domingo, 1 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21503: Blogpoesia (703): "Dia de finados", "As Trindades" e "O sabor das coisas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Dia de finados

Pela costeira, frente à minha casa,
Um cortejo de gente.
Carrega flores. Uma vassoura e um balde.
Se dirigem ao campo santo.
Ali, repousam os corpos dos seus.
As almas, essas subiram.
E, ou entram na glória da paz,
Ou, penam as penas das ofensas cometidas
Na luta da vida, contra outros irmãos.
A pequenada correndo para cima e para baixo,
Não vê razões para a tristeza
E rapa as campas abandonas das ervas
E enfeita-as como sabem,
Com as flores que sobram.
Tudo, lembranças que doem e deixam saudade.


Berlim, 1 de Novembro de 2020
10h22m
Jlmg


********************

As Trindades

Soavam brandas as trindades lá do alto do campanário.
Três vezes, em cada dia.
Benditas Ave-Marias.
Rogando ao céu bênçãos abundantes para as gentes da aldeia.
Linda prática que me lembra a meninice.
Quando as gentes laboriosas sustinham seus labores para erguer a alma ao Criador.
O princípio de tudo e do alimento que cultivavam.
Como estava certa aquela atitude e devoção.
Quando se posicionavam humildes, mas verticais, as gentes.
Entre a terra e os céus.
Tempos de verdade e correcção.
Se prostrava e arrasava a arrogância dos fortes e dos fracos.
A vida é um dom e não a fonte da riqueza e do poder de uns sobre os outros.
Testemunho que havia mais abundância de alegria, apesar das carências tão abundantes do que, na fartura esbanjadora de riqueza de agora...


Berlim, 26 de Outubro de 2020
10h31m
Jlmg


********************

O sabor das coisas

Procurar apenas o prazer em saborear as coisas pode ser um caminho longo e perigoso.
Se o percorrermos só pelo prazer.
Corremos o risco de ficar prisioneiros.
Tudo o mais deixa de ter interesse.
Mesmo aquelas coisas que nos são vitais.
Aí surge a inversão da vida.
A vida é para ser vivida em paz e felicidade.
Não na escravidão.
Tanta vez é preciso renunciar ao prazer imediato e sedutor para não se cair na escravidão.
Só assim nos sorrirá a felicidade.
A única razão de viver.


Berlim, 30 de Outubro de 2020
9h2m
Jlmg

____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21480: Blogpoesia (702): "Pesadelos da guerra", "Administrador dos passos" e "As mãos do artista", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

3 comentários:

Valdemar Silva disse...

Mendes Gomes.
Foi pena, nos anos da guerra na Guiné, não se lembrarem deste teu verso 'A vida é para ser vivida em paz e felicidade'.
No livro "A Mãe", já Máximo Gorky escrevia 'A vida não é nenhum cavalo, não devemos chicoteá-la.'
E andamos nisto, para poetas.....escrever.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Soavam brandas as trindades lá do alto do campanário.
Três vezes, em cada dia.
Benditas Ave-Marias."

São tempos saudosos, meu poeta... Também eu gostava de ouvir o sino da minha vila tocar às TRindades... Depois avariou-se durante décadas...

Mas agora, em muitos campanários das nossas terras já não há a poesia das Trindades, puseram carrilhões eletrónicos que tocam todas as meias horas e horas o 13 de Maio... Não há cristão que aguente...

Há um camarada nosso, membro da nossa Tabanca Grande, que está a menos de 100 do camapanário da sua terra... Disse-me que teve de passar a usar auscultadores anti-ruído dentro de casa...

A poesia e o ruído não casam bem... Um abracelo. Luís

PS - Este ano fecharam os cemitérios... Este raio de pandemia vai ficar para sempre na memória da nossa geração.

Valdemar Silva disse...

Luís
Essa de usar auscultadores anti-ruído, não sabia eu o que me reservava quando estive um fim de semana hospedado no hotel a 30 metros da Igreja do Santuário da N.Sra. dos Remédios, em Lamego. Vá que dormia alguma coisa da uma às três da manhã, a partir daí era impossível com o barulho do dar as horas nos sinos da Igreja. Valeu o cabrito assado e arroz no forno do almoço.
Isto daria uma bela poesia....

Abracelo
Valdemar Queiroz