1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2019:
Queridos amigos
Aqui fica se dá conta do rescaldo de imagens que o viandante guardou por lhes ter atribuído poder sentimental, é capaz de as rever e de voltar àqueles sítios, afogueado pelo prazer do que captou, as razões que o impeliram a fotografar uma muralha gigantesca, uma escada-rolante de metro, um belíssimo mosaico romano, um palácio sumptuoso daqueles Bourbon endinheirados, expulsos por Napoleão, que também deixou marcas, era um daqueles que pensava estar à frente de um império para toda a vida.
São estes recortes que agora se partilham e que marcam não uma despedida definitiva de viajante, está pronto a regressar ou mudar de agulha para outro poiso, mas que não pode deixar de testemunhar que Nápoles lhe enche as medidas e que logo que possa aqui vem arribar.
Um abraço do
Mário
Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (11)
Beja Santos
Trazer fotografias numa câmara fotográfica ou num telemóvel, em quantidade e variedade, permite uma triagem que assegure consistência e lógica ao que se pretende oferecer ao leitor, nas visitas diárias, com comentários acessórios. Uma semana é manifestamente insuficiente para percorrer Nápoles e belezas vizinhas. Havia que fazer escolhas, e disso o viandante não está arrependido. Deixou-se o percurso da Nápoles greco-romana para um museu e na visita a Herculano. Ao museu não se foi, e diz-se com amargura, é um dos museus arqueológicos mais notáveis, goza justificadamente de reputação mundial, deu-se ênfase à magnificência dos Bourbon, e daí esta recolha de imagens da visita ao palácio-real de Caserta, um barroco quase sempre triunfal, não se poupou no ouro, no mármore. Acontece que o mundo dá muitas voltas e o mobiliário é transferido para outros sítios, e percorre-se este palácio com a noção de que o espaço e as coisas não coincidem acertadamente. Além dos Bourbon, passearam-se por aqui familiares de Napoleão, obviamente que deixaram marcas do estilo império, e daí a escolha da cama e de um motivo pictórico de um teto. Não se pode dizer que não há harmonia entre o barroco e o estilo imperial sonhado por Bonaparte.
É durante a visita a Caserta, que foi possível ao viandante aproximar-se de uma janela e colher esta vista até à grande distância, as cadeias montanhosas não faltam, nada têm a ver com Alpes ou Apeninos, que ficam mais acima. O que chamou a atenção são as vias que nos aproximam do palácio real e pelas quais temos que partir para apanhar um comboio ou outro transporte.
Ficaram estes mosaicos por publicar da visita a Herculano, foi dia inesquecível, percorreu-se todo aquele casario que os arqueólogos reabilitaram, a posição da cidade é admirável e as escavações permitem que se caminhe de cima para baixo, e depois entramos por aquelas ruas que dão acesso a habitações multifamiliares, entra-se noutra casa com pavimentos de mosaicos, segue-se outra que tem jardim interior, andamos pelos quartos, visitamos os banhos, os locais onde se vendia comida, residências patrícias, mas resta dizer que os mosaicos, podem não rivalizar com o que se encontra em Pompeia, mas são magníficos, é o caso deste.
Inesquecível foi a viagem a Ravello, com as suas villas e notável igreja, para já não falar das panorâmicas sumptuosas da costa amalfitana. O que aqui se mostra é um quadro patente no Museu de Villa Rufolo, um púlpito admirável da igreja de Ravello, e por fim a casinha onde se pernoitou, oferecendo olhares desafogados pela montanha, pelas praias, pelos socalcos a cair sobre Amalfi.
Já se fez o elogio do metro de Nápoles, o que aqui se mostra é um indicador desse talento de acrescentar um pormenor a uma banal escada-rolante e provocar a sensação de que estamos a caminho de uma nave espacial, há aqui algo de estratosférico, e a solução é bem simples, uns simples aros metálicos, uma luz apropriada e um teto a condizer. o viandante sempre se empolgou com a arte dos metropolitanos, claro que Moscovo é a essência do luxo, Lenine queria que as estações fossem palácios do povo, o que aqui se vislumbra é a comodidade associada a uma organização do espaço que gera necessariamente apaziguamento e bem-estar. Caso não seja o que pretenderam os promotores do espaço, é esta a leitura do viandante. E ponto final.
Voltamos ao Castelo de Sant’Elmo, é um dos pontos altos de Nápoles, o viandante andou à volta deste conjunto de transatlânticos de pedra, a construção foi feita para defender, para nela se viver e nela se aprisionar. Convém não esquecer que foi daqui que saiu a Portuguesa de Nápoles, Leonor da Fonseca Pimentel, para a execução, ela era republicana, República de pouca dura, fortemente reprimida pelos Bourbon e tropas pontifícias, é a agonia do absolutismo. Anda-se em torno destas toneladas de pedra, é uma sensação de esmagamento.
É do ponto mais alto de Sant’Elmo que nos podemos deliciar com a vastidão de espaço que nos liberta o olhar. Mas o olhar engana, tudo começa pela fruição e depois dá-se conta de que aquela neblina é densa poluição, a razão é muito simples, trata-se de uma elevadíssima densidade populacional, um excesso de gente por metro quadrado, Nápoles é conhecida pela barulheira do tráfego, impressiona a quantidade de motas e motoretas que circulam em todas as direções. Há aqui uma cortina ou um véu que nos obriga a pensar que a mudança climática exige novos meios de transporte muitíssimo menos poluentes.
Estamos agora na Cartuxa e Museu Nacional de São Martinho, é a visita subsequente à do Castelo de Sant’Elmo. É um dos momentos mais impressionantes da visita ao Museu Nacional, a área dos presépios. O viandante nunca vira coisa parecida, por ali andou estarrecido a ver os jogos de luzes, quando andou na catequese este episódio natalício era obrigatório: o nascimento do Deus-Menino numa manjedoura, exaltado pelos humildes e pelos poderosos da Terra, e o Pai convocara para esse momento culminante um cortejo glorioso de anjos, Gloria in excelsis Deo. Daí a beleza incomparável que esta coreografia permite, seja qual for o grau de religiosidade de quem contempla a Natividade.
Aqui se põe termo à recapitulação do que ficou destas vistas folgadas e faustosas, é a despedida dos pontos elevados da cidade, depois foi a descida até à marginal, passeando por bairros típicos e também da burguesia chique, a baía de Nápoles é de uma beleza incomparável, capta-se este plano com uma pontinha de nostalgia, urge voltar, mas há um sentimento de quem se sente contrafeito por ter deixado tanta coisa por ver. Então recorda-se José Saramago quando escreveu que a viagem nunca acaba, só os viajantes é que acabam, ou porque ficam desiludidos por calcorrear as terras de outro bicho-homem ou porque a idade não perdoa. Felizmente que o viandante ainda está numa idade perdoável, e já fez juras para aqui voltar.
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Nota do editor
Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21114: Os nossos seres, saberes e lazeres (399): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (10) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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