1. Mais um episódio da História da CCAÇ 2679 enviado, em mensagem com data de 23 de Fevereiro de 2009, pelo nosso camarada José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil (CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71).
Algures no Seli
Cortei um pedaço de casqueiro, passei-o pelo fundo da lata de chouriço absorvendo o óleo, salgado e aromático, levando-o à boca de seguida, para o mastigar lentamente, saboreando-o e prolongando a gulozeima do chouriço que acabara de comer. Sem preocupações ecológicas, deixei a lata vazia de lado, entre as folhas caídas que revestiam o solo fresco da margem, perto da confluência do rio Seli com o Corubal.
Abri a camisa e espreguicei-me junto a uma árvore, onde achei uma posição agradável, meio deitado, que me permitia apanhar algum sol, rarefeito pela folhagem das árvores e que proporcionava um calor aprazível. Pretendia aproveitar a pausa do almoço para descansar prazenteiramente, como quem o faz num piquenique. Neste ripanço, apreciava a flora envolvente, quando me dei conta de que os elementos do BArt se movimentavam com algum alvoroço, abandonando as posições que ocupavam, no sentido do regresso.
Estranho, muito estranho.
Levantei-me e chamei por um furriel que, nervoso, também tratava de se pôr ao fresco. Indaguei o que se passava e o tipo mal articulava a resposta, referindo-me que eles estavam ali.
Onde? - Perguntei.
Respondeu ali, apontando numa direcção no meio do arvoredo, onde não distingui nada. Porra, olha ali dois gajos com farda amarela, acrescentou.
Perguntei-lhe porque se movimentavam.
Vamos embora, antes que caiam morteiradas, e virou-me as costas para desandar.
Não vi nada, nem ninguém, mas não perdi tempo, já que aquele Pelotão desaparecia em direcção contrária relativamente às posições do Foxtrot.
Alertei o pessoal, mas o Pauleiro estava afastado, de castigo, no sentido em que diziam estar os turras. Fui lá chamá-lo. O Pelotão já estava equipado, pronto para andar. Nada como as emergências para que o pessoal se mostre eficaz.
Adeus Séli, que hoje não sobra tempo para mais turismo. Perseguimos o grupo fugitivo, em passo de corrida, pelo trilho que nos tinha trazido àquele lugar. Estava tudo doido, mas logo os alcançámos. Durante o percurso pensava que seriam poucos os elementos IN a estar ali e que não nos teriam referenciado, ou não estariam tão expostos, logo, a ser verdade, poderíamos e deveríamos ter agido diferentemente. Provavelmente, resultado da avaliação ainda saltitante de um pira, comparada com a decisão dos artilheiros em fim de comissão. Nada a fazer, porém senão acompanhar esses malucos, que arrancaram à papo-seco, nas tintas para nos avisarem.
No toc-toc da correria, só parávamos para assistir e ajudar os que desfaleciam.
Sim senhor, estava ali uma tropa de truz. Distribuiram-se armas, mochilas e cartucheiras pelos que revelavam melhor condição física. Foi a aparentar alguma relutância e com reparos que aceitei prestar ajuda.
Do Foxtrot só o Jesus, bastante corpulento, revelou sinais de cansaço. Pudera, tanto corpo para um coração normal! Também o aliviámos.
À aproximação de Piche, parecia que vínhamos do fim do mundo. Exaustos e sofridos, alguns acabaram a caminhada seguros pelas axilas. Da História da Companhia consta a seguinte resenha:
28MAI70 - Uma força constituída por um grupo de combate da CART 2440 e um Grupo de Combate da Companhia, reforçados por duas Secções de Milicia, dão início à Op."EQUINO SALTO" - patrulhamento de combate com o seguinte itinerário a percorrer:
PICHE - PANGHOR - MADINA TAMBACHÁ - Ao longo do R.BAMBADALÁ - R.JUBA - R.QUENECO - Confluência do R.MONDEJUBA com R.SELI - Ao longo do R.SELI - Confluência do R.COBANCARA/R.SELI - R.SUTUCÓ - PICHE.
Pelas 20H00 é interrompida e termina a Op. "EQUINO SALTO", em virtude da necessidade de evacuação para o aquartelamento de 7 doentes do Grupo de Combate da CART 2440, que nela tomara parte. Não se registaram até ao momento da interrupção da Operação quaisquer contactos nem vestígios IN.
Curioso o relatório.
Movimentos de pessoal até Maio de 1970
O mês de Maio ficou marcado por duas baixas ao efectivo: o Capitão António Oliveira, evacuado por doença, que não teve intervenções de registo e, por isso, não deixou marca especial, bem como, oficialmente, o Alferes Eduardo Guerra, acarinhado comandante do Foxtrot. Pela importância que possa ter tido, outro registo que faço refere-se ao Sargento José Vieira de Sousa, em funções de Primeiro, que sem ter sido abatido à Companhia, foi para Bissau, onde cumpriu o resto da comissão. Indivíduo que dava mostras de competência e humanidade, terá sido requisitado durante a nossa permanência em Piche como força de intervenção adstrita ao BArt 2857, do qual dependíamos operacional e administrativamente. Pode ter sido uma baixa de vulto, como em próximos episódios se verificará. De facto, o remanescente Segundo, e mais tarde o ingresso do Primeiro, em nada beneficiaram a Unidade, pois a partir da quadrícula organizaram-se em regime de auro-governação, associados ao novel capitão, originando prejuízos para o Estado e deprimindo as condições gerais da vida do pessoal.
O 1.º Cabo MAR António João C. Robalo, a quem estou em dívida de gratidão por ter composto uma viatura que eu espalhei, e que já não reencontrei em Piche após diligências noutro aquartelamento, foi evacuado para o HMP por doença.
Também o Azevedo, meu companheiro Foxtrot, teve um problema durante uma saída, constatando-se a dificuldade para as caminhadas no mato, mas não foi substituído, embora tenha permanecido com reserva da actividade operacional. Isto aconteceu por uma questão de camaradagem, pois era intenção dos furriéis regressarmos todos juntos.
Em Abril de 1970 chegou à Companhia o 1.º Cabo José de Sousa Matos, que mais tarde integraria o Foxtrot a contento, bem como os Soldados de Transmissões, o José da Silva Teixeira, o José Luís Ramos e o José Eduardo S. Coelho.
O Mario
A fotografia tirada a bordo do Uíge, a caminho de Bissau, retrata, da esquerda para a direita, o irmão gémeo do Mário, com destino a Cabuca, o Faria, o Valentim, o Mário e o Dinis. De pernas flectidas, o Virgílio Fernandes, estes, elementos do Foxtrot. Bem dispostos, pois claro!
Este bom rapaz que desenvolvia uma actividade administrativa no orgão regulador do turismo na Madeira, era muito delicado nas relações, cauteloso com as suas obrigações e elemento opinativo sobre diferentes situações que ao pessoal dissessem respeito. Madeirense orgulhoso, estaria mais vocacionado para os afazeres civis, do que para a rude vida de operacional, onde, quase sempre, se manifestou com punhos de renda.
Aguentou tudo, claro. E ainda contribuíu para a tranquilidade do Pelotão, quando passávamos noites no mato, porque o Mário não dormia, era um verdadeiro vigilante das noites, que nem por isso lhe aleravam o humor.
Embarcou para a Guiné com o seu irmão gémeo, ele com destino a Cabuca e safaram-se das missões que lhes foram cometidas, pelo que regressaram juntos e felizes ao convívio com os pais.
O Mário, pelas suas qualidades de sensatez e responsabilidade, sem se ter distinguido especialmente, foi um esteio para a consolidação do espírito Foxtrot.
(JMMD)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3834: História da CCAÇ 2679 (13): Imagens de Nova Lamego (José Manuel Dinis)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Dinis, continua a contar-nos coisas de Piche, pois assim vou poder fazer uma idéia de como foi a evolução do "esforço militar" por aquelas bandas, já que a seguir ao "teu tempo" foi o do BCAV 2922 (que acompanhei durante algum tempo) e depois foi a época já retratada no livro do F.S. Henriques.
Um abraço
Hélder S.
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