A jornalista francesa (hoje, escritora, autora de romances históricos) Geneviève Chauvel terá sido uma das raras mulheres, jornalistas, estrangeiras, a testemunhar uma cena de combate no TO da Guiné, no período da guerra colonial, embebed (como se diz agora, depois da guerra do Iraque) numa unidade das NT...

Na sequência de contactos com o actual Coronel, na reforma, Sentieiro , o nosso co-editor, o ex-comando Virgínio Briote, localizou, na Internet, a bela e misteriosa jornalista francesa e tem-se correspondido com ela...

Hoje damos conta desse aventura... à procura do tempo perdido... Nas fotos, acima, a Madame Geneviève Chauvel (e não Chaubel, como erradamente procurámos na Net...), tal como pode ser vista na sua página pessoal...

Como editor do blogue, manifesto aqui publicamente o meu apreço pelas diligências feitas pelo VB, a sua persistência, a sua inteligência emocional, a capacidade de utilização da sua rede de contactos sociais (ou não tivesse sido ele um homem do marketing farmacêutico, a par de um andarilho da Guiné)...

E já agora, uma última curiosidade, talvez um pouco mórbida, ou roçando mesmo o mau gosto: será que em Bula ou em Bissau alguém se lembrou de traduzir, para a nossa amiga Geneviève, o nome da operação em que ela participou ? Ostra amarga, huître amère... com mais o irónico pormenor de, em França, em Paris, as ostras portuguesas, até aos anos sessenta/setenta serem conhecidas simplesmente como les portugaises: eram as melhores do mundo, para o exigente palato do parisiense...

Esta, na Guiné, foi mesmo uma ostra amarga para todos... Coincidência ou não, na mesma altura, ao virar da década de 1960, a portuguesa desaparecia dos viveiros dos ostreicultores de França e da mesa dos consumidores franceses, devido a uma estranha doença: (...) Portugaise ('crassostrea angulata') : Espèce d'huîtres creuses introduite dans le Bassin d'Arcachon au milieu du 19ème siècle. Les huîtres portugaises disparurent du Bassin au début des années 1970 à la suite d'une maladie ...(LG)


Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > 18 de Outubro de 1969 > Dois mortos e um ferido no decurso da Op Ostra Amarga (também ironicamente conhecida como Op Paris Match)... As NT (2 Gr Comb da CCAV 2487, comandadas pelo Capitão Sentieiro, hoje Coronel), caiem num emboscada do PAIGC... O combate é presenciado por jornalistas estrangeiros e registado em filme por uma equipa da televisão francesa... No fotograma, as NT prestam os primeiros socorros a um dos feridos graves. Um dos militares transporta, às costas, uma fiada de granadas de LGFog 3,7...

Foto: INA - Institut National de l' Audiovisuel (2006) / Cópia pessoal de Virgínio Briote (1)


1. A Op Ostra Amarga é talvez o único documento filmado do que foi a guerra-tipo da Guiné.

Emboscadas mortíferas, uma dúzia de minutos de disparos de PPSH (costureirinha), de AK 47 ou de RPG, bem dirigidos para quem a sorte escolheu e que o destino traçou para que os restos de uma parte dos seus alvos ficassem, muitos deles até hoje, nas terras onde combateram.

Em Outubro de 1969, o BCAV 2868, comandado pelo Ten Cor Alves Morgado e enquadrado por oficiais experimentados, alguns deles os melhores alunos dos cursos da Academia Militar, estava destinado a outras paragens. Spínola, tendo em consideração o que sabia do comandante do Batalhão, conseguiu encurtar-lhes a viagem, poupando-lhes mais uns dias no mar.

Estava-se em plena era da chamada Por uma Guiné melhor, uma ideia do General António de Spínola, que, mais tarde, se veio a verificar infrutífera, mas que, na altura, foi uma esperança para muitos, até então habituados a serem dirigidos por Governadores-Gerais que a única ideia que tinham era a supressão pura e simples do então chamado IN.

A política de Spínola assentava num Portugal unido por uma confederação de Estados que poderiam evoluir, mais ou menos rapidamente, para uma autonomia progressiva. O general do monóculo (com vários nicknames ou alcunhas: o Caco, o Caco Baldé, o Homem Grande de Bissau...) tinha estado em Angola e a sua acção não tinha passado despercebida. Procurava manter-se a par da evolução dos tempos, a Argélia Francesa já não o era e o Vietname, apesar do poderoso envolvimento bélico dos Estados Unidos, estava a ter os resultados que se viam. Concluíra que, sem as populações do seu lado, qualquer guerra estava destinada ao insucesso.

Numa primeira fase apostou num maior envolvimento das populações na defesa dos seus chãos contra o que chamava o imperialismo comunista. Congressos anuais dos povos da Guiné, reordenamentos, libertação de prisioneiros, pavimentação de estradas e melhoria da prestação de cuidados de saúde às populações, foram algumas das etapas da sua governação.

Todas estas fases, segundo o pensamento do General, deveriam ser bem mostradas não só à população local mas especialmente à comunidade internacional. Estavam a ser tomadas e a ser postas em execução medidas importantes para a Guiné e havia que dar conhecimento delas ao mundo.

Várias diligências foram levadas a cabo na divulgação desta política.

Uma parte importante da população autóctone tinha aderido às ideias do novo governador e a direcção do PAIGC passou a ver o General como um inimigo mais importante que o próprio governo que o mantinha. A imagem do general do monóculo e do seu pingalim correu mundo, através das capas de revistas estrangeiras, então muito lidas.

Neste enquadramento, o governo de Spínola convidou e pagou as despesas de viagens e estadia de cerca de 2 semanas a vários jornalistas da ORTF (a estação pública, de televisão francesa) e da Agência Gamma (2), com o objectivo de mostrarem ao mundo a política que se estava a seguir e que mostrassem também a adesão entusiástica das populações à ideia Por uma Guiné Melhor (3).

É assim que o BCAV 2868 do Ten Cor Morgado entra nesta história e, com ele, o Cap Cav Sentieiro (4).

Em 17 de Outubro de 1969, o comando do Batalhão recebe instruções para desencadear acções na sua zona de quadrícula, acções estas que teriam o acompanhamento de enviados da imprensa estrangeira. A Op Ostra Amarga inseriu-se na série de acções descritas no quadro abaixo e já objecto de posts anteriores (4).
Referência a três Operações: Caça Ratos, Ostra Amarga e Gato Assanhado


2. Estávamos em 1969, em 15 de Novembro. Tal como muitos semanários e revistas o Paris-Match passava em revista os grandes acontecimentos da semana.
Cópia da capa do Paris-Match, nº 1071, de 15 de Novembro de 1969


No sumário do referido nº, o Paris-Match, entre os artigos do estrangeiro, escrevia sobre Nixon e a sua maioria silenciosa, a odisseia da Apolo XII (que se preparava para a 2ª alunissagem, a 19 de Novembro) e inseria um pequeno texto da autoria de Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma (2), sobre a guerra da Guiné Portuguesa.





Escrevia Chauvel:

Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.
Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”.
Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).

O General Spínola, ladeado pelo Major A. Bruno (de G3 e luvas), Major João Marcelino (2º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o Ten Cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada momentos após a emboscada. Imagem extraída do Paris-Match.


Na mesma imagem, de costas, o Capitão de Cavalaria José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485, que por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir a Op Ostra Amarga. Imagem obtida momentos após a emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487. Cópia da imagem do Paris-Match.


Geneviève Chauvel e o Capitão Sentieiro, momentos após a emboscada. Foto cedida ao VB pelo Coronel Sentieiro.

3. Contactámos Geneviève Chauvel (5), solicitando-lhe que puxasse pela memória e nos dissesse onde poderíamos procurar informação sobre a sua estadia na Guiné em 1969.
Extractos da correspondência trocada:

(...) Madame,

Chamo-me V. Briote e fui militar do Exército Português na Guinée-Bissau. Vi um filme de Outubro de 1969, "Guerre en Guinée", que encontrei no site do I.N.A. (Instituto Nacional do Audiovisual).

Temos um blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde mais de 200 ex-combatentes contam a vida do conflito colonial.

Encontrei-me hoje com o Coronel Sentieiro, que me forneceu pormenores da operação “Ostra Amarga”, em que a Madame Chauvel participou como repórter da Gamma. Trata-se de um documento filmado que retrata a violência do conflito.

A Madame Chauvel ainda se lembra desta história? Pode fazer-me um pequeno texto deste infeliz episódio? Perdoe-me este pedido, Madame. Mas, estou certo que compreende que estamos a falar da nossa juventude e não nos esquecemos do que os poderes de então fizeram de nós.

E obrigado pelo magnífico trabalho que fez.
V. Briote


A resposta de Geneviève Chauvel não tardou:

Monsieur,

Votre mail réveille de vieux souvenirs parmi les plus forts de ma carrière de journaliste. À l'époque j'ai raconté cette opération en Guinée qui fut violente et a coûté la vie à un portugais qui fut déchiqueté par un mortier. Je vais rechercher dans mes archives afin de retrouver le ou les articles écrits à l'époque et je vous l'enverrai sur cette adresse mail.
A très bientôt.

Geneviève Chauvel


Tradução livre de V.B.:

A sua mensagem recorda-me antigas lembranças entre as mais fortes da minha carreira de jornalista. Na época relatei esta operação na Guiné que foi violenta e que custou a vida a um português que foi atingido por um morteiro (*). Vou procurar nos meus arquivos o ou os artigos escritos na altura e enviá-los-ei para o seu endereço.
Até breve,

Geneviève Chauvel


(*) Obs.: Na verdade, foi uma roquetada e as NT sofreram dois mortos. A jornalista não teve conhecimento da 2ª morte, porque o ferido tinha sido entretanto evacuado.

Na volta enviei-lhe nova mensagem:

Madame Geneviève Chauvel,

Veuillez excuser mon Français. Il est le Français que j'ai étudié il y a plus de quarante ans, pendant mes études sécondaires au Portugal.

Aprés mon commission militaire obligatoire à la Guinée-Bissau, j'ai travaillé à Ciba-Geigy (Pharmaceutique), où j'ai fait ma carrière dans le département de Marketing. Et le Français était seulement parlé comme langue non officielle. Mais les paroles me manquent, non seulement en Français, aussi en Portugais. Vous comprenez bien ce que je veux dire, il n' y est pas seulement une question de vocabulaire.

Ils ont été des temps trés difficiles pour des garçons de 20 ans, comme moi. Et si tout s'est passé il y a presque quarante ans, nous n'avons pas oublié cette guerre, injuste pour tous.

Flora Gomes (directeur-cine, de la Guinée-Bissau) et Diana Andringa (journaliste portugaise) ont produit un documentaire de presque 100 minutes, nommé 'Les deux faces de la Guerre'(en Portrugais, 'As duas faces da Guerra'), où nous pouvons entendre les voix des élements de la guerilla et ex-militaires de l' Armée Portugaise. Les images que vous avez filmé, près de Bula, au Nord de Guinée, font partie du documentaire. Le commandant de l' opération du coté portugais c'ést l'actuel Colonel Sentieiro, capitaine à ce temps-lá. Je l'ai rencontré la semaine dernière et nous avons parlé de cette mission, comme je vous ai déjà dit. Et aprés ça je vous ai cherché et trouvé dans Google.

Nous attendons donc l'envoi du texte que vous avez écrit à 1969 et vous remercions en avance par la permission de sa publication dans notre blog. Vous avez été trés gentille et nous vous en remercions beaucoup.

Merci, Madame.

V.Briote


Tradução livre desta mensagem:

Senhora Geneviève Chauvel,

Desculpe o meu francês. Foi o que estudei há mais de quarenta anos, durante o ensino secundário em Portugal.

Depois da minha comissão militar obrigatória na Guiné-Bissau trabalhei na Ciba-Geigy Farmacêutica, onde fiz a minha carreira no departamento de Marketing. E o francês era então falado como língua não-oficial. Mas as palavras faltam-me, não só em Francês, também em Português. Compreende bem o que quero dizer, não se trata só de uma questão de vocabulário.

Foram tempos muito difíceis para jovens na casa dos 20 anos. E se tudo se passou há quase quarenta anos, não esquecemos esta guerra, injusta para todos.

Flora Gomes (realizador de cinema da Guiné-Bissau) e Diana Andringa (jornalista portuguesa) produziram um documenhtário de cerca de 100 minutos, chamado “As duas faces da Guerra”, onde podemos ouvir as vozes do conflito, de um lado e do outro. As imagens que a vossa equipa obteve, perto de Bula, no Norte da Guiné, constam do documentário. O comandante da operação, do lado português, é o actual Coronel Sentieiro, Capitão nessa altura. Encontrei-me com ele a semana passada e falámos dessa missão, como já lhe contei na mensagem anterior. Depois procurei o seu nome no Google e encontrei-a.

Esperamos então que nos envie o texto que escreveu em 69 e agradecemos desde já que permita a sua publicação no nosso blogue.
A Senhora foi muito gentil (….)

vb


__________

Notas de vb:

(1) Vd . post de
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

(2) Agência de fotografia, fundada em 1966 por alguns fotógrafos, como Raymond Depardon. No final dos anos 90, a Gamma foi adquirida pelo grupo Hachette Filipacci Médias.

(3) Vd. post de 13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

(4) Vd. posts de:

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)

(5) Geneviève Chauvel, jornalista e escritora, francesa : vd. a respectiva página pessoal (em francês)

Resumo biobliográfico:

(i) Infância passada na Síria e depois na Argélia;

(ii) Estudos de Direito e Ciências Económicas em Argel e em Paris;
(ii) Casou, em 1961, com Jean-François CHAUVEL (filho do embaixador Jean CHAUVEL), jornalista, escritor, produtor televisivo;

(iv) Como jornalista, trabalhou, de 1967 a 1982 , para as agências GAMMA e depois SYGMA, tendo estado em diversos palcos de guerra (Vietname, Angola, Moçambique, Guiné Portuguesa, Biafra; guerra dos Seis Dias na Síria e na Jordânia, Setembro Negro em Amã, Israel...);
(v) Tem fotos publicadas em grandes revistas internacionais (Time Magazine, Newsweek, Paris-Match, Le Point, L'Express, Stern, Manchete, Actualidad, Europeo);

(v)De 1973 a 1981, trabalhou como jornalista e realizadora de televisão, tendo feito diversas reportagens (Egipto, Koweit, Guerre du Kippour, Montes Golã, Sinai, Suez, Guerre civil em Angola);

(vi) Fez o "retrato" de diversos chefes de Estado ou de importantes personalidades como Yasser Arafat, o Rei Hussein da Jordania, o presidente vietnamita Nguyen Van Thieu, o imperador da Etiópia Haïlé Sélassié, o General Spínola, o coronel Kadhafi, o presidente Sadate, o general Dayan, o rei Constantino da Grécia, o Xá do Irão, Chapour Bakhtiar, os emires do Golfo...

(...) É autora de numerosos romances históricos, sobre grandes mulheres, mas também sobre um grande herói muçulmano, Saladino, Saladin (1999), traduzido em alemão, espanhol e árabe.

Contacto por e-mail: chauvel.genevieve@orange.fr

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

VB - Grande "Furo". Óptima analise da situação na Guiné, durante o consulado do General Spinola. Até o pormenor das luvas do então Cap.A. Bruno. Senti-me lá e...páro.Temos os comentários sempre objectivos do LG.Continuo á espera do material de Paris.Entendo a época mas, como o Abdel prescinde do Natal e prefere o Ramadão, tenho que o contactar.Não largo e vou conseguir.Não esquece, a terra vermelha e ardente,as Gentes ou a Guerra? Além da Fátria do LG. Ab TM