Parece-nos ter "descoberto" o mistério do "marco", atribuído a Amílcar Cabral e à sua passagem pela colina, que hoje teria o seu nome, "Montanha Cabral" [, Foto nº 1]. A "tradição" ou a "crença popular local" fpi aproveitada pela ONGD Afectos com Letras, para ali erigir, a pedido da população local, de maioria fula, um pequeno memorial da luta pela independência,...
Há tempos publicámos aqui um poste com fotos de marcos semelhantes ao da Foto nº 1, para os quais a antropóloga Lúcia Bayan procurava uma explicação, agradecendo a eventual a ajuda.
Na ponta noroeste da Guiné Bissau, em pleno chão Felupe, existe uma estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete, onde a população, para as suas idas ao Senegal, em especial Kabrousse, apanha a canoa para atravessar o rio com o mesmo nome.
Entre as tabancas Sucujaque e Tenhate (...) , a estrada, com uma extensão de cerca de 2,5 Km, é muito bonita, ladeada de floresta, como se de um parque ou jardim se tratasse (...).
Nesta estrada existem dois marcos de pedra que não sei identificar. Serão marcos geodésicos? Delimitações da administração colonial? Militares? Propriedade de terrenos?
Um dos marcos, que nomeei Marco 1, está situado junto à estrada, a 12° 20’ 48,27’’ N e 16° 38’ 32,01’’W (valores recolhidos por mim no local), e tem inscrições em três dos seus lados. Na face virada para a estrada está inscrito “M C O G” [,. Foto nº 3], na face traseira “1951” [, Foto nº 2 ], numa das faces laterais encontra-se inscrito “L N 2 0” e “R” e nada na outra (...)
O Rosinha, com o seu apurado "olhar clínico", não teve dúvidas: "não, minha senhora, esses marcos não podem ser marcos geodésicos"... Afinal, ele foi um experiente topógrafo em Angola e depois na Guiné-Bissau (,aqui ao serviço da famosa TECNIL).
Escreveu o nosso querido amigo e camarada, o "cólon" António Rosinha:
(...) Um vértice (ou Marco) geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exacta e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices ..
Aqui na "Metrópole" os marcos geodésicos são normalmente troncos de cone e em Angola, eram troncos de pirâmide em geral.
Normalmente todos com alturas de mais de metro e meio em locais altos e se possível intervisíveis com outros vértices directamente, caso contrário usando torres metálicas centradas sobre esses marcos.
Também nas minhas andanças guineenses, junto de um canal, (que já não me consigo recordar onde) encontrei um marco de cimento igual aos das fotos.
Não é possível que esses marcos da foto e o tal que eu também encontrei há mais de 25 anos, pertencessem a uma rede geodésica principal.
Para mim, foram marcos coordenados por oficiais da marinha, em levantamentos geográficos parciais, para posterior ligação a uma futura rede geodésica.
Nem compreendo para que outra coisa serviria construir uns marcos com fundações tão frágeis.
Era muito caro e muito custoso fazer cartografia na Guiné, havia a MGA, Missão Geográfica de Angola, mas aí, terra muito rica, eram enormes marcos para toda a vida.
Guiné, cuitada!
23 de janeiro de 2020 às 18:38
E depois acrecenta: "Parabéns à Joana Benzinho e sua equipa, que com muito sacrifício, andam a levar a língua Portuguesa a locais de difícil acesso. Depois da AMI nos anos 80 com a sua equipa médica, chega mais alguém a falar Português ao Boé, esta língua é pouco falada naquela zona."
Em resumo, nenhum de nós, nem o Cherno Baldé, nunca tinha ouvido falar da tal mágica e sagrada "Montanha Cabral"... E se o Cherno Baldé não conhece, poucos guineenses conhecerão...
A ONGD Afectos com Letras está no seu direito de ir ao encontro das necessidades expressas ou sentidas pela população local, com esta iniciativa de erguer, nas colinas do Boé, um pequeno memorial ao papel histórico do Amílcar Cabral como líder de um movimento nacionalista que levou o território à independência.
(s.d.), "Curriculum Vitae - Amílcar Lopes Cabral", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84145 (2020-10-26)
(*) Vd. poste de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21479: Memória dos lugares (414): Região de Gabu, setor de Boé, Colinas do Boé: Montanha Cabral... Alguém sabe onde fica, exatamente, essa "montanha" (fello, em fula), que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC ?
(**) Vd. poste de 22 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)
3 comentários:
Talvez o nosso amigo Cherno Baldé tenha uma explicação para esta "apropriação" do marco com a inscrição "1958", na colina Dongol Dandum (cota 171, vd. carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil)...
O setor do Boé deve ter hoje mais de 12 mil habitantes, de maioria fula...No tempo da guerra colonial, havia muitas poucas tabancas. Hoje parece que são 85, e a pressão humana sobre o Parque Nacional do Boé é muito grande... Dizem que parte desta população veio da Guiné-Conacri, de resto não fala português. A apropriação do marco e a criação da lenda que teria sido colocado ali por Amílcar Cabarl, não deixam de ser um tema de estudo interessante para os antropólogos...
Raros serão já os habitantes do setor do Boé do tempo da luta pela independência. Já se pssaram mais de 60 anos. Em 1958 Amílcar Cabral estava bem longe do Boé...Voltará lá mais tarde, ao que parece e terá acompanhado, com apreensão, a "batalha de Madina do Boé"que se travou, em meados de 1968, ao tempo da CCAÇ 1790, do cap inf Cap Inf José Ponces de Carvalho Aparício, hoje coronel reformado, e a quem já em tempos convidei para integrar o blogue. Enfim, uma "batalha", que é preciso recordar, um dia destes...
Quem teve oportunidade de localizar e imortalizar o lugar mítico da proclamação da independência no dia 24 de Setembro foram aqueles que participaram na cerimónia, especialmente os que aparecem nas fotografias, caso aquele que foi tantos anos Presidente da Guiné, Nino Vieira.
Não quis? Não se lembrou enquanto viveu? O lugar era inacessível a viaturas?
É quase inexplicável esta "omissão" da parte do homem que aparece nas fotos a fazer um discurso atribuido à cerimónia da independência do dia 24 de Setembro.
Olá Camaradas
Começo pelo texto do Luís: "Dizem que parte desta população veio da Guiné-Konacry, de resto não fala português". Era de calcular! Deverão falar crioulo (língua comum), francês (idioma da sua terra de origem) ou a variante de árabe que os fulas falam. Português não, o que é perfeitamente aceitável.
"A apropriação do marco e a criação da lenda que teria sido colocado ali por Amílcar Cabral", podem ser um tema de estudo interessante para os antropólogos. Só se foram os que inventam trabalho...
Mas não passam de uma patranha à qual a investigadora dá cobertura.
O rigor científico não pode aceitar estes devaneios. Estamos a tempo de salvaguardar a verdade e não alinharmos em "construções folclóricas".
Pode ser que migração de populações para aquela área seja uma medida positiva. Mas não creio que os fulas que para ali se dirigiram não tenham sido indirectamente canalizados pela impossibilidade de ser fixarem noutras regiões.
Creio que policial "O Caso do Marco 1958" da inspectora da ONG fica assim encerrado.
Um Ab.
António J. P. Costa
Enviar um comentário