quarta-feira, 1 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21127: Historiografia da presença portuguesa em África (216): A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Uma boa surpresa, todo o conteúdo desta tese de doutoramento referente à imprensa na África Portuguesa, entre 1842 e 1974.
Por razões compreensíveis, o foco foi sempre a Guiné, aparecem salientados os aspetos da sua imprensa insignificante e no Estado Novo em nenhuma circunstância molestou o regime. A autora recomenda que não se menorize o papel dos Boletins Oficiais. Como ela escreve, "a partir do século XX e até 1974, o papel primordial dos Boletins Oficiais foi manter a sociedade informada dos atos oficiais dos governos coloniais. Os Boletins foram uma fonte de informação privilegiada para os jornalistas, que através dos conteúdos oficiais denunciavam políticas e práticas governativas ou davam o seu apoio à gestão dos governos coloniais. Estes boletins contribuíram ainda para manter a população letrada das colónias informada".
E lembra ainda que "em Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e na Guiné, ao longo do Estado Novo, na maior parte do período, existiu apenas um jornal, quando em Moçambique e Angola existia uma diversidade de títulos".
Nas conclusões, a autora enfatiza os aspetos da semelhança de toda esta imprensa: era de perfil político, dirigido às elites e com a propriedade vinculada às forças sociais e ao Estado; a atividade jornalística estava articulada à militância política, a profissionalização jornalística foi sempre insipiente; no Estado Novo, a intervenção do Estado foi sempre forte.

Um abraço do
Mário


A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais (2)

Beja Santos

A tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (acessível pelo link https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15605/1/ulsd069555_td_Isadora_Fonseca.pdf), é um documento que revela estudo e tratamento seguro de uma temática que tem vindo a ser abordada fragmentariamente. A Guiné e a sua imprensa, pelo rigor de análise da autora, merecem aqui o devido realce.

No texto anterior, deu-se primazia à contextualização histórica proposta pela autora, foi referida a imprensa na Guiné na Monarquia Constitucional, e já na alvorada da República verificou-se que o Boletim Oficial continuava a ser o único canal de informação impressa na Guiné. Só em 1920 apareceu o Ecos da Guiné, Quinzenário Independente Defensor dos Interesses da Província, teve vida efémera; a Voz da Guiné surgiu em 1922, apresentava-se como quinzenário republicano independente. Observa a autora que o periódico vinha regularmente em defesa das medidas políticas do Governador Velez Caroço. Em 17 de agosto de 1924, em Bissau, saiu o número 1 do Pró-Guiné, Órgão do Partido Republicano Democrático, reproduzido na imprensa nacional, editou apenas quatro números, em todos eles usou sempre o tom elogioso com o Governador. Fazendo o ponto da situação da imprensa na Guiné durante a I República, a autora sublinha que a imprensa na colónia não se consolidou, ao contrário do que aconteceu nas demais colónias portuguesas em África, justifica o facto pela fraqueza das elites na Guiné, o incipiente desenvolvimento económico e social da colónia e o prolongamento das guerras de pacificação. E recorda que os três jornais foram iniciativas de funcionários públicos, pequenos comerciantes e políticos locais que dependiam da Imprensa Nacional para reproduzir os periódicos. Nunca apareceu um jornal africano que defendesse os interesses dos povos nativos, como veio a acontecer nas demais colónias portuguesas em África. Foi uma imprensa que nunca possuiu um espaço de expressão, reivindicação e negociação política, dado o facto de a propriedade da imprensa estar ligada apenas às elites portuguesas. É bem notório o controlo dos conteúdos pelo governador. Os jornalistas eram funcionários públicos, políticos e comerciantes, não auferiam rendimentos desta atividade jornalística.

Estamos já noutro patamar, o Estado Novo. Vale a pena ouvir a autora:  
“A partir de 1930, com as políticas centralizadoras do governo autoritário, os portugueses passaram a dominar o comércio, tendo à frente o BNU e a Casa Gouveia, fortemente ligados o primeiro à Sociedade Comercial Ultramarina e a segunda à CUF. No interior do território foram instalados postos estatais dedicados à compra do amendoim, do arroz e do óleo de palma, entre outros, produzidos pelos africanos. As finanças da colónia dependiam dos recursos metropolitanos e dos aumentos dos impostos. Os efetivos militares diminuíram a partir de 1928, correspondeu à necessidade de se limitar os gastos. Em 1930, surgiu em Bissau a primeira tipografia privada e entre 1930-1931 foram publicados vinte números do Comércio da Guiné, o último saiu a 18 de abril e coincide com a inclusão de um movimento insurreto na Guiné, ligado à resistência na Madeira, a designada Revolução Triunfante”.

A capital é transferida para Bissau, em 1941, e dois anos depois apareceu o Arauto, Dilatando a Fé e o Império, jornal mensal, dirigido pelo Padre Afonso Simões, com redação e administração na Residência Missionária de Bolama. Não faltavam conteúdos religiosos e informativos, tudo cuidadosamente elaborado para não haver sanções da censura. Vejamos agora a imprensa que surgiu depois. Entre 1950-1954, a Secção Técnica de Estatística publicou o mensário Ecos da Guiné, periódico oficial de divulgação das atividades do governo, com textos escritos pelos funcionários públicos que exaltavam a ação colonial portuguesa na Guiné. Em 1950, o Arauto tornou-se diário, mudou de diretor, passou a ser o Padre José Maria da Cruz, dava-se destaque às notícias da metrópole, todos os eventos do governo local e nacional eram destacados. A partir de 1958, o jornal passou a designar-se O Arauto. E assim chegámos à década de 1960, quando foi revogado o Estatuto do Indigenato, a atmosfera de descolonização geral em África obrigava o Estado Novo a maquilhar a sua política, O Arauto é um defensor intransigente da política do regime, aparecem comentários como este num número de setembro de 1962: É já conhecido o recente acordo, levado a efeito entre Álvaro Cunhal, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos e um representante de Humberto Delgado, de que resultou a elaboração de um programa que prevê, praticamente, a entrega das províncias ultramarinas, com total independência, às organizações daqueles elementos comunistas e a criação de metrópole de uma república popular. Eram aproveitadas as opiniões nacionalistas de toda a ordem, caso dos artigos de Dutra Faria que visitara a Guiné e publicara um conjunto de textos no jornal ligado à política de Salazar, o Diário da Manhã. E a autora diz-nos que na sua última fase os conteúdos de O Arauto estiveram centrados no noticiário internacional, com textos de combate ao comunismo e em artigos sobre os países que apoiavam Portugal. Além dos boletins das Forças Armadas, não há mais notícias sobre a Guiné. A última edição conhecida de O Arauto saiu em abril de 1968, dois meses depois Spínola desembarcava em Bissau. Entre 1968-1970 circulou o semanário Notícias da Guiné, Boletim do Centro de Informação e Turismo, o jornal não apresentava ficha técnica a indicar os seus responsáveis e os seus textos não eram assinados. Tema permanente era a publicação do Boletim das Forças Armadas e repetidamente eram anunciadas no jornal as medidas governamentais. Por exemplo, em agosto de 1969, o jornal trazia uma longa reportagem sobre os “terroristas arrependidos”, entre eles Rafael Barbosa. As atividades do governador e comandante-chefe são uma constante informativa. A última edição conhecida do Notícias da Guiné é de 22 de março de 1970.

E a autora recorda o acontecimento cultural de maior significado, entre janeiro de 1946 e abril de 1963, o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicou o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, publicação de caráter científico, com estudos de divulgação no campo da História, da Etnografia, das Artes e da Literatura. Ainda hoje é de consulta obrigatória.

Procedendo a uma síntese da imprensa na Guiné durante o Estado Novo, a autora lembra que o regime não precisou de fazer uso da censura e da perseguição contra a imprensa e o jornalismo, pois não existia uma imprensa que questionasse, criticasse ou se opusesse às políticas autoritárias. Os jornais sucumbiam por falta de estrutura empresarial. Lembra que a colónia esteve treze anos sem um jornal até que surgiu o Arauto, que era propriedade da Igreja. “Não se sabe quem foram e quantos eram os jornalistas na Guiné, pois os textos dos jornais não eram assinados e os títulos não tinham fichas técnicas”.

A tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca é uma investigação de grande significado, permite conhecer as dinâmicas da imprensa e do jornalismo nos territórios da África Portuguesa, arriscado era o desafio, o resultado tem o sabor de um bom acontecimento para a historiografia guineense.
____________

Notas do editor

Vd. poste anterior de 24 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21107: Historiografia da presença portuguesa em África (214): A imprensa na Guiné, numa tese de doutoramento de Isadora de Ataíde Fonseca, denominada “A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974" (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21123: Historiografia da presença portuguesa em África (215): o jovem Amílcar Cabral, finalista de engenharia agronómica, saudando o regresso das chuvas e da esperança, após quatro anos de seca, fome e tragédia, escreveu: "A bem de Cabo Verde, pelo bom nome e pela glória de Portugal" (sic), a rematar um artigo publicado no nº 1 do Boletim de Informação e Propaganda, outubro de 1949

Sem comentários: