Caros tertulianos:
Relativamente ao filme da ORTF e à reportagem do Paris Match (2), posso adiantar o seguinte: Partipei em Setembro e Outubro de 1969 no apoio à equipa da ORTF que realizou o filme e que incluiu Portugal e o Ultramar, com deslocações do Minho a Timor, captando imagens em todas as possessões ultramarinas. Esta equipa englobava cerca de uma dúzia de pessoas, entre as quais uma jornalista do Paris Match e um do Figaro.
O objectivo inicial era recolher material para incluir no programa Point-Contrepoint (tipo Prós e Contras) em que de um lado se afirmava que Portugal era uma potência colonialista, que explorava os povos coloniais que lutavam pela sua libertação. Esta ideia era suportada em reportagens e depoimentos fornecidos pelos movimentos de libertação a que se juntavam alguns opositores do regime, no exílio, entre os quais Manuel Alegre (3).
Do outro pretendia-se refutar esta ideia, afirmando a ideia de que o Ultramar fazia parte integrante de Portugal e mostrando o grau e ritmo de desenvolvimento que se estava a processar, sobretudo em Angola e Moçambique.
A equipa responsável pelo programa, durante as negociações, pôs como condição poder verificar com total liberdade a realidade em todos os territórios, sobretudo na Guiné, Angola e Moçambique, onde se desenvolviam as lutas de libertação.
O Governo Português aceitou, apenas impondo como condição que o elemento que tinha apoiado a equipa nas suas deslocações em Portugal e no Ultramar estivesse presente nos estúdios da ORTF para assistir à montagem do filme, evitando surpresas que já tinham acontecido em programas idênticos nos Estados Unidos onde a ideia de confronto acabou por ser subvertida e resultou num manifesto antiportuguês. Portanto, e em resumo, tive a oportunidade de acompanhar todo o processo.
Assim, no dia da assinatura do Armistício, 11 de Novembro de 1969 [, feriado nacional em França, comemorativo do fim da I Grande Guerra Mundial, 1914-1918], o programa foi para o ar. O grau de imparcialidade, relativo, conferiu-lhe um sucesso na crítica francesa da especialidade e alguma satisfação ao Governo Português de então que pela primeira vez não deu por mal empegue o montante gasto no apoio ao Programa, suportando o custo das viagens e estadia de todos os elementos, durante cerca de um mês.
O próprio Marcello Caetano quis ver a cópia que eu tinha trazido e foi durante a sessão, quando viu a cena da emboscada na Guiné que pulverizou dois dos elementos das NT, pronunciou para mim a esperançosa frase:
- Temos que acabar com esta guerra (*).
O impacto na opinião francesa e o elevado volume de material recolhido nos próprios locais levou os produtores da ORTF a fazerem vários documentários.
Já não disponho do exemplar do Paris Match nem da cópia do filme, mas ainda disponho da reportagem do Fígaro da mesma altura, onde o autor define Spínola como um misto de Goering e de Marquês de Cuevas, reportagem essa que vou tentar digitalizar e que enviarei depois para os nossos tertulianos.
Um abraço cordial do
Manuel Domingues
(*) Vd: Novo Contacto com a Guiné: a esperança marcelista em Uma Campanha na Guiné, do Autor.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVI: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)
(...) Não bastava ser bom militar. Era também necessário estar nas boas graças da PIDE. A maior parte dos oficiais milicianos, que não aspirava a ser funcionário público, podia encontrar refúgio na sua condição temporária de militar, mas à saída, a PIDE esperava por ele para acertar contas!" (...).
18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)
(..) Manuel Domingues, nascido em Castro Laboreiro, em 1941, frequentou o Curso de Rangers e fez parte do BCAÇ 1856 (1965/67). Como Alferes Miliciano, foi Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações.
O BCAÇ 1856 esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamegoe as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli; em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
É Autor do livro Uma Campanha na Guiné (com estórias e testemunhos de vários camaradas do batalhão) bem como de O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro (2005).
(2) Vd. posts anteriores:
16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)
11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)
(3) Nota autobiográfica de Manuel Alegre:
(i) Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda;
(ii) Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil;
(iii) Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado [em 1958];
(iv) A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961, sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da ilha, com Melo Antunes;
(v) Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma tentativa pioneira de revolta militar;
(vi) É preso pela PIDE em Luanda, em 1963, durante 6 meses;
(vii) Na cadeia conhece escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e António Cardoso;
(viii) Colocado com residência fixa em Coimbra, acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em 1964;
(ix) Passa dez anos exilado em Argel, onde é dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN); aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade;
(x) Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967) são apreendidos pela censura, mas passam de mão em mão em cópias clandestinas, manuscritas ou dactilografadas;
(xi) Poemas seus, cantados por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, tornam-se emblemáticos da luta pela liberdade;
(xii) Regressa finalmente a Portugal em 2 de Maio de 1974, dias após o 25 de Abril. (...)
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