quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21489: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, - O Senegal - por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2017:

Queridos amigos, 

Já se falou desse excelente observador que andou por terras da Guiné, no início da segunda metade do século XIX. Antes de chegar à Senegâmbia ou Guiné Portuguesa percorreu o Senegal, onde escreveu parágrafos deliciosos em que falando das gentes diz que por lá os homens são muito feios enquanto as signardes, "pelo contrário, são de ordinário formosas, mais inteligentes, mais ativas e mais espertas que os homens. Estas lindas e meigas signardes comprazem-se em ornar profusamente de ricas joias os seus escravos sendo muito trivial vê-los com os braços e pernas carregados de manilas, os dedos cheios de anéis, etc". Ora o importante é que Francisco Travassos Valdez finaliza a sua viagem ao Senegal desmontando a impostura francesa de que chegara primeiro ali. Vale a pena ver o vigor e o arrebatamento com que Francisco Travassos Valdez repõe a verdade. Infelizmente, cerca de 20 anos mais tarde, os franceses levaram a melhor.

Um abraço do
Mário



Francisco Travassos Valdez e o Senegal

Beja Santos

Aqui se fizeram recensões ao livro intitulado “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título Six years of a traveller’s in western Africa, 1861. Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das comissões mistas luso-britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-secretário da comissão especial de colonização e trabalho indígena das províncias ultramarinas; secretário do governo da província de Timor.

O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia.

As recensões centraram-se nas diferentes apreciações do autor sobre a Senegâmbia mas reconheça-se a importância, pelo menos documental e de uma certa mentalidade da época, do que ele escreve no final da sua viagem pelo Senegal:

“Ocupando-nos agora da data em que os europeus se estabeleceram no Senegal, diremos ainda, quanto às pretensões dos franceses, de que foram eles os primeiros que dobraram o Cabo Bojador e descobriram vários países ao Sul, que está provado por autoridades insuspeitas, mapas e documentos irrecusáveis, que foram os portugueses que em 1446 descobriram a foz do Senegal.
Isto mesmo se depreende de documentos e manuscritos inéditos descobertos em Paris, graças à patriótica solicitude do nobre Visconde da Carreira e assim como se depreende também de uma carta geográfica veneziana no século XVI, que descobriu o nosso ilustre escritor o Visconde de Santarém, lendo-se junto do nome Senegal as palavras: ‘Scop. da Denis Fernando 1446’; e junto do nome de Cabo Verde: ‘Scop. l’ano 1446 de Portug.’. São pois ridículas até as fábulas propaladas pelo padre Labat e pelo navegante Willaut-belle-fond, sustentando que uns piratas normandos do século XIV haviam tido aquela glória, e acrescentando que isto se provava pela etimologia de certas palavras da língua dos indígenas, e até se encontrara uma inscrição aberta em pedra com a data MCCC.
Até hoje ainda não vimos trabalhos que demonstrassem a existência de tal inscrição, nem tão pouco apareceu algum filólogo que achasse nas línguas dos Mandingas, dos Jalofos, dos Fulas, dos Cassangas ou dos Felupes, sequer um remoto vestígio do idioma normando!

É que aquelas estultas fábulas foram inventadas 270 anos depois do português Gomes Eanes de Azurara, escritor coevo, e que mereceu a confiança do imortal Infante D. Henrique, ter narrado o descobrimento do Çanaga ou Senegal. O modo por que a foz do Senegal foi descoberta pelos portugueses em 1446, como dito fica, teve lugar, saindo de Lagos, no Algarve, uma frota de 14 caravelas bem fornecidas de armas e provisões, sob o comando do Almoxarife Lançarote, acompanhado de Soeiro da Costa, seu sogro, de Álvaro de Freitas, Gomes Pires, Rodrigo Eanes de Travassos e o famoso Gil Eanes, que já havia quebrado o encanto do célebre Cabo Bojador. Por ordem do grande Infante D. Henrique deu à vela esta frota a 10 de Agosto para uma viagem de descobrimento à costa da Guiné, enquanto que ao mesmo tempo e com o mesmo fim saíram também de Lisboa e da Madeira mais 12 naus ou caravelas.

Entre os chefes destas ia Dinis Fernandes, que já anos antes avistara Cabo Verde, Nuno da Cunha, celebrado pelos seus feitos na ilha de Arguim, e Álvaro Fernandes, que subsequentemente descobriu Serra Leoa em 1447.

Notaremos aqui que nas crónicas desta expedição também nenhuma menção se faz de Cadamosto nem de António de Nola. A razão é bem clara: estes famosos navegadores ainda àquele tempo não haviam chegado a Portugal, embora alguns escritores erradamente asseverem o contrário.

Seis das mencionadas caravelas ficaram sob o comando de Lançarote, Álvaro de Freitas, Rodrigo Eanes de Travassos, escudeiro do Regente, Lourenço Dias, escudeiro do Infante D. Henrique, Vicente Dias, mercador de Lagos, e Gomes Pires, Cavaleiro da Casa D’el-Rei, o qual, segundo parece, tinha o comando superior da esquadrilha, e foi de opinião que deveriam segui-lo de conserva até chegarem à costa de África ou até descobrirem a entrada do Çanagá, que naquele tempo era por eles considerada, assim como pelo citado cronista Azurara, como sendo uma das obras do Nilo, tão erróneos eram então os conhecimentos cosmográficos!

Pouco depois a cor e o gosto da água mostrou que se achavam justamente no sítio onde o Senegal desemboca no mar.

Ancoraram, e Vicente Dias acompanhado de Estevão Afonso, fidalgo de Lagos, desembarcou com seis homens na praia. Dirigiram-se a uma cubata onde cativaram rapaz e uma rapariga, que trouxeram a Portugal, como prova autêntica daquele feliz descobrimento, que custou a Vicente Dias uma ferida de azagaia, durante o conflito da captura dos dois negros, querendo-lhes acudir seu pai, que apareceram naquela ocasião e que conseguiu evadir-se, deixando um escudo feito de orelha de elefante, primeiro despojo destes animais que apareceu em Lisboa.

Separadas as caravelas, Álvaro Fernandes, tendo passado Cabo Verde, desembarcou em uma ilha, que todas as razões levam a querer que fosse a de Gorée, onde insculpiu em uma árvore as armas do Infante D. Henrique”
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Mapa do Senegal

Importa recordar ao leitor que nesta época a França assumira uma posição declaradamente agressiva para reivindicar uma presença soberana na região do Casamansa, onde Portugal mantinha uma posição em Ziguinchor, tratando de muito comércio em todo o rio, comércio esse que começou a ser dificultado pelos franceses. 

Tudo irá desembocar na Convenção Luso-Francesa de 1886, os decisores políticos, ao arrepio da vontade que grassava em Ziguinchor, cedeu o Casamansa em troca de uma posição na península de Cacine. É um período de imensa fragilidade, vive-se já a pressão da ocupação das grandes colónias, há poucos recursos humanos e a costumada insuficiência em dinheiro.

Percebe-se a forma acalorada como Travassos Valdez procura em 1861 sensibilizar os políticos de Lisboa.  Não teve sorte. 

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

O surripianço do rio Casamance pela França, coincidiu com o surripianço que a França sofreu com o rio Gâmbia, pelos ingleses.

Os Rios e as áreas surripiadas são semelhantes.

As águas naquelas regiões semi-deserticas, eram demasiado importantes e Portugal nem podia piar, contra aqueles gigantes, tal como hoje.