segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20074: Notas de leitura (1210): A Descolonização Portuguesa, Aproximação a um Estudo, Grupo de Pesquisa Sobre a Descolonização Portuguesa; Instituto Democracia e Liberdade, Lisboa 1979 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Este documento destaca-se por ter sido o primeiro ensaio de investigação fora da balbúrdia dos extremos: proliferavam na época os libelos acusatórios ao colonialismo e os chamados "livros negros" acusando militares e forças políticas de traição e abandono das populações das colónias. Sente-se, do princípio ao fim, a presença tutelar de Adriano Moreira. É um documento com altos e baixos, obviamente, o contexto em que se estuda o chamado problema ultramarino e procede ao balanço da colonização portuguesa decorre com bastante rigor e serenidade. Escusado é dizer que as investigações se aperfeiçoaram nas décadas seguintes, surgiu muita documentação e até se conhece melhor os pontos de vista no campo dos movimentos de libertação.
É lastimável que este documento não conste em qualquer referência bibliográfica sobre o colonialismo português e os atos da descolonização.

Um abraço do
Mário


A descolonização portuguesa, aproximação a um estudo

Beja Santos

“A Descolonização Portuguesa, Aproximação a um Estudo”, da responsabilidade de um grupo de pesquisa dirigido por Mário António Fernandes de Oliveira, edição do Instituto Democracia e Liberdade, 1979, dois volumes, apresentou-se como uma tentativa de oferecer elementos aos estudiosos que no futuro viessem a tratar o tema na perspetiva do conhecimento rigoroso e sereno, e simultaneamente a obra apresentava-se com intuitos de pacificar os portugueses sobre tão traumatizante questão. Importa esclarecer que o Instituto de Democracia e Liberdade era uma área de estudos confim ao CDS que, como é de todos sabido, pretendia ganhar notoriedade como um partido democrata-cristão. O diretor deste estudo, Mário António Fernandes de Oliveira, era um intelectual nascido em Angola com pergaminhos na investigação e na poesia. Paira sobre este estudo a imagem tutelar de Adriano Moreira, prefaciador dos dois volumes. Neste tempo, tanto no campo da esquerda como no dos ultranacionalistas já se apresentavam interpretações (na maior parte meramente ideológicas ou emotivas) para o fenómeno colonial português, e surgiam protestos e denúncias no campo oposto assacando tremendas responsabilidades aos militares, a Spínola, ao MFA, à esquerda em geral e ao PCP em particular, libelos que apareciam como acusação de abandono puro e simples e traição às populações que no espaço colonial se sentiam portuguesas, havia que pôr os réus em tribunal.

Mário António é o primeiro à direita
No que toca à compreensão do colonialismo em geral e da luta nacionalista na Guiné em particular, é o primeiro volume que oferece boas chaves explicativas: analisa-se o colonialismo português, as correntes de opinião sobre o ultramar num amplo arco histórico, esboça-se um balanço da colonização portuguesa bem como das lutas de libertação, expõem-se as hipóteses descolonizadoras anteriores ao 25 de Abril e questiona-se a situação militar nas colónias no primeiro trimestre de 1974.

A equipa dirigida pelo intelectual angolano elabora um pertinente documento sobre o caso português no contexto dos impérios coloniais, procura-se uma especificidade para a empresa ultramarina dos portugueses, alicerçada por posturas permanentemente assertivas desde o liberalismo até às correntes nacionalistas e oposicionistas até à década de 1950, aqui terá lugar uma viragem, a fratura adensar-se-á entre o regime e da oposição socialista para a esquerda. O documento pondera as várias hipóteses de descentralização que surgem em torno da discussão da revisão do Acto Colonial, a questão indiana despertará os próceres do regime para a necessidade de pôr em ação um novo quadro de desenvolvimento socioeconómico para as colónias. Iniciada a luta de libertação em Angola, vão aparecer vozes, de um modo geral desencontradas, apelando a formulações políticas que conciliassem os interesses das populações locais com o projeto imperial. A partir de 1972, sente-se a inevitabilidade de encontrar uma solução por uma guerra sem fim, as posições extremam-se. Um exemplo é dado pelo I Congresso dos Combatentes do Ultramar, que se realizou no Porto em 1973 e em que os ultranacionalistas fizeram aprovar conclusões como estas: 1 – todo o combatente deve continuar vigilante, ativo e dinâmico, na Metrópole e no Ultramar, combatendo todo e qualquer inimigo de Portugal; 2 – o que foge ao cumprimento do serviço militar não é digno de ser português; 3 – Portugal só pode realizar-se integralmente num território pluricontinental; 4 – continuar a defender Portugal por todos os meios e pelo tempo que for necessário. Coube a Spínola criar uma atmosfera propícia ao golpe militar de 25 de Abril.

À guisa de balanço da colonização portuguesa, os autores não iludem as realidades que davam pasto às reivindicações nacionalistas. Por exemplo:
“O número de africanos desempenhando funções médias na sociedade foi reduzido em todas as colónias, assim como o de africanos com títulos de propriedade privada, quer em relação às estruturas fundamentais, como a terra e a habitação, quer em relação a indústrias, incluindo as mais rudimentares. A distribuição profissional dos colonos justifica a posição de marginalidade a que a colonização condenou os africanos”.

Vejamos agora a Guiné: uma economia agrícola predominantemente de subsistência, com um baixo grau de monetarização, a produção agrícola foi profundamente afetada pela guerra, as autoridades procuraram o reordenamento rural e lançaram projetos de produção socioeconómica preferentemente no Chão Manjaco; um conjunto de unidades industriais solicitou autorização de instalação, com especial relevo as dedicadas ao fabrico de cerveja e refrigerantes, reparações navais, plásticos, pão, pescas, conservas e farinação de peixe, em 1973 encontrava-se instalada a CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné e a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné; nesse mesmo ano as atividades industriais de maior significado foram a de moagem e de descasque, a produção de óleo de amendoim, gelo, amendoim descascado, refrigerantes, sumos e serração de madeiras; existiam 56 centrais elétricas, a rede rodoviária dispunha de mil quilómetros de estrada dos quais 460 asfaltados e aproximadamente 517 no fim de 1973. Enfim, não se ilude a insignificância dos dados nem o caráter rudimentar da economia colonial.

Faz-se uma exposição sobre a ascensão do nacionalismo guineense, a partir de 1954 e depois um curto historial sobre o PAIGC. Também não se ilude a evolução favorável ao PAIGC da luta armada, o gradual prestígio internacional do seu líder, o seu armamento e a preparação militar eficiente dos militares e milícias. Releva-se a ofensiva desencadeada pelo PAIGC a partir de Maio de 1973 e o que representou a perda de supremacia aérea com os mísseis Strela. Citando Jaime Nogueira Pinto, os autores referem algo que não corresponde à verdade: “Segundo relatos posteriores dos responsáveis político-militares da Guiné, o governo de Lisboa dera na altura instruções para se evacuar a parte Sul do território até ao Geba, o que não fora cumprido, terminando pouco depois a comissão de Spínola”. E no questionamento se se caminhava ou não para o colapso, os autores opinam: “Sem dúvida que a situação militar na Guiné, no primeiro trimestre de 1974, era de facto bastante grave, quer pelo estado de abatimento das tropas portuguesas, quer pelo reconhecimento de inferioridade dos meios materiais de que dispunham, quer porque começavam a ter problemas na formação de quadros e dos contingentes com vista às rotações normais do pessoal. Contudo, apesar de condenado internacionalmente como ocupante ilegítimo do território de um Estado independente, Portugal mantinha todos os seus poderes de soberania exercendo os actos da administração corrente em quase todos os pontos do território a que tinha acesso”.

Não se tem dado o devido valor a este primeiro documento em que de forma abrangente uma equipa de investigadores procurou com seriedade e busca das fontes e consulta dos documentos uma interpretação global para o fenómeno do colonialismo português e para os atos da descolonização.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20065: Notas de leitura (1209): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (19) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... a fotografia de grupo acima exposta - e bem assim os demais dados nela inseridos (local, datação e identificações) -, tem uma origem: conviria mencionar a fonte, cuja de modo algum se relaciona com livro citado; e muito menos com os habituais considerandos preconceituosos do recensor.

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... adenda:
Acima, o recensor afirma que aquela obra não consta «em qualquer referência bibliográfica sobre o colonialismo português e os atos da descolonização».
Esclarecimento: aquele livro - tal como inúmeros -, desde 15Jun2010 se encontra referido em pdf disponível na internet.
A quem interessar, consulte a ligação seguidamente mencionada.
< ultramar.terraweb.biz/Livros/sair_do_Ultramar >