quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21515: Historiografia da presença portuguesa em África (237): “Permanência": a última revista de propaganda imperial (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Havia um conjunto de entidades que difundiam conhecimento científico da mais diferente índole sobre o nosso império, distingo logo as revistas da Escola Superior Colonial e mais tarde das revistas da Junta de Investigações de Ultramar. Ainda hoje são muito procuradas as edições do Centro de Estudos de Cartografia Antiga, que foi dirigido por Teixeira da Mota; o Museu de Etnologia do Ultramar era também outro grande difusor científico. No campo da propaganda, sobressaia a revista Ultramar, mesmo com artigos assinados por especialistas; no tempo de Marcello Caetano concebeu-se a revista Permanência que vigorou entre 1970 e até ao fim do regime. Dela hoje se dá aqui notícia.

Um abraço do
Mário


Permanência: a última revista de propaganda imperial

Beja Santos

Para difundir os valores e o conhecimento sobre as parcelas imperiais, a I República criara em Setembro de 1924 a Agência Geral das Colónias, teve como seu primeiro responsável um eminente cartógrafo e historiador, Armando Cortesão, ele orientava-se pela necessidade de dar ampla divulgação ao que se fazia, onde estavam, as oportunidades económicas, de todo o espaço imperial. A Agência Geral das Colónias passou a ter no Estado Novo um serviço de propaganda, difundia eventos sobre as coisas e as causas coloniais, trabalhava conjuntamente com estabelecimentos de ensino e nas universidades com o apoio da Sociedade de Geografia de Lisboa e a Escola Superior Colonial. Um outro serviço da mesma agência editava publicações, legislação, relatórios, estudos e documentos coloniais, tudo passou a ter ampla procura, os eventos sucediam-se uns aos outros como a “Semana das Colónias”, exposições, caso da do Porto de 1934, a de 1937 dedicada à ocupação colonial, isto para já não esquecer as celebrações do dia de “Mouzinho” no final de 1935; em 1938, a Agência homenageou o marquês de Sá da Bandeira, a propósito do octogésimo aniversário da abolição da escravatura; o presidente Carmona visitou S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, a Agência deu ampla ressonância a esta digressão. E não se pode esquecer que a agência divulgara 450 obras desde a fundação em 1924, um milhão de exemplares, ganhou ampla notoriedade a coleção “Pelo Império”.

A Exposição do Mundo Português também badalou a obra da Agência, que era vastíssima, assumiu a forma de palestras radiofónicas, exposições itinerantes, cinema ambulante, publicações de prestígio como a revista “O Mundo Português”. Em 1951, a Agência muda de nome, fruto do Acto Colonial, passou a ser a Agência Geral do Ultramar. Em 1967 o Agente-Geral passou a ser Francisco da Cunha Leão, tudo fez para que a instituição se destinasse a difundir informações relativas ao património tropical, a impulsionar o turismo, a difundir através da imprensa, rádio e televisão. Editava dentro das suas publicações o Boletim Geral do Ultramar, um jornal de parede para distribuir nos centos de informação e turismo. Criou prémios literários para conto, poesia, romance e teatro.

Em 1970, surge a última publicação de relevo, a revista Permanência, difusora dos ideais do regime, um tratamento moderado da guerra, muito noticiário e sobretudo divulgação do que estava a correr bem na conquista das almas e no desenvolvimento económico. Todas as parcelas do Império tinham o seu espaço, incluindo o Estado da Índia e havia um conjunto de pequenos artigos em cada número para dar informação sobre etnias ou grandes mudanças sociais em curso. É precisamente sobre a Guiné que se encontrou um artigo assinado por João Mattos e Silva sobre os Fulas e outro assinado por José Valle de Figueiredo referente ao I Plenário dos Povos da Guiné.

Vejamos alguns parágrafos sobre a divulgação dos Fulas. São encarados como o povo mais evoluído, mercê de fatores como o religioso. “Localizar, hoje, a população Fula na Guiné Portuguesa é extremamente difícil. No entanto, pode dizer-se que é o Gabu a região Fula por excelência, pelo menos aquela que apresenta uma maior densidade populacional dessa etnia e, ainda, aquela que está ligada por laços históricos e políticos de maior profundidade à sua fixação no território (…) Parece remontar ao século XIX a invasão Fula da Guiné Portuguesa, mais propriamente do Gabu, onde se foram fixando grupos, recolhidos à hospedagem dos Mandingas. Em situação de inferioridade numérica, hostilizados, foram procurando ganhar força até ao momento em que se apoderaram do território reduzindo à escravatura ou exílio os seus anteriores hospedeiros”. E a concluir: “O seu espírito de guerreiro, revestindo anseios expansionistas, mantém-se ainda hoje vivo, embora reduzido a aspetos competitivos, mercê da ação de integração portuguesa. Se os Fulas são hoje uma etnia perfeitamente integrada numa comunidade internacional, são-no diferenciando-se sempre naquilo que os torna superiores e grandes entre todos, constituído um povo com um interesse e um valor que merecem ser do conhecimento de todos os portugueses”.

Falando do I Plenário dos Povos da Guiné, Valle de Figueiredo não esconde a exaltação doutrinária: “Quando um povo aspira a integrar-se numa unidade de destino cimentada com autenticidade e fidelidade à vocação histórica da Pátria a que pertence, não tem outro caminho se não o de construir na paz e na harmonia a revolução social necessária”. E logo se cita um extrato do discurso do general Spínola: “Estamos presentemente a realizar na Guiné Portuguesa uma autêntica revolução social que visa, acima de tudo, a valorização a e dignificação das gentes desta terra; revolução que tem que ser conduzida num clima de paz e de harmonia”. Um exaltante discurso e em que se garantia valorizar, em ritmo crescente, as estruturas tradicionais próprias de cada etnia, discurso que rematava da seguinte maneira: “Aos que teimarem em tentar impedir-nos de realizar os anseios de progresso do bom povo da Guiné, destrui-los-emos lutando lado-a-lado – africanos e europeus – sob a mesma bandeira, a bandeira verde-rubra da fraternidade, da liberdade e de paz".

No último editorial de 1973, o jornalista e escritor nacionalista radical Amândio César não escondia as crescentes dificuldades que se punham ao regime e na ordem internacional para aceitar o colonialismo português, não deixando, porém, de garantir que em condições algumas se iria perder a fé na defesa do Portugal ultramarino.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21489: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, - O Senegal - por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (Mário Beja Santos)

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