sexta-feira, 5 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25719: Notas de leitura (1706): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1865 e 1868) (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Começo a encontrar uma certa animação nos conteúdos do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, apesar da escandalosa desproporção informativa entre o arquipélago cabo-verdiano e os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau. Um dado curioso é aparecerem agora pontos de situação mensais que o Governador da Guiné envia para a cidade da Praia. Vamos ficar a saber que há reparações na Fortaleza de S. José da Amura, que estava em construção um forte em S. Belchior, a Guiné contribuiu com alguns espécimes para o Museu de História Natural, que se velavam pelos direitos dos escravos e libertos. E pela primeira vez, quanto ao século XIX, temos informação de uma solene procissão que percorreu as ruas da vila de Bissau e onde viviam os Grumetes; e as doenças mais abundantes eram as úlceras e a sífilis.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, de 1865 a 1868) (10)


Mário Beja Santos

O silenciamento do que se passa na Costa da Guiné é raramente interrompido por notícias que podem ter a ver com reparações na Fortaleza de S. José de Bissau, a construção de um quartel no Forte de S. Belchior, assistimos ao aparecimento de informações sobre o estado sanitário em Bissau e Cacheu, há informações da vida missionária e quando chegarmos a 1867 ganha uma certa regularidade o envio de informações do Concelho da Guiné Portuguesa para a cidade da Praia. São anos de calamidade sanitária, há problemas com os escravos libertos, etc. Vejamos alguns pontos do que se encontrou no Boletim Official no período em apreço.

No n.º 28 de 15 de julho de 1865 temos duas Portarias, a 195 e 196 em que o Governador Geral, pelo facto de ter sido enviado pelo Governador da Guiné do orçamento provável que tem de fazer-se do concerto de 21 plataformas e 6 eixos, reparos alusivos à Fortaleza de S. José de Bissau, isto na importância de 39$600, aprova o orçamento e manda executar o dito concerto; na outra Portaria, é-lhe enviado o orçamento de despesa provável que tem de fazer-se com a construção de um quartel para alojamento do destacamento estacionado no Forte de S. Belchior, a importância estimada era de 788$072 réis, o Governador Geral aprovou. Mais adiante, no Boletim n.º 38, de 23 de setembro, o mesmo Governador Geral aprovou o orçamento para a construção do portão na Fortaleza da Praça de S. José de Bissau, na importância de 36 mil e 740 réis.

Um ponto curioso é a alvorada de informações sobre questões de saúde, como se pode ver no Boletim n.º 10, de 10 de março de 1866:
“O Dr. Agostinho José Ramos de Carvalho, Físico-Mor, Director do Serviço de Saúde da Província enviou para a cidade da Praia de Santiago a seguinte informação.
Tenho uma honra de enviar a V. S.ª para serem presentes a Sua Excelência o Sr. Conselheiro Governador Geral os inclusos mapas do movimento e mortalidade dos hospitais militar e civil desta cidade, no mês de fevereiro findo. Informando do estado sanitário da província, tenho a dizer que tem ele melhorado; havendo diminuído os casos de infeções de vias respiratórias, nevralgias e reumatismos; e que a epidemia de tosse convulsa vai em sucessivo declínio. O movimento e mortalidade dos doentes nos hospitais desta cidade foi também menor, como se pode conferir nos respetivos mapas. Pelas notícias ultimamente recebidas da Guiné, sabe-se que o estado sanitário de Bissau é o normal do atual quadro; e não me consta, outro sim, que ele se tenha alterado nas diferentes ilhas do arquipélago.”

Na sequência, no Boletim n.º 17 de 28 de abril, vamos ficar a saber da transferência de um farmacêutico para a Guiné: constando a Sua Majestade El-Rei que o Farmacêutico da Província de Cabo Verde, Manuel Joaquim Leyguarda Pimenta, se prontifica a ir à Guiné fazer coleções de História Natural, manda o mesmo Augusto Senhor autorizar o Governador Geral da dita província a levar o referido farmacêutico em sua companhia, quando realizar a sua visita à Guiné, se ele não fizer falta ao serviço; devendo a despesa com a preparação das coleções ser abonada pela verba de 270 mil réis, e ordena Sua Majestade que os objetos coligidos sejam remetidos nos paquetes da carreira de África para o Museu de Lisboa. Este caso da ida do farmacêutico à Guiné tinha a ver com os preparativos da participação portuguesa na Exposição Anual de Paris a decorrer entre abril de 1867.

No Boletim n.º 48, de 1 de dezembro, o Governador Geral nomeou José Caetano Nozolini Patrão-Mor da vila de S. José de Bissau. No Boletim n.º 50, de 15 de dezembro desse ano de 1866, depara-se-nos uma preocupação com os escravos libertos. É o constante da Portaria 249 em que se nomeia como secretário da Junta Protetora dos Escravos e Libertos Eduardo José Rodrigues. Atendamos a uma determinação do Governador Geral constante da Portaria 251 da mesma data:
“Sendo certo que muitos senhores de escravos do arquipélago pretendem gozar de direitos dominicais, sem cumprir as obrigações correspondentes a esses direitos, como é além de alimentar, vestir e ensinar os seus escravos; constando oficialmente que na ilha do Fogo existem indivíduos sujeitos à escravidão, considerados em parte livres e em parte escravos; tendo sido ordenado pelo governo de Sua Majestade que o Governador Geral da Província empregue todos os esforços possíveis para impedir quaisquer atos de crime de tráfico de escravos, podendo considerar-se tais todos os que tendem a estabelecer ilegalmente direitos dominicais tolerados…” e tomam-se providências para a proteção e amparo aos escravos e libertos, e atenda-se ao que determina o Governador Geral:
“Quanto aos escravos que tendo pertencido ao mesmo tempo a mais de um senhor, for, ou tiver sido, por qualquer deles libertado de qualquer forma que seja, entender-se-á que são de condições livre para todos os efeitos legais, por isso não se pode admitir escravidão parcial em um indivíduo; e o agente do Ministério Público procederá contra o detentor de tais indivíduos como criminoso de sujeitar a cativeiro pessoas livres.” E chegámos ao ano de 1967, temos aqui a primeira referência à atividade religiosa no Boletim n.º 23, de 8 de junho, quem assina é o Visconde da Praia Grande:
“Atendendo ao que me representou o presbítero Joaquim Vicente Moniz, e às qualidades que nele concorrem: hei por bem nomeá-lo professor da cadeira de instrução primária de 2.ª Classe estabelecida em Bissau.” E pela Portaria n.º 144 do Governador Geral apresentara-se o referido presbítero como professor da freguesia de Nossa Senhora da Candelária em Bissau e em simultâneo é exonerado o presbítero Marcelino Marques Barros (como é sabido, um dos grandes vultos culturais guineenses, provavelmente o mais importante do século XIX).

No Boletim n.º 38, de 21 de setembro, surge uma novidade, informação sobre o estado do Concelho da Guiné Portuguesa, refere-se ao mês de junho de 1877 e vem assinada por Manuel Fortunato Meira, Capitão Governador Interino. Diz ele que o estado sanitário é bom, que o estado alimentício era bom em Bissau e sofrível em Cacheu; o comércio mostrava-se animado, tinham entrado em Bissau três navios com mercadorias e em Cacheu quatro, tendo saído com produções, de Bissau cinco e de Cacheu um; o rendimento da alfândega fora de 1.481$871 réis em Bissau e de 681$348 réis em Cacheu; os vencimentos dos funcionários públicos achavam-se pagos até ao fim de junho; havia plantações de batata, purga e outros artigos, continuavam as sementeiras de mancarra, arroz, milho e outros grãos. Não era tempo próprio para as colheitas, pouco havia a dizer sobre as indústrias, fazia-se algum tijolo em Cacheu e teceram-se alguns panos próprios do país para uso dos seus habitantes. Falando das obras públicas e municipais, dá notícia de que se fizeram reparações na tabanca do Pidjiquiti, fora efetuada a limpeza geral em todo o arruamento e lugares públicos de Bissau. E havia um dado quanto a ocorrências extraordinárias: fizera-se a paz em Cacheu com o gentio de Churo. E também os Balantas de Banra tinham entregado o falucho (pequena embarcação) que haviam tomado. No mês seguinte, e na sua informação, o mesmo Manuel Fortunato Meira põe acento nas ocorrências extraordinárias, dizendo que no dia 30 fora apreendido pelo tenente Meireles, comandante do Forte de S. Belchior, uma escuna com o contrabando de 10 pipas de aguardente e algumas arrobas de açúcar, tinha-se instaurado um competente processo. O pároco de Bissau, o reverendo Cónego Joaquim Vicente Moniz fez uma solene procissão com os santos vindos ultimamente de Lisboa para a igreja paroquial, à qual concorreu grande número de pessoas de todas as classes, tendo percorrido as ruas da vila e dos Grumetes (extramuros); e mais informava que em todos os pontos do distrito reinava o mais completo sossego.

E, para concluir, também se informa o Governador Geral na cidade da Praia que as moléstias que mais abundam nos hospitais da Guiné (civil e militar) são as úlceras e a sífilis, esta devido à pouca morigeração e aquelas às consequências das faltas cometidas porque este povo passou nos anos de 1864 e 1865.
Os Suplementos do Boletim Official também serviam para informar sobre casamentos, passamentos e nascimentos. Em 31 de julho de 1865, Sua Majestade a rainha D. Maria Pia deu à luz com feliz sucesso um infante, haja alegria, fica decretado a suspensão de serviço nos tribunais e repartições públicas pelo espaço de quatro dias, na igreja matriz da Praia haverá Te Deum, luminárias, repiques de sinos, salvas de artilharia, música do batalhão a percorrer as diferentes ruas da Praia.
O rei D. Fernando II demonstrara-se ativíssimo no mecenato cultural, impulsionara as obras do Palácio da Pena, a proteção do Castelo dos Mouros de Sintra e deve-se-lhe um grande apoio ao Museu de Belas Artes onde hoje está implantado o Museu Nacional de Arte Antiga. O seu filho, D. Luís I era melómano, tocava violoncelo, dedicou-se à marinhagem e apoiou inúmeros projetos de História Natural, incluindo aqueles que representavam a participação portuguesa em exposições universais. Bissau enviou o manguço e vieram conchas do Corubal
Uma rua de Bissau, cerca de 1912, por Philippe Garès, Paris, ainda se vê do lado esquerdo um resto da muralha que será em breve completamente destruída
Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Igreja de Geba, 1967

(continua)

_____________

Notas do editor:

Post anterior de 28 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25696: Notas de leitura (1704): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1864 e 1865) (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25705: Notas de leitura (1705): Recordações da guerra civil de Bissau, pelo então Vigário-Geral da Diocese, Padre João Dias Vicente (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

O Boletim Official é de 1867 e lendo-o dá para pensar como seria vinte anos antes.
A Guiné foi descoberta em 1446, já tinham passado quatrocentos anos.
Andámos nós na instrução primária a decorar os rios da Província da Guiné.

Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Sobre a Igreja de Geba, são interessantes os comentários feitos em 2019 neste link :

https://www.facebook.com/permalink.php/?story_fbid=983405365201564&id=747484458793657

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Beja Santos diz que isto são "Factos passados", não diz "Fatos passados", porque neste caso, a responsabilidade era do alfaiate.

Agora responsabilidade mesmo, é termos que devolver à Guiné as coisas que o enfermeiro trouxe para o museu de Lisboa.

Valdemar Silva disse...

Antº. Rosinha atenção, o Macaco grande foi devolvido, a lagartixa é que não, agora um hipopótamo de Cabo Verde só se por lá também havia Entroncamento.
E os escravos como eram de dois senhores nem o Salomão a coçar a cabeça os conseguia devolver.

Valdemar Queiroz