sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20421: (Ex)citações (362): a crise de vocações castrenses: de 1962 a 1969, a quebra é brutal: o nº de admissões ao 1º ano da Academia Militar passa de 266 (em 1962) para 33 (em 1969) (Morais da Silva, cor art ref, investigador, antigo professor da Academia Militar)



Fonte: Morais Silva (2010)



Dois comentários ao poste P20418 (*)


(i) Tabanca Grande Luís Graça:

É impressionante, um militar de carreira [, o major inf Magalhães Osório], aos 40 anos, já tinha 4 comissões de serviço no Ultramar: uma na Índia, outra em Angola, duas na Guiné... 

Por muito que "a fábrica de oficiais" trabalhasse, não conseguia repor o "produto"... E, infelizmente, começou a escassear a "matéria-prima"... Porquê ? Atenção, Morais da Silva e tanto outros camaradas e amigos entraram já para a Academia Militar em plena guerra colonial (ou do Ultramar, como quiserem).


(ii) Morais da Silva:

Vale a pena conhecer o número de admissões para o 1º ano da AM (no final do 1º ano ocorria a escolha do ramo e arma desejadas: inf,art,cav, eng civil, mecânica e electrotécnica, eng aeronautica, força aérea (pilotos), administração militar exército ou força aérea).

Admissão [Vd. Gráfico acima reproduzido]: 



1961:257 
1962:266
1963:180 
1964:137 
1965:129 
1966:90 
1967:90 
1968:58 
1969:33 
1970:62
1971:103
1972:72
1973:88

Os cadetes das Armas e Pilotos entravam para os quadros, com o posto de alferes, 4 anos após a admissão. As engenharias terminavam os cursos 7 anos após a admissão, já com o posto de tenente.

De 1962 a 1969 a quebra é brutal e deu origem à escassez de subalternos para a instrução, de tal modo que, em 1971 e 1972, não houve uma única promoção a capitão e, naturalmente, à queda do "stock" destes para o comando de companhias.

Não há estudos, que eu conheça, sobre o que animava estes jovens que, em plena guerra, acorriam à AM [Academia Militar]. Da minha parte sempre quis, desde menino, ser militar e em boa hora o consegui.


Morais Silva
artilheiro-infante


2. O Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, natural de Lamego, pertence a uma família de militares.  Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7/3/2019

Foi professor do ensino superior universitário, docente da Academia Militar, do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo especialista em Investigação Operacional. Também passou pelo TO da Guiné como oficial do QP: no CTIG, foi instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. É membro da nossa Tabanca Grande,

O Morais da Silva teve a gentileza de, em 2010,  nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp., sobre a "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Foi depois publicado no blogue, na série "Estudos", dividido em 6 partes (**). 

É desse estudo o gráfico que acima reproduzimos, e que merece o devido destaque e reflexão, além dos comentários ( que serão bem vindos...) por parte dos nossos leitores (***).
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(***) Último poste da série > 29 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro António, estes dados, agora "revistos" e "relidos" por mim, são muito reveladores das tendências contraditórias que se registam na sociedade portuguesa ao longo da década de 1960.

Em 1961 temos o início da guerra de Angola, e é também o "annus horribilis" de Salazar e do seu regime que conseguira sobreviver ao triunfo das democracias ocidentais, e à derrota das potências do Eixo (Alemanha, Itália, Japão...), em 1945.

Em todo o caso, o 15 de março de 1961, com a insurreição da UPA no Norte de Angola (e o seu cortejo de massacres que nos horrizou a todos: eu tinha 14 anos...), acabou por dar um "suplemento de alma" (e até de "alguma "legitimidade" ao regime de Salazar...

Não sobreviveu à morte (física e política) do ditador... E o "consulado" de Caetano foi apenas um hiato na História... 1969 é uma data marcante, até pelos sinais contraditórios que o sucessor de Salazar nos dá, com falsas promessas de "abertura" política... A "crise de vocações militares" tem aqui a sua expressão mais eloquente: 33 admissões ao 1º ano da Academia Militar...

Concordo que é pena não haver estudos sobre a (des)motivação dos jovens em relação à carreira militar... O ambiente intelectual, político-ideológico e moral nos liceus e nas universidades não era seguramente o mesmo quando o Morais da Silva, em 1963, entrou na Academia Militar. E, apesar da censura, sabe-se que a situação nas "frentes" de batalha, no ultramar, a milhares de quilómetros de distância, não é o mais favorável ao recrutamento de jovens para a carreira militar... As famílias estão inquietas, ninguém sabe ao certo o que se passa e sobretudo o que virá a acontecer... Aumenta a contestação, sobretudo entre os jovens, em relação à guerra do ultramar, há um crescente número de faltosos, refratários e até desertores... Há uma clara crise de "identidade" entre os portugueses, muitos dos quais emigram clandestinamente para a França e outros destinos europeus à procura de trabalho e de melhores condições de vida...

Não sei se, paralelamente, também houve, nesta época,uma quebra nas admissões ao 1º ano do Colégio Militar e dos Pupilos do Exército... Seria interessante cotejar os núemros...Mas noutras instituições, em regime de internato, física, simbólica e culturalmente fechadas como os seminários e os conventos, também se registou o mesmo fenómeno de "crise de vocações"... A Igreja e o Exército foram dois pilares fundamentais do Estado Novo... E estes dois pilares davam, em 1969, sinais de "anomia"...