quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20104: Historiografia da presença portuguesa em África (174): “Dicionário da Expansão Portuguesa, 1415-1600” com direção de Francisco Contente Domingues, Círculo de Leitores, 2016 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Tem-se aqui uma boa oportunidade para de forma sucinta se compreender a presença portuguesa dentro do projeto henriquino e até aos finais do século XVI, era um espaço difuso, a presença portuguesa era litorânea, o que acrescia às dificuldades de os missionários se imiscuírem no interior destes territórios, naturalmente hostis à chegada dos brancos. Atenda-se a fluidez do termo Guiné, que posteriormente terá outras designações, caso da Senegâmbia Portuguesa.
José da Silva Horta, tal como Eduardo Costa Dias, disponibiliza investigação inovadora sobre a presença portuguesa na região, incluindo os cristãos-novos que se acantonaram numa área que hoje faz parte do Senegal, La Petite Côte, terra natal de Léopold Senghor.

Um abraço do
Mário


A Guiné dos primeiros tempos, por José da Silva Horta

Beja Santos

José da Silva Horta
O “Dicionário da Expansão Portuguesa, 1415-1600” com direção de Francisco Contente Domingues, Círculo de Leitores, 2016, em dois volumes, insere no primeiro volume um artigo intitulado “Guiné”, cujo autor é José da Silva Horta, Professor Associado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, autor de muitos trabalhos sobre a Guiné, nomeadamente até ao século XVIII, publicou o seu doutoramento nas Edições Gulbenkian, em 2011, com o título “A Guiné do Cabo Verde”, cuja leitura é incontornável para quem estuda os primeiros séculos da colónia, autores e suas obras, literatura de viagens, etc.

Vejamos então a sua entrada sobre a Guiné, não esquecendo de que o dicionário não ultrapassa a data de 1600:
“O espaço oeste-africano, costeiro e fluvial, entre o rio Senegal e, grosso modo, a atual Serra Leoa, foi designado pelos portugueses como “Rios da Guiné do Cabo Verde”, “Guiné do Cabo Verde” ou simplesmente “Guiné”. Em 1443, a Coroa, por intermédio do regente D. Pedro, concedeu a D. Henrique o exclusivo do licenciamento de viagens para lá do Cabo Bojador e o quinto de tudo o que de lá trouxessem, da “Guiné” – que então designava a costa a sul do cabo –, os navios enviados por ele (e por extensão os seus dependentes) ou particulares autorizados. Após a sua morte, em 1460, a Coroa rapidamente retomou o domínio dos negócios da costa africana. Na disputa por direitos mercantis, a Guiné foi alvo de prolongada luta de representação do espaço: conforme os discursos afetos à Coroa ou aos vizinhos da ilha de Santiago de Cabo Verde, a quem, desde 1466, D. Afonso V concedera o privilégio de comerciar na costa fronteira, reservava-se a categoria de Rios da Guiné para o espaço acima delimitado incluindo ou não a Serra Leoa. Este fora o limite meridional das viagens promovidas pela casa de Viseu, atingido no último ano de vida de D. Henrique. Hoje, Guiné do Cabo Verde constitui um conceito historiográfico corrente que corresponde à sub-região oeste-africana que de modo mais profundo, quer social, quer espacialmente, se abriu ao mercado atlântico emergente desde meados do século XV. No entanto, os primeiros contactos dos portugueses com a Guiné ou “Terra dos Negros”, assim designada pelo cronista Zurara, ocorreram em 1444, com Nuno Tristão e Dinis Dias, e foram ainda marcados por uma estratégia belicista materializada em desembarques de surpresa para capturar os africanos como escravos. A estratégia fracassou perante a resistência militar eficaz dos espaços políticos wolof e sereer no atual norte do Senegal. De 1448 em diante, a julgar pelo cronista, foi substituída por uma nova abordagem diplomática e comercial que vingou, estendendo-se rapidamente para Sul. Pressupôs o reconhecimento da autoridade dos senhores da terra pelos portugueses que perdurou em todos os contactos subsequentes, bem como a vontade recíproca de fazer negócio, em que, na parte portuguesa, se destacou o tráfico de escravos para a Península Ibérica e, desde a primeira década do século XVI, para as Índias de Castela. Os portugueses introduziram os seus produtos (cavalos, algodão, panos, contaria, entre outros), nas rotas comerciais pré-existentes que atravessavam os cursos dos rios da região e em particular usufruíam da rede dos comerciantes mandés de longa distância que uniam as regiões costeiras aos eixos caravaneiros. De início, por intermédio dos navios que serviam de “feitorias”, parando em locais previamente acordados, os resgates, a Coroa agiu diretamente ou, de modo crescente no século XVI, arrendou o “contrato de Cabo Verde”, a particulares, os contratadores ou rendeiros (que por sua vez nomeavam feitores), que deviam sustentar os encargos régios no arquipélago de Cabo Verde. O regime especial de comércio de que usufruíam os vizinhos de Santiago foi muito condicionado pela Coroa, logo desde 1472, o que levou muitos comerciantes das ilhas a “lançarem-se” na costa fronteira, onde passaram a residir. Constituíram comunidades mestiças luso-africanas e traficaram sem pagar direitos à Coroa na alfândega da Ribeira Grande (ponto de paragem obrigatória para os navios que iam e regressavam da Guiné, disposição crescentemente violada na segunda metade da centúria) e trataram com mercadorias proibidas pela Coroa. A estes lançados juntaram-se reinóis, de entre eles muitos cristãos-novos, fugindo às perseguições, em particular na sequência da criação do Tribunal do Santo Ofício em 1536. As perseguições da Coroa, que proibiam que se residisse na Guiné mais do que três anos sem licença, foram inúteis. Os lançados, as suas famílias afrodescendentes, bem como os africanos que com ele trabalhavam, formaram um grupo luso-africano na Guiné: caraterizados por uma grande plasticidade, identificavam-se (e eram identificados) como portugueses. Apesar da fragilidade da sua condição de forasteiros, os luso-africanos foram, por norma, protegidos pelas autoridades africanas interessadas em incrementar o comércio e diversificar os parceiros – franceses e ingleses incluídos. Transformaram-se, para todos quantos negociavam na região, nos mediadores indispensáveis, entre os mercados africanos e o mercado atlântico. Com a fundação de Cacheu, em 1588, foram eles os habitantes do primeiro “forte e aldeia” de portugueses na Guiné. Só no início do século XVII a aldeia se tornaria na sede de uma capitania-mor.”

O historiador José da Silva Horta tem disponível um conjunto apreciável de estudos em torno dos primeiros séculos da Guiné no site da Academia.edu.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20080: Historiografia da presença portuguesa em África (172): A cédula pessoal do território da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

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