domingo, 1 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)


Guiné > Algures > Maio de 1973 > A 25, Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, visita o CTIG: ei-lo aqui à direita de Spínola, falando com milícias guineenses. Foto do francês Pierre Fargeas, que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca.

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.

1. Comentário, enviado em 25 de Fevereiro de 2009, pelo nosso camarada Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Al III, BA 12, Bissalanca, Guiné, 1968/70), a quem já saudámos pelo seu regresso ao nosso convívio (*):

Assunto - P3909: Perguntas, por que é que a FAP não bombardeou Madina de Boé em 24/9/73 ?

Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69.

A data, 6 de Fevereiro de 169 , que tu indicas como sendo a do abandono de Madina do Boé, não condiz com a minha caderneta de Voo.

Tenho na memória que fiz parte dessa enorme operação mas nessa data tenho registado TEVS e TMAN em Teixeira Pinto. Não terá sido em 20 de Fevereiro 69 ?

Recordo-me que fiz algumas operações de evacuação por "ataque de abelhas" no dia do abandono de Madina.

Como sabes, Madina foi abandonada mas ficou "minada". Passados uns dias (?) desta retirada, Spínola foi com um fotógrafo, o Maj Bruno e cinco páras, fazer umas fotos pois o Paris Match tinha publicado imagens de Amílcar Cabral como sendo em Madina, com a legenda "A tomada de Madina".

Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.

Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.

As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.

Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.

Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.

Porquê toda esta tosca explicação?

Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?

A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné?

A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.

Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.

Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!!

Junto uma foto que me foi enviada por Ms [Pierre] Fargeas, técnico francês que fazia a manutenção dos Helis (aqui, à esquerda, cortesia de Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74) . Podes publicar.

Já vou muito longo, desculpa. Lá fora está um solito a convidar. Vou me aventurar e esticar o pernil. Os voos cada vez são mais pequenos.

Um abraço, Jorge Félix

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

(**) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3909: (Ex)citações (16): Por que é que a FAP não bombardeou Madina do Boé em 24/9/1973 ? (Luís Graça / A. Graça de Abreu)

Vd. também:

18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)

(***) (*) Sobre a retirada de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios, ) e o desastre do Cheche, no Rio Corubal, vd. os postes publicados no nosso blogue (1ª e 2ª sérieS):

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)

12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

(...) 1. O Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se bem me lembro (uma vez que não tenho aqui à mão o documento em suporte de papel), esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos baixinhos de Dulombi, os ex-Alf Mil Felício, Raposo, Rijo, David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, que perderam 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate [, nessa trágica manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969]. (...)

1 comentário:

JC Abreu dos Santos disse...

... aos estimados veteranos que andaram por matos e bolanhas da Guiné, e a quem mais interessar possa, aqui ficam algumas "ajudas de memória", relacionadas com o tema «Madina do Boé 1969-1973» -

[...]

1969 – Fevereiro.9
No sudeste desertificado da Guiné, os guerrilheiros da Frente Sul do PAIGC entram em Madina-do-Boé e instalam-se no recém-abandonado campo fortificado onde - até à manhã do anterior dia 6 - estavam
aquarteladas tropas portuguesas.
– «Havia certa relutância em retirar a companhia da sua posição insustentável e dispersa, uma vez que, se assim fosse, o PAIGC declararia a região como “livre”. Já anteriormente acontecera uma ituação idêntica na zona oriental de Béli e com a retirada das tropas portuguesas o PAIGC declarara a área como “zona libertada”. O mesmo acabou por acontecer com a retirada da companhia de Madina em 1969 e o PAIGC passou a receber os jornalistas estrangeiros em território português, com a consequente e indesejada publicidade. A área não tinha qualquer valor económico, a escassa população não era estrategicamente importante para qualquer dos lados e as tropas portuguesas poderiam ser melhor utilizadas noutras tarefas.»¹
– «[O caboverdeano Silvino da Luz] guarda especialmente viva na memória [em Fev94], “a luta em torno do quartel de Madina do Boé”, no final dos anos 60. “Antes de o abandonarem, os portugueses armadilharam-no, com minas. Três companheiros meus ficaram sem pernas”.»²
¹ (cf Hélio Felgas, em 22Nov94 a John Cann); ² (Castanheira, op.cit pp.297)

[...]

1970 – Março.14 (sábado)
De Bissalanca seguem por via aérea para o chão Gabu dos futa-fulas e futa-forros no leste da Guiné, o ministro do Ultramar, o comandante-chefe general Spínola e o comandante da ZACVG coronel Diogo Neto, que em Nova Lamego inauguram o novo aeródromo com uma pista asfaltada de 2100mts por 50mts de largo, construído em 10 meses e que, com os do Quebo (Aldeia Formosa) no sul e Cufar (perto de Catió) no sudoeste, integra o programa anual de desenvolvimento das comunicações aéreas provinciais.
– «Só em 1970 foram construídas mais três pistas asfaltadas: Nova Lamego, Cufar e Aldeia Formosa [Quebo], para cobertura operacional do sul e leste, Gabu e Boé. Nova Lamego tinha sido preparada para aviões FIAT e passou a contar com um destacamento permanente de aviões ligeiros.»¹
Seguidamente a comitiva percorre em automóvel o concelho do Gabu, viajando a seguir de helicóptero para sul, aterrando primeiro em Béli e depois sem escolta em Madina-Boé que, segundo Amílcar Cabral, é uma «região libertada» pelo PAIGC. No regresso a Bissau, sobrevoam a baixa altitude as tabancas do Chéche e Canjadude, e ao fim da tarde no QG do forte a Amura o ministro assiste ao briefing de rotina diária.
¹ (Diogo Neto, em 19Jul94 a Freire Antunes)

[...]

1973 – Outubro.24
No sudeste da Guiné, o novo governador e comandante-chefe general Bethencourt Rodrigues – após ter tomado o pulso à situação da província –, desloca-se com 2 jornalistas alemães a Madina-do-Boé e percorre sem escolta a designada «capital da República» proclamada pelo PAIGC exactamente há 1 mês.
[...]
– «O novo comandante-chefe estudou a situação e, quando se considerou de posse de todos os elementos para fazer o seu diagnóstico, voltou a Lisboa onde expôs a sua opinião ao Governo, indicando os meios que considerava necessários para actuar com segurança. Pouco antes, haviam-se verificado ataques esporádicos a povoações da zona leste próximo de Nova Lamego (Gabu) e da zona sul. A opinião do
comandante-chefe era a de estes últimos tinham o carácter de manobra de diversão. O objectivo real do inimigo era isolar uma zona na faixa leste da província, que incluia Madina do Boé, para poder instalar-se no nosso território e assim pôr termo à situação ridícula de afirmar que o dominava, ter proclamado a sua independência e continuar com a sede dos seus orgãos dirigentes em Conackry, onde era forçado a receber os representantes dos organismos internacionais e dos Estados que haviam reconhecido a pseudo-República da Guiné-Bissau... Bethencourt Rodrigues compreendeu a manobra e preparou-se para a inutilizar.
Foram-lhe dados mais meios e outros em breve lhe seriam enviados, que anulariam ou pelo menos atenuariam substancialmente o desnível que se dizia existir entre os nossos meios e os do inimigo.»¹
– «A propósito é de recordar uma crónica publicada por um jornal da Alemanha Federal, de um seu enviado especial e oriunda de Medina [sic] do Boé. Começava por afirmar o seguinte: “Não existe uma República da Guiné-Bissau. Embora 70 Estados tenham reconhecido esta República, a partir do momento da proclamação da independência da Guiné Portuguesa efectuada pelo movimento terrorista PAIGC, o certo é que isto se traduz no reconhecimento de uma fantasia. Nem sequer a povoação de Medina, na zona do Boé, no sul do território e na qual 120 deputados reunidos em assembleia nacional dos rebeldes do PAIGC, teriam proclamado a República, se encontra nas mãos dos rebeldes.”»²
Enquanto isso no QG da NATO em Bruxelas, o secretário-geral Joseph Luns solicita aos delegados da Holanda, Noruega e Dinamarca que os seus governos não reconheçam³ a "independência da Guiné-Bissau".
¹ (Silva Cunha, op.cit pp.56-57); ² (Thomaz, op.cit pp.328); ³ (mas só no início de Abr74 o MNE dinamarquês vai distribuir, em nome dos países nórdicos, um comunicado conjunto nesse sentido)

[...]