quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20080: Historiografia da presença portuguesa em África (173): A cédula pessoal do território da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Creio que ninguém se surpreenderá com o facto de a província da Guiné ter nascido juridicamente em 1886. Do século XV ao século XIX, multiplicaram-se as designações, quase todas elas desencontradas. Não havia fronteiras, as praças e presídios situavam-se no litoral ou em pontos estratégicos dos rios. Ninguém se fixava no interior. Quando o Alferes Francisco Marques Geraldes viaja da região do Geba para Selho, no Casamansa, descobre que havia populações que nunca tinham visto um branco, caminhava-se para o fim do século XIX. As fronteiras deram litígio, um deles é uma ferida permanente, o Casamansa. Sékou Touré sonhava com a grande Guiné e com o seu talento diplomático Amílcar Cabral dizia com meridiana clareza que as fronteiras do novo país seriam exatamente as da antiga colónia portuguesa. E assim aconteceu, a despeito de fenómeno de cobiça como a região costeira entre o Senegal e a Guiné-Bissau que se julga estar impregnada de petróleo.

Um abraço do
Mário


A cédula pessoal do território da Guiné-Bissau

Beja Santos

A província da Guiné-Portuguesa nasce no século XIX. Antes, a partir do seu descobrimento, multiplicaram-se as designações, sempre imprecisas, vagas e arbitrárias: Rios da Guiné de Cabo Verde, Grande Senegâmbia, Pequena Senegâmbia, Terra dos Negros… Na constituição liberal não há nenhuma referência à Guiné, fala-se em Cacheu e Bissau, Eça de Queiroz, num dos seus trabalhos jornalísticos, fala de Senegâmbia, referência igualmente feita por Honório Pereira Barreto na sua incontornável Memória para as autoridades de Lisboa. Igualmente os limites territoriais eram indefinidos, havia a ideia de que tudo começava no território continental do Cabo Verde e se estendia até à Serra Leoa. Da leitura que fiz às descrições seiscentistas da Guiné, da autoria de Francisco Lemos Coelho, documento anotado pelo historiador Damião Peres, edição da Academia Portuguesa de História, 1953, apura-se que este comerciante e aventureiro terá passado a meninice em Guinala (região de Buba), morou em Cacheu e Bissau, viajou pelo Casamansa, atravessou por terra deste rio para o rio Gâmbia, navegou pelo Geba, percorreu as ilhas dos Bijagós, explorou a costa da Serra Leoa. Ao começar a sua descrição, é muito claro: “É a Costa da Guiné de que pretendo dar notícia, toda aquela terra que se estende do Cabo Verde, o qual fica em altura de 14 graus até ao focinho da Serra Leoa que fica em 7, que esta é a terra que é navegação dos portugueses, assim moradores que vivem por todos os rios que estão neste distrito, como os que passam a estas partes a negociar, em o qual distrito há os reinos, portos, gentes e comércio que aqui se verá”. E a sua primeira descrição serão os Jalofos, etnia predominante no Senegal.

Produto direto da Conferência de Berlim, que se estendeu de 1884 a 1885, decorrente dos permanentes litígios entre portugueses e franceses naquela região da África Ocidental, obteve-se mediante a Convenção Luso-Francesa de 1886 uma perda entendida como chocante e contrária à presença portuguesa, a região do Casamansa, a posse definida do interior da Guiné, punha-se termo a um mar de brumas e entregava-se a Portugal a Guiné continental e insular, com a mesma superfície que possui atualmente, 36.125 quilómetros quadrados.

Começa o texto da convenção nos seguintes termos: “D. Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, D’Aquém e D’Além mar, Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. Faço saber que se concluiu e assinou em Paris entre mim e o Presidente da República francesa uma convenção especial em que do lado português foram plenipotenciários, o senhor João de Andrade Corvo, Conselheiro de Estado e o senhor Carlos Roma du Bocage, Deputado, Capitão do Estado-Maior de Engenharia…”; e no artigo primeiro esclarecem-se as fronteiras: ao norte, uma linha que partindo do Cabo Roxo, se conservará, tanto quanto possível, em igual distância dos rios da Casamansa e de S. Domingos de Cacheu; a Leste, a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris, desde o paralelo de 12º 40’ de latitude norte; a leste a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris, desde o paralelo de 12º 40’ de latitude norte, até ao paralelo de 11º 40’ de latitude norte; ao sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha de Catack (que ficará para Portugal) e a ilha de Tristão (que ficará para a França) e, conservando-se tanto quanto possível, segundo as indicações do terreno, a igual distância do rio Componi (Tabati) e do rio Cacine, depois do braço setentrional do rio Componi (Tabati) e do braço meridional do rio Cacine, esteiro de Cacondo a princípio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de interseção do meridiano de 16º de longitude oeste de Paris com o paralelo de 11º 40’ de latitude norte. Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas compreendidas entre o meridiano do Cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o talvegue do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste…

No artigo segundo, o reino de Portugal reconhece o protetorado da França sob os territórios de Futa-Djalon. Depois o texto da convenção espraia-se sob a região do Congo, as possessões francesas da costa ocidental de África.

Foram constituídas delegações para delimitar as fronteiras, trabalho que se iniciou em 1887, com divergências e interrupções. E escreve-se no Anuário da Guiné de 1948: “Constituída uma nova missão Luso-Francesa foi possível de 1900 a 1905 fixar as fronteiras da Guiné Portuguesa. A missão portuguesa era chefiada por Oliveira Muzanty. Em 1919, o Capitão-Tenente Teixeira Marinho à frente de uma missão geográfica conclui os trabalhos de campo, permitindo o traçado de uma nova carta de Guiné. De 1929 a 1931, uma nova missão luso-francesa fez as rectificações das fronteiras. A representação portuguesa foi confiada ao Major de Artilharia Soares Zilhão que a chefiava e aos adjuntos engenheiros geógrafo Baptista Lopes e topógrafos Morais Soares e Fausto Duarte".

Em resumo, a província da Guiné, depois desta convenção de 1886, confrontava-se ao Norte, Leste e Sul com a África Ocidental Francesa (Senegal ao Norte, e Guiné Francesa a Leste Sul), e a Oeste com o oceano Atlântico.

Após os trabalhos de delimitação de fronteiras, ficou então definida uma linha convencional que partindo do Cabo Roxo corre pela região dos Felupes e Baiotes, mantém-se quase a igual distância dos rios Cacheu e Casamansa até ao marco 145; segue depois por novo rumo, aproximadamente na direção Este e, ao chegar ao marco 133, na vizinhança de Canja, inflete para Nordeste, apoiando no paralelo 12º 40’, até ao marco extremo 58. Ali começa a fronteira Leste, entre as regiões de Pachiche e Pajade que desce pela margem sinuosa do rio Cocoli, e se afasta novamente, contornando o Futa-Djalon até ao paralelo 11º 40’. A fronteira sul estende-se pela região montanhosa abaixo de Dandum, acompanha o rio Cogon, segue para o território compreendido entre esse rio e o Corubal e inflete na direção da foz do rio Cajet. Quanto à fronteira Oeste, ela é a linha da Costa banhada pelo Atlântico, recortada de estuários e canais, salpicada de numerosas ilhas entre as quais as do arquipélago dos Bijagós.



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20059: Historiografia da presença portuguesa em África (171): "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje" - Uma obra ímpar do 2.º Sargento António dos Anjos: A Guiné logo a seguir às operações da pacificação (2) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Beja Santos
É caso para perguntar.
Mesmo hoje, incluindo os milhares que lá estiveram na guerra, quantos portugueses sabiam isto?

Ab.
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Este post podia ser o post nº 1 deste blog, se Luís Graça tivesse lido esta história antes de ter ido para a guerra.

patricio ribeiro disse...

Meus amigos.
Ainda hoje é difícil de manter estes marcos, os franceses já foram embora...
Quer a Norte quer a sul é complicado.
Alguns desaparecem, outros andam sozinhos, mas sempre em desfavor de Bissau.
Esperamos que um dia ???? tudo volte ao normal.
Abraço

patricio ribeiro disse...

(O Futa-Djalon está cheio de Chineses a explorar diversas minas de minerais preciosos; ouro, diamantes, etc. Assim como os americanos, a explorar a bauxite).

Na fronteira Norte, o problema da demarcação em Cabo Roxo para o Mar, assim como os marcos, que por vezes desaparecem no continente.
- Ao ler este documento transcrito pelo Beja Santos, com um pouco de mais atenção, fica uma frase que me traz muitas dúvidas?

“compreendidas entre o meridiano do Cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o talvegue do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste…”

Quem visitar o nosso mapa militar no blog, de Varela, poderá pensar que a fronteira no mar, devia ser uma paralela à linha de latitude 12º 20´, mas parece que não é assim…

No último acórdão em tribunal Internacional de Haia, há uma linha inclinada ao sul a +- 15º, a partir de marco de Cabo Roxo.
Nos acordos, “nesta terra de ninguém”, a exploração dos recursos, são 15% para Bissau.
Há quem queira voltar a negociar, da parte de Bissau. A pressão é muita… talvez um dia???

Estas fronteiras, já deram origem a “mais” do que uma guerra não declarada, com o vizinho a Norte. Assim, com muitos recursos em tribunais Internacionais, e muitas negociações entre os dois países.

A causa é o petróleo e o gás no mar, assim com o peixe que está a ser pescado e levado para Ziguinchor, que depois é exportado para a Europa, como sendo pescado no Senegal.
Abraço