Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 2 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18035: Historiografia da presença portuguesa em África (104): Diogo Macedo e a arte africana (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Para entender a importância do testemunho do escultor Diogo Macedo, figura marcante do primeiro modernismo português, é bom contextualizar que neste ano de 1942 os apelos raciais voavam muito alto, havia mesmo revistas pró-alemãs e estava vulgarizado o preconceito de que a arte africana era um primitivismo de bárbaros.
Diogo Macedo sabia perfeitamente que esta arte africana entusiasmara os cubistas e génios da escultura como Alexander Archipenko ou da pintura como Amedeo Modigliani.
Um abraço do
Mário
Diogo Macedo e a arte africana
Beja Santos
A revista Panorama, intitulada Revista Portuguesa de Arte e Turismo, editada a partir de 1941 pelo Secretariado de Propaganda Nacional, concebida por António Ferro e animada por um escol de artistas como Bernardo Marques, Paulo Ferreira, Ofélia Marques, com o concurso de grandes fotógrafos como Domingues Alvão ou Mário Novais, incluía em todos os números colaborações de reputados investigadores e intelectuais. Neste número 9, de 1942, com belíssima capa com um desenho de Bernardo Marques, colaboram personalidades como Gustavo de Matos Sequeira, Vitorino Nemésio ou Diogo Macedo. Este último era um dos mais conceituados escultores do primeiro modernismo, e veio a exercer as funções de Diretor do Museu Nacional da Arte Contemporânea, período em que obteve grandes consensos das diferentes escolas e movimentos, ao contrário do seu sucessor, Eduardo Malta, altamente contestado, tendo o regime até proibido um livro sobre a coleção do museu escrito pela mulher.
Diogo Macedo introduz uma singularidade na revista, traz um artigo intitulado “A arte dos negros de Portugal”, vem tomar partido pelo génio da arte africana, é frontal e nada lamechas na categorização destes trabalhos, começando logo por dizer que “As próprias missões religiosas têm tido a grandeza de coração, o respeito pelos dotes plásticos dos negros, de não se imiscuírem nas conceções elementares e particularíssimas da sua arte, do seu gosto, da sua interpretação caricatural ou realista, ou mesmo de fantasiosos simbolismos terroríficos ou benéficos dos elementos dos espíritos”.
E expressa um ponto de vista multicultural, bem raro nestes tempos assolados por fanatismos rácicos, que afetavam tendencialmente intelectuais da direita radical portuguesa:
“É necessário amar a arte, a imaginação pela imaginação, a originalidade pela originalidade, e da beleza plástica ter uma larga, anticonvencional e humana recetibilidade, para poder compreender e admirar essas artes exóticas de artistas incultos, instintivas, mas excessivamente expressivas, fantasistas e decorativas. Quem da arte tiver apenas a observação dos dogmas, dos vícios, das rotinas e da vulgaridade maior ou menor, de génio ou de repetição por sistema de princípios, não poderá olhar uma escultura africana sem sorrir com inferioridade, sem se quedar insensível aos misteriosos segredos dessa espontânea criação. E cairá no ridículo estado de mumificação assustadora e incapaz, que nem aqueles povos negros teriam, pois que perante qualquer objeto de beleza, seja ela de que terra for, vibram e são capazes de o adorar, como nós outros, segundo disse o Padre António Vieira”.
E procede a uma exaltação sobre os valores artísticos das colónias portuguesas, enaltece as máscaras, lembra a influência portuguesa na arte do Benim, a começar pelos marfins escultóricos. E justifica a exultação a que procede neste texto:
“Nesta revista de propaganda nacional, de turismo e de revelação aos portugueses das obras de gosto, naturais ou de mãos portuguesas, creio ficar bem esta exaltação pela arte nas nossas colónias em África, porque na realidade a obra daqueles negros, que são portugueses, também pode ser considerada portuguesa, embora a pretensão infeliz de certos colonizadores e certos artistas de mesquinha compreensão da arte humana, a tome por produto inferior em relação à arte sublime de outros povos. Arte africana, arte asiática, ate europeia, são artes irmãmente, mais ricas ou mais pobres, mais vivas ou mais cansadas, que por todos devem ser defendidas, compreendidas e amadas. A dos negros – juro – tem ainda virtudes virgens, que as outras irremediavelmente lastimam ter perdido. Admiremo-las, pois”.
E Diogo Macedo termina com a seguinte pergunta: “Quando se organizará em Portugal o primeiro museu de arte das nossas colónias?”. O escultor escolheu imagens de Angola e da Guiné, como se mostra.
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Nota do editor
Último poste da série de 23 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18007: Historiografia da presença portuguesa em África (103): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - V (e última) Parte: (viI) conclusão, agradeciemntos, bibliografia e fiotos
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