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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27362: Humor de caserna (217): O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário (Fernandino Vigário, ex-sold cond auto, CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmemet, 1967/69)



Guiné > Região do Cacheu Teixeira Pinto (?)  CCS / BCAÇ 1911 (1967/69) O sold cond auto Fernandino Vigário, no seu jipe


Se

Guiné >  Bissau > Café Bento / 5ª Rep (?) > s/d (c. 1967/69) >  "
Malta amiga, maiatos, num café de Bissau: a partir da esquerda:  (i) 1.º cabo op cripto/QG Domingos; (ii) Sousa, da CCAÇ 1743; (iii)  um militar náo identificado; (iv)  1.º cabo escriturário/QG;  e (v) eu, Fernandino Vigário
 



1. O Fernandino Vigário foi soldado condutor auto,  CCS / BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, mai 1967/ mai 69); é membro da Tabanca Grande desde 
112/12/2011; é autor da série "As Minhas Memórias" (de que infelizmente só se publicaram dois postes); é maiato, natural e residente em Nogueira da Maia, cidade da Maia, distrito do Porto.

Tem muita a honra no seu apelido, Vigário. E já aqui publicámos , em 2012, uma história divertida, que se passou com um alferes graduado capelão, num domingo, em que ele foi dizer missa a Safim e outros destacamentos do setor de Bissau, onde havia pelotões do BCAÇ 1911. O Vigário foi destacado para levar o capelão.

 Em mensagem enviada do nosso coeditor Carlos Vinhal, com data de  2 de janeiro de 2012, o Vigário deu os seguintes elementos importantes para se perceber o texto e o contexto:

(...) Aproveito para enviar uma história passada comigo e um alferes capelão que, creio, estava no QG/,CTIG, não sei o seu nome nem o conhecia. 

Entre missas e funerais eu conheci vários, havia um que, se não estou em erro, com o posto de tenente,  corpo franzino mas espírito de oficial militar, não dava grande confiança aos soldados.

Vai também duas fotos, uma sou eu no jipe, a outra sou eu mais três amigos e vizinhos da Maia que estavam no QG. O outro elemento não faço a mínima ideia quem seja. (...)

A história passa-se no 1º semestre de 1969, talvez no final do 1º trimestre / princípio do 2º trimestre. O Vigário regressa  à metrtópole, com o seu batalhão, em maio de 1969, juntamente com o capeláo, Abel Gonçalves, que ele conhecia. Por exclusão de partes, o protagionista da história não podia ser o padre Abel Gonçalves, já falecido (em 2019),   figura popular entre o pessoal do  BCAÇ 1911. 

Nessa altura, o capelão-chefe, que estava no QG/CTIG, em Santa Lusia. seria o padre Manuel Joaquim da Silva Capitão (17/1/1968 - 3/3/1970) que veio render o padre Bártolo Paiva Pereira (1966/68) (*).

Mas não é relevante tentar descobrir quem terá sido o "jovem alferes capelão", cheio de sangue na guelra, que queria dar uma lição ... ao Vigário. É mais uma história brejeira que fica bem na série "Humor de caserna" (**).



Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso...  ao Vigário

por Fernandino Vigário


Estou de volta, e às voltas com a minha memória: como não tenho nada escrito,  vou tentar reconstituir uma história passada comigo e um alferes capelão. Hesitei se a devo contar ou não, mas resolvi contar,  nem que seja para ficar em arquivo.

Eu, Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto, estava em Bissau no quartel conhecido por "600". Já no fim da comissão, numa manhã de domingo (não me recorda a data, mas deve ter sido num dos primeiros meses de 1969), fui escalado para transportar um alferes capelão, ainda bastante jovem,  a três ou quatro destacamentos limítrofes de Bissau, Safim e outros, onde estavam destacados Pelotões de Companhias do meu BCAÇ 1911.

Transportar um capelão, para ir celebrar a Eucaristia aos ditos destacamentos, foi serviço que eu fiz várias vezes, e nem sempre foi o mesmo. 

O que aconteceu nesse domingo com um bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais, que eu não o conhecia, nem nunca soube o nome porque só fiz um único serviço com ele.

Nesse domingo de manhã, depois de darmos os bons dias e trocarmos algumas palavras de circunstância, iniciámos a viagem que nos iria levar aos ditos destacamentos. 

O capelão, além de jovem, era simpático e extrovertido, falava pelos cotovelos, e para espanto meu, ainda na estrada de Santa  Luzia,  ao cruzarmos com uma mulher ainda jovem, cabo-verdiana, por sinal bem jeitosa, atira a seguinte frase:

 
−  Ena,  pá! Que gaja boa. Uff, que brasa!

Percorridas mais umas dezenas de metros, e de novo ao avistar outra mulher cabo-verdiana, repete os comentários. Eu, perante este cenário e vindo de um padre, olhei-o de soslaio, meio petrificado e a pensar no que é que viria a seguir. Seria aquilo verdade?

Como eu falava pouco, na verdade sou um pouco introvertido e reservado, havia também a hierarquia, alferes e soldado, a separar-nos, o capelão resolve puxar por mim.

−  Então, condutor, não dizes nada, o gato comeu-te a língua ?!... Pra começar diz-me lá o teu nome?!

− Fernandino Vigário, meu Capelão, mas todos me tratam por Vigário.

−  Vigário? Oh, pá, mas és Vigário ou és vigarista?!

Hesitei um pouco, mas logo respondi:

−  Meu Capelão, eu sou Vigário de nome, mas sei que há por aí uns Vigários com obras feitas. Olhe, alguns até vieram parar a Bissau.

−  Pois é, condutor, para quem falava pouco já estás a falar de mais, eu vou ter que te ensinar o Pai-Nosso.

Tive que me fazer um pouco palonço, não senti a rigidez militar e respondi:

−  Meu Capelão, não é necessário! Eu na minha parvónia aprendi a Doutrina toda, foi o meu pai que me ensinou. Até fiz a comunhão solene!

−  O teu pai ensinou-te a Doutrina mas foi às avessas, agora quem te vai ensinar sou eu.

−  Meu Capelão, peço desculpa se o ofendi, mas não vejo onde o tenha feito, e longe de mim ofender quem quer que seja.

−  Bem condutor, aceito as tuas desculpas e não se fala mais nisso, afinal hoje é Domingo, é o dia do Senhor, e de ouvir a Santa missa.

PS - Sou católico praticante, e nada me move contra a igreja e os padres, antes pelo contrário, porque sempre os respeitei e,  ao contar esta história, não pretendo denegrir nem esta, nem os padres, e estou convicto que aquele jovem capelão tenha dado um bom padre, para mim aqueles comentários sobre mulheres eram fruto da sua juventude.

(Revisão/ fixação de texto, título: CV / L G)

 
2. Comentário do editor LG:

Fernandino, uma corrida de jipe, a caminho da missa, não dá para se ter grandes conversas e conhecer em profundidade as pessoas, muito menos um capelão (que é antes de tudo... um senhor oficial, militar, fardado, homem...). Havia, nessa época, uma atitude algo reverencial mas também ambivalente, para não dizer,  hipócrita,  em relação ao clero. 

Mas achei interessante as tuas observações e o teu humor, brincando com o teu apelido, Vigário...

"Ensinar o Padre Nosso ao Vigário" é , afinal, um dos  muitos, nossos, fabulosos provérbios populares... Tem muito que se lhe diga... Acho que se podem fazer várias leituras da tua pequena história...Mas deixemos isso aos leitores.

 O provérbio popular "Ensinar o padre nosso ao Vigário" significa tentar ensinar algo a alguém que já é "catedrático na matéria", tem autoridade, é especialista, sabe muito do assunto.

É usado, pois,  para descrever uma situação em que uma pessoa, muitas vezes com menos experiência, traquejo ou conhecimento, presume instruir outra que tem muito mais  autoridade na matéria em questão.

Neste caso, não é preciso recordar que o "Padre Nosso" (ou o Pai Nosso) é a oração mais básica e elementar do cristianismo, todo a gente a sabe de cor, do tempo da catequese (aqueles que foram batisados e andaram na catequese). 

O Vigário (padre adjunto a um pároco, "substituto do prior", do latim "vicarius", "aquele que age em lugar de outro"), sendo  um sacerdote católico, tem a obrigaçáo saber e ensinar o "padre nosso".  Portanto, tentar "ensinar o padre nosso ao vigário"  é uma ação completamente desnecessária, despropositada, redundante e até presunçosa.

A expressão é usada coloquialmente,   de forma crítica ou humorística, quando alguém está a dar conselhos óbvios ou a tentar explicar algo a quem claramente domina o tema. Em suma, é também uma crítica ironica à presunção ou ingenuidade de  tentar ensinar algo a quem já é mestre ou perito no assunto.

 Expressões equivalentes: "Ensinar a missa ao padre.", "Querer ensinar o peixe a nadar"; "Ensinar o gato a caçar ratos"; "Ensinar o pescador a pescar"; "Descobrir a pólvora".

PS - Vígário também pode querer dizer, no Brasil e nalgumas regiões de Portugal," a pessoa que mostra manha ou esperteza para enganar outrem" (vd. a expressão "conto-do-vigário").  A nossa língua é tramada, Fernandino ( e não Fernandinho)...

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

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