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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

 

A legenda e a foto são do padre Bártolo Paiva Pereira... Vêm na página 23 do livro que estamos a recensear. Podem surpreender o leitor, se tivermos em conta que o autor é capelão major reformado, serviu nas Forças Armadas durante 30 anos e tem pelo menos duas condecorações (ele, por modéstia, não o diz). 

Além disso, "não se trata da despedida de um Batalhão, mas de um contingente da PSP; o fardamento (nomeadamente os capacetes com a estrela de seis pontas do respetivo crachá) e a presença do Ministro do Interior, Santos Júnior na ponta direita da foto assim o indiciam"
 (A explicação é dada pelo nosso  camarada Eurico Dias, ex-alf mil, CCaç 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará", Gampará, 1972/74).

Fonte: "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira (ed. de autor, Vila do Conde, 2025, pag. 23).


1. Não é seguramente o padre Bártolo Paiva Pereira que aparece na foto a benzer (com o hissope ou o asperge) o guião de mais um  batalhão que partia para Angola, ou melhor, de um contingente da PSP (Polícia de Segurança Pública). 

Não lhe façam essa maldade, a  ele que passou pelos 3 TO (Angola, 4 anos, Guiné, 2 anos, Moçambique, 4 anos), que foi capelão do Copcon e do Regimento de Comandos da Amadora, em 1975,  que demonstra grande estima, afeto e admiração pelo seus militares, e em especial pelos seus "comandos", enfim, alguém que, voluntariamente (!), passou a 1/3 da sua vida ao serviço da sua "família militar"...  Enfim, um homem e sacerdote que diz: "A minha Pátria é o Hélder" (o 1º cabo que ia à sua frente, e que morreu numa emboscada, em Cabinda, em 1962, na floresta do  Maiombe, e que terá salvo a vido seu "capelão") (*)

Não se consegue identificar a unidade que parte para Angola. Mas sabemos que não é do Exército, e um contingente da PSP. Pela legenda, terá sido  nos anos de 1961/62, portanto ainda no princípio da guerra. 

Ampliando a imagem, vê-se que o capelão da foto é já graduado em capitão. O Bártolo ainda era nessa data um alferes, com 26/27 anos (será graduado em tenente em 1963, capitão em 1965 e em major já em 1973; além disso, a sua experiência como capelão militar é no Exército.

A fotografia que encima o capº 2 ("Assistência Religiosa às Forças Armadas: Orgânica e Pressupostos" (pp. 23-44) merece uma legenda crítica por parte do autor do livro, o padre Bártolo Paiva Pereira, hoje major na situação de reforma:

  "A fotografia que abre este capítulo, é uma provocação " (sic) (pág. 23).

Uma "provocação" ?  Não, na época, mas à luz dos dias de hoje... O "aggiormanento" da Igreja Católica, mal começara. (O Concílio Vaticano II, vai de 11/10/1962, 1ª sessão, até 8/12/1965, 4ª e última sessão)... 

O que o autor pretende dizer é que os capelães não serviam (nem podiam servir) para "turiferar a guerra e as máquinas de guerra" (pág. 39)...  "Turiferar", diz o dicionário é  "queimar incenso em honra de; incensar" (em sentido figurado,  adular; lisonjear).

Este é um velho debate, entre a "corporação" e os historiadores, que ultrapassa o âmbito desta simples recensão. Segundo o autor, esta "cerimónia de despedida", esta encenação, centrada na figura do capelão, benzendo guiões e flâmulas, terá sido de "curtíssima duração" (sic) (pág. 23).

Não nos parece: visionámos vídeos antigos da RTP Arquivos (um de 1961 e outro de 1971): em ambos ainda vamos encontrar o capelão perfeitamente integrado na cerimónia de despedida, munido da sua "caldeirinha de água benta" e do "hissope" (ou asperge):
(vídeo 2' 17'')  (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção e guião durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de serviço para o Ultramar".
(vídeo 2' 44'') (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção, guiões e flâmulas durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de soberania para o Ultramar".

No espaço de 10 anos a cerimónia não mudou, pelo menos na Serra do Pilar, no RAP2: os militares já não usam é capacetes de aço... mas o capelão não dispensa a caldeirinha da água benta e o hissope...

Fica-se com a ideia de que o autor, enquanto capelão, perdeu um pouco o contacto com o "terreno", ao  passar, na Guiné, em 1965/67,  a chefiar o serviço religioso, a trabalhar no QG/CTIG ou a viver  no  "Vaticano" (o edifício ou moradia onde estava instalado o capelão-chefe, em Bissau), longe dos quartéis do mato). (Curiosamente, ainda não descobrimos a localização do "Vaticano", na Bissau Velha.)

Neste 2º capítulo faz-se também o "historial" da capelania militar, desde a I Grande Guerra. Dispensamo-nos de entrar aqui em grandes detalhes. Mas recomendamos a sua leitura a quem quiser saber mais sobre o tema.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de Luís Henriques (1920-2012) / Luís Graça (202o)


Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Também houve (e muitos, algumas dezenas de milhares de) expedicionários na II Guerra Mundial. Alguns dos nossos pais estiveram em Cabo Verde, outros nos Açores, ou na Madeira, quiçá em Angola e Moçambique.

Estranhas-se,  por isso, que, no auge da "glória" do Estado Novo, no princípio dos anos 40, não houvesse capelões militares,  ou pelo menos um embrião de serviço de assistência religiosa aos nossos militares, destacados em missão de soberania para as ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde) bem  para outras partes do império (nomeadamente Angola e Moçambique). Diz o autor:

"Portual não entrou na 2ª guerra mundial (1939-145). Por isso, não houve capelães destacados para esse conflito mundial" (pág. 24)...

Não é bem assim, estimado padre Bártolo, está a esquecer-se do caso de Timor onde, numa lista dos cerca de uma centena de portugueses mortos durante a ocupação japonesa (1942-1945),  há pelo menos quatro padres católicos:
  • Padre António Manuel Pires, missionário (assassinado em Ainaro, a 2 de outubro de 1942);
  • Padre Norberto de Oliveira Barros, missionário (idem);
  • Padre Abílio Caldas. missionário, natural de Timor (assassinado em Barique, em data ignorada):
  • Padre Francisco Madeira, issionário (foragido, morto no mato, na região de Lacluta, em data ignorada).
E de entre os mais de 40 mil timorenses que se estima terem morrido (ou sido mortos), durante a ocupação japonesa, muitos seguramente seriam católicos ou cristãos.

Ficamos a saber, isso sim, é que "só em 29 de maio de 1966 foi erigida canonicamente a Diocese Castrense", por acordo entre a Santa Sé  e o Governo de Portugal (pág. 24), sendo essa data a da "oficialização" do serviço  de assistência religiosa nas Forças Armadas, cinco anos e tal depois do início da guerra em Angola. 

O primeiro bispo castrensne seria o próprio Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. E só no ano seguinte, 1967, se realizou o 1º curso  de capelães.

Isto quer dizer que até então todos os capelães militares eram voluntários, foi o caso do padre Bártolo.

(...) "De início os capelães eram mobilizados na base do voluntariado. Aconteceu comigo e com muitos outros. 

As Forças Armadas pediam à Igreja um sacerdote para enquadrar os seus batalhões. E a Igreja arquitetou um plano militarmente bizarro, pastoralmente muito acertado. (...) 

A Igreja nunca concedeu padres ao Estado, apenas os emprestava por um período de vinte anos, ou até se alcançar o poste de major. Findo esse tempo, voltavam à diocese. A imposição aparece com o primeiro Curso Oficial de Capelães, em 1967 (...) (pág. 52, negritos do autor).

E parece que essa medida eclesiástica não foi de todo pacífica:

(...) "Começa a obrigatoriedade  da mobilização. Começa o conflito eclesiástico. Começa o sarilho  da relação de muitos padres com os seus superiores religiosos, Começa o choro da  consciência  de alguns reverendos que não desejavam  exercer a pastoral castrense  em clima de guerra" (pág, 52)...

Temos no nosso blogue várias histórias desse conflito, que começa por ser um conflito de consciência... 

O padre Bártolo também refere e analisa o caso de vários antigos capelães, três dos quais mais polémicos, o meu  primo Horácio Fernandes, o Padre Mário de Oliveira (ou Mário da Lixa) e o Arsénio Puim... Todos eles membros da nossa Tabanca Grande. O Mário da Lixa, já falecido, infelizmente. Os outros dois acabaram por pedir a "redução ao estado laical", um tabu antes do Concílio Vaticano II. (**)

 (Continua)
___________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes anteriores da série:




(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)

18 comentários:

Alberto Branquinho disse...

Luís,

O Horácio Fernandes, capelão do meu Batalhão e teu primo, só chegou a Catió pelo 6º a 8º. mês de Guiné depois de muitas reclamações do Comandante de Batalhão por não haver capelão e porque a localidade tinha uma igreja muito boa (até com torre sineira). Não havia padre leigo, porque o padre italiano tinha abandonado a localidade e não foi substituído.
Quanto ao acto de aspergir/benzedura das unidades militares citas o RASP de V.N. de Gaia. O aquartelamento era, então, designado RAP 2 (e não RASP), de onde saiu o meu Batalhão, e não vi tal coisa no momento da partida.
Abraço
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Não se trata da despedida de um Batalhão, mas de um contingente da PSP; o fardamento (nomeadamente os capacetes com a estrela de seis pontas do respetivo crachá) e a presença do Ministro do Interior Santos Júnior na ponta direita da foto assim o indiciam. Abraço
Eurico Dias

Anónimo disse...

Fernando Ribeiro (by email)
terça, 7/10/2025, 22:51

Caro Luís,
Não te posso responder cabalmente, porque naquele tempo eu já era agnóstico. Não tomei parte em qualquer cerimónia religiosa, nem em Santa Margarida nem em lado nenhum.

Se bem me lembro, antes do embarque da minha companhia para o aeroporto de Figo Maduro, houve realmente uma cerimónia religiosa (provavelmente uma missa) na capela que ficava ao fundo da "avenida" central do Campo Militar de Santa Margarida. Deve ter sido uma cerimónia discreta e modesta, porque de avião só podia viajar uma companhia de cada vez.É só o que eu posso dizer.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro

Carlos Vinhal disse...

Passando os olhos por este post, fico sem entender o que se discute, quem está contra ou a favor e de quê.
Vejamos, o senhor Padre Bártolo foi Capelão Militar do QP das Forças Armadas.
Nesta qualidade será contra a assistência religiosa nas Forças Armadas Portuguesas?
Foi contra as cerimónias religiosas nas partidas e chegadas de contingentes militares, incluindo o benzer os Guiões?
Foi contra a presença de Capelães nos batalhões militares em serviço nos três TOs?
A todas estas perguntas terá de dizer não.
Pessoalmente não sou muito sensível a estas cerimonias religiosas, mas nada tenho contra elas, muito menos as critico, até as acho muito importantes para as pessoas crentes.
Todos sabemos que naquele tempo a religião Católica tinha muita influência em Portugal, logo, aos olhos de hoje, estar a fazer qualquer juízo crítico, é pura ideologia. Todos sabemos que a ocupação de África foi feita com a Cruz numa mão e a espada na outra.
A legenda da primeira foto é incoerente, não percebi se é da autoria do Pe. Bártolo, uma vez que era usual fazer-se aquele tipo de cerimónia nas despedidas de forças militares destinadas ao ultramar. Se caiu em desuso foi porque se tornou, infelizmente, muito banal o embarque de contingentes para a guerra.
Ainda se pode ler na legenda este parágrafo: “A Assistência Religiosa sempre esteve ao serviço dos homens e nunca das máquinas de guerra ou das ideologias que fomentavam o imperialismo colonial”.
Confesso não aceitar que este parágrafo seja da autoria do Pe. Bártolo, caso contrário temos de lhe perguntar, sendo ele Capelão do Quadro Permanente das Forças Armadas, como conseguia distinguir as duas coisas, “servir o homem” sendo ao mesmo tempo pago pela “máquina de guerra”.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, a legenda da foto é dele, vem no livro... A língua portuguesa é tramada..as tenho que enquadrar melhor o "excerto" para evitarsl entendidos...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, obrigado, vou melhorar o poste para que não fiquem dúvidas

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Temos de ter cuidado com as questões de religião...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na minha CCAÇ 12, havia católicos, muçulmanos, animistas, agnósticos e ateus...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E entre os católicos muitos não eram praticantes.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aprendi a respeitar todos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Um terço dos militares (incluindo milícias) do CTIG eram do recrutamento, muçulmanos, ano.idtas, cristãos.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Animistas, queria dizer.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não havia capelães muçulmanos. Hoje haveria.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Destaco a explicaçãpo que foi dada pelo nosso camarada Eurico Dias, ex-al mil, CCaç 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará" (Gampará, 1972/74), relativamente à foto que encima o poste: "não se trata da despedida de um Batalhão, mas de um contingente da PSP; o fardamento (nomeadamente os capacetes com a estrela de seis pontas do respetivo crachá) e a presença do Ministro do Interior, Santos Júnior na ponta direita da foto assim o indiciam" .

Agradecemos a oportuna e rápida explicação. Vou pedir ao Virgílio Teixeira que, no próximo encontro da tertúlia deles, em Vila do Conde, esclareça este pormenor junto do padre Bártolo... Não é tropa, Virgílio, é PSP, diz lá ao teu e nosso amigo e camarada padre Bártolo.

De qualquer modo, os capelães eram (e são, julgo eu, que cada vez menos sei de tropa...) "capelões das Forças Armadas e das Forças de Segurança" (dantes dizia-se: "forças militarizadas").

Anónimo disse...

ANGELINO SANTOS SILVA (by email)
8 out 2025 10:11

Bom dia camarada Luís.
Na Guiné, em determinada altura encontrei um camarada Capelão. No tempo em que convivemos, mantivemos longas conversas. Numa deles contou-me que foi abordado por 2 elementos que se identificaram como militares, que o "convidaram" a ingressar no exército para fazer uma comissão em África. Se recusasse, seria corrido da Igreja. E muito provavelmente, chamado para fazer a tropa. Perante a ameaça, acabou por aceitar ir como " "voluntário" para Moçambique. No final da comissão, não quis voltar à sua paróquia e ofereceu-se para ir para a Guiné.

A nossa vida enquanto Combatentes, também teve "pedaços" riquíssimos, que nos ficaram para sempre na memória.

Parabéns ao nosso camarada, padre Bártolo.

Um abraço.

Angelino

Anónimo disse...

Claro que a foto é de um contingente policial, vê-se logo pelo fardamento.!!!
A questão é pertinente, vou analisar com ele o que quer dizer com esta foto!
Este livro é da sua autoria, ele é uma pessoa muito aberta, no que toca à vida em sociedade, e a religiões, mas não sou expert nisto.
Não é preciso tanta polémica.
Não sei como o vou trazer para a nossa Corte, se ele não funciona com tecnologias?
Ab, vt

Carlos Vinhal disse...

Um dos meus tios fez uma comissão de serviço em Moçambique no tempo da 2.ª Grande Guerra.
Talvez por isso, quando me despedi dele antes de embarcar para a Guiné, chorou agarrado a mim.
Por sorte, o seu filho, mais velho do que eu 1 mês, cumpriu toda a tropa na metrópole.
Carlos Vinhal

Anónimo disse...

Estou aqui no café com o padre BARTOLO.
Colocada a questão diz que se trata de uma companhia da polícia militar, que partiu do regimento de lanceiros 2 de Lisboa.
Não é PSP nem tropa macaca.
Mais dúvidas vou puxar por ele.
Abraço Vt