1. Mensagem do João Tunes:
Caro Luís,
Publiquei isto sobre o assassinato do Nino:
http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1401824.html
Podes, se o entenderes, transcrever no blogue sobre a Guiné.
Abraço João Tunes
2. Adeus a Nino
por João Tunes
Nino Vieira (Kabi Nafantchamna) teve um fim trágico mas adivinhado. Desde 1970, ano em que o combati, que tinha como certo que seriam balas quem lhe encomendariam o enterro, prognóstico este que só pecou quanto ao prazo de cumprimento.
Comandante guerrilheiro de excepção ("general avant la lettre" como lhe chamou o historiador guineense Leopoldo Amado), Nino sempre denotou insuficiências culturais, políticas e éticas que fizeram dele um desacerto na envergadura das responsabilidades assumidas enquanto companheiro de luta chegado de Amílcar Cabral.
Aos méritos militares de Nino, que o levaram até à nuvem do mito que o fez pairar - muito exageradamente - nas mesmas alturas do génio militar do vietnamita Giap, muito deve o sucesso da luta guineense contra o domínio colonial português. Aos defeitos pessoais e políticos de Nino, a Guiné deve grande parte do caos e miséria em que descambou e que impediu que a independência da Guiné-Bissau fosse, para o seu povo (melhor, para os seus povos), uma emancipação de facto relativamente ao passado colonial.
Na fase de juventude da independência da Guiné, quando tudo estava em aberto para a realização dos anseios que alimentaram a valente luta anticolonial dos guineenses (e caboverdianos que se lhes juntaram), Nino puxou tudo para o fundo – o Estado, os ideais, a generosidade de construir um país novo, impondo antes a corrupção, o nepotismo, o gangsterismo, o golpismo, o fraticídio étnico e a cleptocracia.
Nino queimou praticamente tudo o que ajudara a construir mas de que não foi, nem de perto nem de longe, o único, ou sequer o principal, obreiro. E tornou a Guiné-Bissau ingovernável. Agora, quando o assassinaram no seu reduto a que havia regressado como Presidente, Nino já era melhor que a Guiné que ele ajudou a destruir e que se enterrara entretanto na bolanha imunda do descontrole absoluto e do narcotráfico. < E é nesta medida que é uma injustiça histórica que a Guiné, a quem Nino tanto deu e a quem tanto tirou, tenha devorado agora este filho da sua terra, cumprindo à distância de quarenta anos, aquele que foi o sonho falhado de tantos militares portugueses de elite e “torre e espada” ao peito (incluindo o mais famoso “cabo de guerra português” após Mouzinho): caçar o Nino.
_________
Durante vários meses (quase um ano), no serviço militar que cumpri na guerra colonial na Guiné, estive colocado no Sul e em pleno coração daquilo que se chamava então “o reino de Nino” (ele era comandante da "Frente Sul" do PAIGC, responsável pelo controlo do Cantanhez onde os militares portugueses se acantonavam em aquartelamentos que eram ilhas militares em "território libertado" e fora das quais a tropa colonial só se atrevia pela aviação e pelas operações especiais, muitas delas destinadas a tentar capturar Nino).
Nunca lhe vi a cara, mas experimentei e bem (mal, muito mal) os efeitos do seu talento guerrilheiro e da sua ousadia militar. Durante esses difíceis meses que me pareceram não ter fim, aprendi a respeitar Nino Vieira enquanto chefe militar colocado no lugar certo da História. Mais, muito mais, que os generais e coronéis que me comandavam e os que para aquela guerra estúpida me enviaram metido no rebanho fardado da juventude da minha geração.
O Nino que emergiu na Guiné independente há muito que me desiludira e para com ele já só me restava o sentimento da repugnância. Nesta sua queda à bala, lembrando-me não do Presidente Nino mas do Comandante Nino, ladeando a contradição no juízo, só me sobra o respeito devido numa última homenagem, esta.
Imagem (em cima): Nino, nos tempos da guerrilha, junto a Amílcar Cabral.
Fonte: Cortesia de Água Lisa > Blogue de João Tunes
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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12 comentários:
...
quem com ferro...
Foi em Cufar-70/72 que pela primeira vez ouvi o seu nome, "Nino" (só e apenas), mas o que se dizia dele, era de tal forma abonatório, que nos deixava completamente alerta.Sentimos bem o quão verdadeira era essa fama...
Tal como acontece a muitos,foi melhor como empregado que como patrão.
Nem no proletariado nem na representação do patronato me deixa saudades.
Luis de Sousa
Desta vez estou totalmente de acordo com o Abreu dos Santos.
Mas esta "nossa" Guiné entristetece tanto os nossos corações! Pobres povos!
Uma pequena adenda ao texto do João Tunes. Em 1973/74 o Cantanhez não era um território libertado, havia lá dez ou onze aquartelamentos
portugueses. E a tropa saía para o mato, não eram só as tropas especiais e a aviação.
Claro que o Nino e os seus guerrilheiros andavam por perto ,mas as bases principais do PAIGC eram na Guiné-Conacry.
Temos de ser justos ao fazer a História.
Um abraço,
António Graça de Abreu
Uma análise muito bem feita.
Pena que a gente deste blog não possa ler algo vindo de guineenses, sobre esta figura assim como de Luis Cabral.
Antº Rosinha
O camarada António Graça Abreu, aqui no papel de oficial boticário na reserva, acha que lhe mereço a oferta de uma pastilha de História e eu, humildemente, agradeço-lhe a generosidade. Embora saiba, e isso não me disponho a engolir, qual é o alvo da terapia tentada: o tópico de no 25A74 a guerra colonial não estar perdida (sim, eu continuo a ler o blogue, apesar da sua progressiva ocupação pelo saudosismo do colonialismo fardado). O que sendo uma posição política e ideológica que cheira e tresanda, e que respeito mas não me encanta, não substitui a minha experiência vivida e observada em 1970 no Sul da Guiné. Era o que faltava! E é por isso que não dou esmola de latim para o peditório de discussões serôdias auto-justificativas para subir o astral da auto-estima castrense com que alguns querem ir para a cova. Com uma única excepção: troco-lhe as lágrimas que aqui verteu pelos "pobres povos" da Guiné por outras lágrimas, estas de vero patriotismo tuga, pelo nosso pobre povo lusitano que após 500 anos a ocupar a Guiné deixou lá a Casa Gouveia mais aquilo que lá encontrámos e relativamente ao qual se fez mais em psico no intervalo da metralha que nos séculos de colonialismo mas, mesmo assim, sem direito e tempo para criar-se uma mini-elite a quem passar o testemunho da autonomia e da soberania. É que eu tb sou povo (português) mas isso não me dispensa de ter vergonha na cara. Pelo contrário. Muito recorro à máscara da arrogância de rosto pálido cavalgando terra de índios.
João Tunes
A minha última frase saiu gralhada. Deve ler-se assim: "Muito menos recorro à máscara da arrogância de rosto pálido cavalgando terra de índios".
João Tunes
João Tunes, João Tunes...
Ilhas militares em território libertado???
Não digas mais.
Não fales de máscaras.
Estamos conversados.
Entendi-te...
Em tempo - Os documentos do António Graça de Abreu merecem-me todo o respeito, pelo seu rigor técnico e histórico.
Manuel Amaro
Caro João Tunes, não é o momento de acusar o “colonialismo” de culpas que não possui, todos nós que estivemos na Guiné conhecemos a pobreza que ali existia, mas temos que admitir que apesar da guerra, era uma terra em progresso económico, o desenvolvimento parou num efeito de guilhotina, após a independência. Os chamados libertadores não quiseram passar o testemunho a uma elite mais preparada, que poderia (quem sabe?) projectar um futuro diferente, porque na realidade não defendiam Valores e Causas, antes queriam o património dos “Tugas”, conseguiram-no com o apoio do comunismo da União Soviética e da China. A triste realidade do quotidiano da Guiné, é um povo escravizado, com uma esperança de vida de apenas 46 anos, com a maioria a viver no limiar da pobreza, um país sem água canalizada e electricidade, situação existente também em Bissau. Quanto ao “Nino”, paz á sua alma, mas era um vómito, “Será que ninguém se lembra que Nino Vieira esteve metido até ao pescoço em crimes de sangue e de corrupção mais do que activa? Que Nino Vieira usou todo o género de truques, de golpes, para se perpetuar no poder, afastando politica ou fisicamente quem lhe fez sombra, seja ele Kumba Ialá ou Carlos Gomes Júnior, líder do PAIGC e agora primeiro-ministro que em tempos disse que Nino teria sido o mentor do assassinato do Comodoro Lamine Sanha?” Perante a realidade criada e a provável possibilidade de o Senegal e ou a Guiné-Conacri estarem de olho em Bissau, devido ao apetite “ de bons veios petrolíferos nas costas Bissau-guineense e que têm levado a que países vizinhos olhem para o País como uma futura província a ser integrada nesses países”, é plausível o interesse dos países vizinhos, mas também de Angola, “país que tem tudo, desde logo forças militares, para assumir um papel musculado na resolução de conflitos regionais, estando nesse âmbito a Guiné-Bissau”. “O facto de dirigentes angolanos terem estado na casa de Nino Vieira antes do ataque, propondo-lhe uma fuga em segurança, revela a capacidade de Luanda em antecipar golpes e de, igualmente, saber o que se passa em vários tabuleiros”. “Se a tudo isto se juntar a situação do narcotráfico, a mistura é explosiva e ultrapassa as questões de política interna”. Afinal libertaram-se de Portugal, será que estarão prestes a ser colonizados por outros?
Luis Parreira
Vamos por partes que ainda a guerra é uma criança.
1- Você, camarada Manuel Amaro, não se dá conta do ridículo revivalista de se armar em oficial prussiano fora de época e sem caco pendurado no olho a querer teimar em passar revista a tropas em parada? Para mais com essa sua gaguez denunciada ao chamar o subalterno miliciano a repetir-lhe o nome.
[já me havia dado conta que este blogue havia sido assaltado por um "golpe de coronéis" que o entenderam domesticar no politicamente correcto do Portugal do Minho a Timor e depois de ele incomodar por ter nascido de um ímpeto memorialista, saudável e catárquico de paisanos ex-milicianos que foram irmãos fardados na saga da Guiné, mas tanto também não, ou seja que os novos senhores do blogue andassem aqui de pingalim a exibir poder de ascendência]
2 - Para o camarada Luis Parreira, ilustre ex-ficial aviador, com quem partilho diversas cumplicidades que garantem uma estima que resitem ao contraditório, que rasgou os céus da Guiné da mesma forma gentil, científica, arguta e pacífica como Gago Coutinho atravessou o Atlântico: É um gosto vê-lo por aqui, tanto que nem lamento que não tenha lido o que escrevi.
João Tunes
Meu caro João Tunes
"Oficial prussiano fora de época"?
Eu limitei-me a afirmar que em 1973/74 o Cantanhez não era uma zona libertada pelo PAIGC. No Cantanhez existiam os aquartelamentos portugueses de Cadique, Jemberèm, Cabedu, Cafal, Cafine, Caboxanque, Cobumba, Chugué
e logo ao lado Catió e Cufar. E a tropa saía para o mato.
É ou não é verdade?
Em 73/74 eu estava em Cufar. Desculpa, camarada, tens todo o direito de não gostar de mim, mas talvez eu tenha um mínimo de autoridade para saber do que falo.
Um abraço,
António Graça de Abreu
Caro João Tunes, na verdade ao contrário do que presume, li com muita atenção os seus excelentes textos, sempre claros, concisos e precisos, contudo como sabe não temos a mesma visão histórica do colonialismo, Eu tento apresentar a factualidade que presenciei, para questionar a história da guerra na Guiné Bissau, da forma politicamente correcta que contam aos jovens, o meu amigo tem outra visão dos factos que também vivenciou, fala bem fundamentado na ciência politica, não concordando algumas vezes consigo, respeito a sua opinião e admiro a sua coerência,para além disto, subscrevo tudo o que diz de Nino Vieira, mas acredite que ainda não se disse tudo sobre essa figura “macabra”, nomeadamente em relação à morte de Amilcar Cabral, a traição sempre esteve presente na ossatura do PAIGC. Será que agora após a sua morte a verdade virá à superfície? Será que existiram reuniões com Spínola? E a vontade do PAIGC abandonar a luta armada, é uma falácia?
Transcrevo um excerto de um artigo de Norberto Tavares de Carvalho, « O Cote», em http://www.didinho.org/PARAQUEAMILCARCABRALPAREDEMORRER.pdf.
Eis o que o Brigadeiro Ansumane Mané, revelou: “No momento em que o Amilcar Cabral morreu, o Nino deixou-nos lá ficar e foi para Conacri. Dias depois encontrámo-nos em Kandjafra (...). Ele chamou-me e fomos sentar-nos, os dois, no mato, fora da base. O Nino disse-me: “Tiveste muita sorte, porque entre os que foram presos (...), ninguém mencionou o teu nome.” É que o dele fora referido, acusado de ter alguma coisa escondida. E desatou a chorar. (...) Foi então que eu disse a todos os camaradas que estavam na base: Se vier aqui alguma pessoa para prender o camarada Nino, para lhe fazer perguntas sobre a morte do camarada Amilcar Cabral, essa pessoa será presa e morta. E foi assim que ultrapassámos a situação.
Talvez tenha chegado o momento de Amilcar Cabral parar de morrer, e da Guiné renascer das cinzas, agora que as contas foram ajustadas, já é tempo e o povo da Guiné merece, ter futuro.
Cumprimentos
LUIS PARREIRA
1 - Caro camarada António Graça Abreu:
1.1 - Seja valente mas não meta o corpo à frente de bala que não era para si. E para quem era decerto não necessita de guarda-costas. E adivinho que o camarada seja tão prussiano quanto este seu humilde camarada que da etnia transmontana nunca passou.
1.2 - Estive em 1970 sediado em Catió. Ia a Cacine por água ou pelo ar. Não havia outra circulação militar através do território libertado pelo PAIGC. Para ir a Gadamael, idem. Para chegar a Guileje só podia utilizar a via aérea. E quando estive em Guileje a principal operação de rotina (algumas com baixas) era ir buscar água. Para além das principais fortalezas (Catió, Gadamael, Cacine e Guileje) a presença militar eram pequenos destacamentos avançados destas unidades e enquadrando "tabancas estratégicas". E as operações de monta, com características ofensivas, eram desempenhadas por paras e fuzas. Além dos bombardeamentos sistemáticos pela aviação. Em termos globais, a região era de predomínio PAIGC pontuado por ilhas militares portuguesas. Dito como eles e nós dizíamos, era o "reino de Nino".
2 - Caro camarada Luís Parreira:
2.1 - Se concordar, a conversa sobre as nossas divergências acerca de colonialismo e história, ficam para outra altura. Porque tenho a impressão que, antes, nos temos de entender sobre a terminologia que ambos empregamos pois suspeito que muitos equívocos nascem aí. E, se calhar, concordamos logo quando abordarmos como tudo seria diferente se Salazar (ou alguém no seu lugar) tivesse aceite a proposta de Cabral para negociar a transição guineense antes do inicio da luta armada.
2.2 - Sobre Nino e o seu aventado envolvimento no assassinato de Cabral. Sei dessa história em termos de suspeitas e rumores. Infelizmente o julgamento e liquidação dos implicados do PAIGC (cujos cordelinhos eram mexidos pela PIDE) foi um processo sumário e expedito. O mais que se conseguiu em depoimento de Vasco Cabral, o responsável pelo processo, e pouco antes de ele morrer, foi que foram executados 50guerrilheiros (fuzilados por ele próprio). Sobre Nino ficou o rumor, apenas o rumor, mas eu não alinho em considerar um rumor como um dado histórico. Trazer esse rumor para cima da mesa no momento em que Nino foi assassinado após ter sido brutalmente seviciado não me faz o gosto. Mas se a si lhe apimenta a refeição, faça favor de se servir.
2.3 - Tenho uma grande admiração por Cabral, considero-o o maior lider africano depois de Mandela. Mas não o venero, nema ele nem ao seu mito. E o enaltecimento de Cabral leva muitas vezes a que ao distanciá-lo dos seus discípulos e companheiros, se apouquem facilmente estes. O PAIGC, enquanto modalidade do marxismo militar africano daquela época, teve quase tudo de Cabral, para o bem e para o mal. Nomeadamente, os seus herdeiros, o seu modelo de Estado, a sua forma de organização. Julgo que Cabral não está fora dos defeitos de Nino e dos outros. Todos eles foram fruto de um modelo e de um contexto. Mais um pretexto que favoreceu tudo: o colonialismo estúpido e serôdio de Salazar e Caetano que, até cansar, encontrou amplo nível de realização em centenas de militares profissionais.
Cumprimentos aos dois.
João Tunes
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