Guiné > Bissau > Brá > c. 1964/65 > o fur mil Gonçalo Inocentes, angolano, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 e pela CCAV 488, entre 1964 e 1965
Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem Gonçalo Inocentes, que passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 810
Data: terça, 23/06/2020, 14:47
Luís, encantado com a recepção (*).
Fui mobilizado em rendição individual em Abril de 64 como furriel. Fui direitinho da EPC [, Escola Prática de Cavalaria] em Santarém para a CCAÇ 423 em S. João.
Como eles já tinham um ano de comissão, eu fiquei e fui a seguir colocado na CCav 488 [Bissau e Jumbembem, 1963/65]. Quando eles cumpriram o tempo, eu já tinha mais de 16 meses, pelo que acabei por regressar com eles sem ter cumprido os dois anos. Tive sorte.
Regressei a Angola, onde nasci [, em 1940], para exercer a profissão de Regente Agrícola.
Quatro anos depois fiz a agulha e passei-me para a aviação. O meu primeiro trabalho foi voar para os quarteis do norte para fazer reabastecimentos. Acabei na linha aérea (TAAG) e, com a descolonização, acabei na TAP onde permaneci até ser apanhado por um enfarte cardíaco o que me levou para a reforma.
Aí comecei a escrever, editando a história da Escola Agrícola de Santarém. Depois a história da Sociedade Agrícola da Cassequel, onde trabalhei como técnico [, e onde também trabalhou o Amílcar Cabral, em 1956, como engenheiro Agrónomo].
Depois editei a história de um naufrágio, em 1724, na ilha de Porto Santo, de um galeão holandês.
Editei também um livro de arte e poesia em coautoria com uma artista, bem como um de poesia escrito por um tio falecido. Em espera e já escritos tenho a minha história na aviação, a influência das mulheres no meu percurso de vida, uma viagem desde o mar do Norte até Vilamoura em veleiro de 10 m, o restauro de um veleiro clássico.
Assim, meio resumido, aqui vai o meu percurso.
Como página do meu livro da Guiné, atendendo ao período que estamos agora a passar, envio um bem curioso, sem qualquer tiro.
Quanto a livros podem ser vistos alguns no Google em Gonçalo Inocentes (Matheos).
Como fotos segue uma da Guiné tirada no quartel de Brá e outra actual.
É bom ficar abrigado na grande tabanca.
Outro alfabravo
Gonçalo
2. Comentário do editor LG:
Camarada Gonçalo, depois de um primeiro poste (*), e da manifestação da tua vontade em ficar "abrigado" sob o nosso poilão (simbólico, as fraterno, mágico, protetor...), cabe-me completar a tua apresentação à Tabanca Grande, conforme mail que já te enviei ontem,
Passamos a ser, contigo, 810, os camaradas e amigos da Guiné... 10% infelizmente já não estão, fisicamente, entre, são aqueles bravos que já partiram para a última viagem...
Camaradas são os de armas, amigos são familiares de ex-combatentes (viúvas, filhos, irmãos), e alguns guineenses ou gente especialmente interessada pela Guiné e pela guerra de 1961/74 (investigadores, etc.).
Outro alfabravo
Gonçalo
2. Comentário do editor LG:
Camarada Gonçalo, depois de um primeiro poste (*), e da manifestação da tua vontade em ficar "abrigado" sob o nosso poilão (simbólico, as fraterno, mágico, protetor...), cabe-me completar a tua apresentação à Tabanca Grande, conforme mail que já te enviei ontem,
Passamos a ser, contigo, 810, os camaradas e amigos da Guiné... 10% infelizmente já não estão, fisicamente, entre, são aqueles bravos que já partiram para a última viagem...
Camaradas são os de armas, amigos são familiares de ex-combatentes (viúvas, filhos, irmãos), e alguns guineenses ou gente especialmente interessada pela Guiné e pela guerra de 1961/74 (investigadores, etc.).
Temos gente das 3 armas, e da grande maioria das unidades que passaram pelo CTIG. Partilhamos memórias (e afectos). Temos algumas regras, simples e consensuais, que é pressuposto aceitares tacitamente
Faço a tua apresentação, com os elementos que me mandaste, incluindo o pequeno excerto do teu livro ), que reproduzo abaixo).
Vai dando notícias e manda mais colaboração: se achares oportuno podemos abrir uma série para ti, com pequenas histórias / memórias de 1964/65... Ou outras, que achares por bem, de "outras guerras".
Boa saúde, boas escritas, e que os bons irãs da Tabanca Grande te protejam,
Luís Graça
PS - O alferes miliciano e escritor Armor Pires Mota, é também da tua da CCAV 488. Natural de Oliveira do Bairro, região da Bairrada, onde nasceu em 1939, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande onde tem quase uma centena de referências, Lembras-te dele?
Faço a tua apresentação, com os elementos que me mandaste, incluindo o pequeno excerto do teu livro ), que reproduzo abaixo).
Vai dando notícias e manda mais colaboração: se achares oportuno podemos abrir uma série para ti, com pequenas histórias / memórias de 1964/65... Ou outras, que achares por bem, de "outras guerras".
Boa saúde, boas escritas, e que os bons irãs da Tabanca Grande te protejam,
Luís Graça
PS - O alferes miliciano e escritor Armor Pires Mota, é também da tua da CCAV 488. Natural de Oliveira do Bairro, região da Bairrada, onde nasceu em 1939, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande onde tem quase uma centena de referências, Lembras-te dele?
O alferes Santos Andrade escreveu, em verso, a história do BCAV 490. Podes encontrar no blogue muitos postes com excertos do livrinho, cuja capa se reproduz (, imagem à direita). Lembras-te dele?
Temos apenas meia dúzia de referências à CCAÇ 423... Mais de 3 dezenas à CCAV 488. Vais gostar desta foto, abaixo reproduzida, que eu presumo tenha sido tirada em Jumbembém
Foto (e legenda): © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Pormenor da capa do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (ModoCromia, no prelo).
3. Excerto do livro"O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65"
A Diarreia
A Diarreia
por Gonçalo Inocentes (Matheos)
As diarreias, Senhor!
As diarreias são um desequilíbrio que nos deixa completamente desequilibrados porque é como se estivéssemos a desfazer-nos de dentro para fora.
São péssimas quando aparecem e quando aparecem em certos lugares e ocasiões são simplesmente demolidoras.
Há diarreias singulares e surtos epidémicos.
Agora imagine-se um surto de epidémico de diarreia num grupo de combate, no decorrer de uma acção militar nas matas da Guiné. É surreal.
É surreal de facto. Homens caminhando em duas linhas, afastados como é norma, de arma aperrada prontinha a disparar e no silêncio da mata quando nem os bichos se manifestavam, há uma voz sumida que diz: “é agora!”.
Toda a coluna estaca, joelho no chão e o infeliz
afasta-se um metro para o lado, despe as calçasrápido porque não há tempo, observa bem não vá haver uma cobra por ali e, descarrega.
Não há papel e muito menos higiénico, mas há folhas de plantas que usadas com cuidado limpam e não deixam lá formigas.
E segue-se outro e outro, mais outro correndo a vez a todos mas diga-se: o inimigo nunca nos apanhou com as calças em baixo.
Vivi isto nas matas de Quinhará e deixámos para o inimigo um rastro diarreico, malcheiroso, desagradável até para os formigueiros. Autênticas minas que quando pisadas não matam, mas desmoralizam pra caramba.
E lembrei-me disto, porquê? De facto, desde a dita Guerra da Guiné que terminámos de forma vil, que a nossa Governação se tem caracterizado por uma diarreia epidémica e crónica. Quando a coisa é boa para o povo, arruína as contas do estado, logo é efémera. Quando ajuda o orçamento é penosa para os mesmos de sempre, logo é perene.
Até dá a sensação de que houve uma praga pregada que, quanto mais corrermos mais nos borramos e quanto mais pararmos, mais nos dói. (p. 49)
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As diarreias, Senhor!
As diarreias são um desequilíbrio que nos deixa completamente desequilibrados porque é como se estivéssemos a desfazer-nos de dentro para fora.
São péssimas quando aparecem e quando aparecem em certos lugares e ocasiões são simplesmente demolidoras.
Há diarreias singulares e surtos epidémicos.
Agora imagine-se um surto de epidémico de diarreia num grupo de combate, no decorrer de uma acção militar nas matas da Guiné. É surreal.
É surreal de facto. Homens caminhando em duas linhas, afastados como é norma, de arma aperrada prontinha a disparar e no silêncio da mata quando nem os bichos se manifestavam, há uma voz sumida que diz: “é agora!”.
Toda a coluna estaca, joelho no chão e o infeliz
afasta-se um metro para o lado, despe as calçasrápido porque não há tempo, observa bem não vá haver uma cobra por ali e, descarrega.
Não há papel e muito menos higiénico, mas há folhas de plantas que usadas com cuidado limpam e não deixam lá formigas.
E segue-se outro e outro, mais outro correndo a vez a todos mas diga-se: o inimigo nunca nos apanhou com as calças em baixo.
Vivi isto nas matas de Quinhará e deixámos para o inimigo um rastro diarreico, malcheiroso, desagradável até para os formigueiros. Autênticas minas que quando pisadas não matam, mas desmoralizam pra caramba.
E lembrei-me disto, porquê? De facto, desde a dita Guerra da Guiné que terminámos de forma vil, que a nossa Governação se tem caracterizado por uma diarreia epidémica e crónica. Quando a coisa é boa para o povo, arruína as contas do estado, logo é efémera. Quando ajuda o orçamento é penosa para os mesmos de sempre, logo é perene.
Até dá a sensação de que houve uma praga pregada que, quanto mais corrermos mais nos borramos e quanto mais pararmos, mais nos dói. (p. 49)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21129: O nosso livro de visitas (205): Gonçalo Inocentes (Matheos), autor do livro "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65", a lançar proximamente pela editora ModoCromia ...
(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21129: O nosso livro de visitas (205): Gonçalo Inocentes (Matheos), autor do livro "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65", a lançar proximamente pela editora ModoCromia ...
(***) Vd. poste de 6 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...
1 comentário:
Gonkalo, querias dizer "matas de Quínara", e não de Quinhará, suponho eu... O topónimo "Quinhará" não o encontro...
https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial66_mapa_SJoao.html
E quanto à CCAV 488, estivestes com eles, onde ? Em Jumbembém, suponho.
Abraço e, mais uma vez, sê bem vindo.
Esqueci-me de referir que o nosso coeditor jubilado, o Virgínio Briote, também pertenceu ao teu BCAV 490:
Virgíio BRiote;
(i) nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar:
(ii) foi Alf Mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965);
(iii) fez o 2º curso de Comandos do CTIG, comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966);
(iv) regressou em Jan 1967;
(v) casado com a Maria Irene, foi quadro superior da indústria farmacêutica.
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