quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (100): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Restos do Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica.  

Outra das baixas mortais da CCAV 8350 foi o alf mil art Artur José de Sousa Branco: foi morto em combate, em Gadamael, em 4/6/73, era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Foram duas das 9 baixas mortais dos "Piratas de Guileje" e dois dos 75 alferes que perderam a vida no CTIG.

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > c. 1973/74 >  "Dos poucos momentos que passei em Bissau... Junto às LFG Orion, Lira e Argos (da esquerda para a direita)"

Foto: © J. Casimiro Carvalho (2017). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada Francisco Godinho [, foto  à direita] recuperou, muito a propósito e oportunamente, em 24 do corrente, na sua página do Facebook, um texto do J. Casimiro Carvalho, que merece ser reproduzido no nosso blogue.

O J. Casimiro Carvalho, o nosso "ranger", ex-fur mil op esp, CCAV 8350, "Os Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73),  é membro sénior da Tabanca Grande, e tem já cerca de 8 dezenas de referências no nosso blogue.

Publicámos, em tempos, as suas "cartas do corredor da morte" mas há lacunas de informação sobre o período em que esteve em Gadamael (e onde foi ferido).  Desde sempre o tratei, e muito justamente, como "herói de Gadamael". Nunca teve, ele e os outros "heróis de Gadamael", o devido reconhecimento público...

Não sei qual é a origem deste texto que o Francisco Godinho "recuperou".  Trata-se, em todo o caso de um relato dramático, na primeira pessoa, da uma saída para o mato, nas imediações do quartel de Gadamael, sitiado por forças do PAIGC, que acabou tragicamente para 5 dos 12 integrantes da "patrulha fantasma". Temos o dever recordar, mais uma vez, a sua memória e a trágica circunstância da sua morte... (LG).


O J. Casimiro Carvalho administra, desde 2/2/2014,  a página do Facebook Tabanca da Maia Tertúlia, reunindo já mais de meio milhar de membros, entre militares, ex-militares, familiares e amigos, com residência na Maia e imediações. É um grupo criado fundamentalmente "para convívio e para nos conhecermos" (sic). O grupo reúne-se, em almoço-convívio, no último sábado de cada mês. Além do  administrador (J. Casimiro Carvalho), tem um moderador (António Silva).  "Assuntos proibidos: religião, política e futebol"...


2. (De) Caras > J. Casimiro Carvalho > Gadamael, 4 de Junho de 1973: "A Patrulha Fantasma”

Em Gadamael, a mortandade era tanta, a cadeia de comando rompeu-se e houve fugas para o mato e para o Rio Cacine.

De salientar a bravura do capitão Ferreira da Silva (Comando/Ranger) (*), que avocou a si o comando desse pequeno contingente [, que restava em Gadamael,] e debaixo de fogo coordenou os cerca de 30 ou quarenta, verdadeiros heróis, que até à chegada dos abnegados Paraquedistas [do BCP 12], aguentaram aquele apocalipse!

Não havia condutores, o pessoal andava atarantado... aterrorizado e sem chefias que chegassem. Era assim em Gadamael em 1973.

A enfermaria estava pejada de cadáveres, um cheiro nauseabundo, os mesmos eram constantemente regados com creolina, não haviam urnas, os bombardeamentos eram constantes, as granadas caíam com precisão dentro do quartel, se fugíamos para o rio, elas caíam no rio, se fugíamos para o parque auto, caíam aí, havia coordenação de tiro por parte do IN.

Cheguei a conduzir uma Berliet, dos paióis para as bocas de fogo, de tal forma que,  quando havia saídas de fogo, nós já não as ouvíamos. Comigo andava um açoriano [, o 1.º cabo Raposo] (**), dois autênticos loucos varridos, saltávamos em andamento e, quando acabava o fogachal, voltávamos ao camião e seguíamos com o serviço.

Nessa altura, mais valia estar no mato, estávamos sitiados, e por isso,  quando formaram uma patrulha "ad hoc" onde me incluíram, até fiquei contente. Nessa patrulha ia o alferes Artur Branco, que antes tinha dito que o mandaram para ali, e que ia morrer; iam dois putos que tinham vindo voluntários para a tropa (, dois meninos!), aos quais ordenei que ficassem no quartel, ao mesmo tempo que disse: "Sois muito novos para morrer" (ainda se lembram disso e sempre o repetem aos filhos, dizendo que me devem a vida); ia um negro (o "pica"), o cabo José Neves e os soldados F. Anselmo [Fernando Alberto Reis Anselmo, natural de Macedo de Cavaleiros]; e A. Serafim [António Mendonça Carvalho Serafim, natural do Cartaxo] (um destes soldados nunca saíra para o mato), e outros que desconheço. Era uma “patrulha fantasma”.

Saímos para a zona da pista abandonada de Gadamael, as ordens era para emboscar nessa zona, para prevenir aproximações IN. Fomos em fila indiana ao longo do rio Cacine junto ao tarrafo. Passámos por um sítio, onde se vislumbrava uma pequena clareira, de capim médio, e o pica disse: "Alfero, melhor ficar por aqui, boa zona para montar emboscada"... O alferes Branco retorquiu que as ordens eram ir para a pista velha, pelo que continuámos. Uns 200 metros à frente, o negro disse que a pista estava minada e armadilhada pela tropa anterior. Posto isto, o alferes reuniu comigo e chegámos a consenso: que o melhor era recuarmos.

Recuámos em silêncio e ordeiramente, até chegarmos à tal zona da clareira, e começámos a entrar na mesma, agachados para passarmos por baixo do tarrafo.  Normalmente eu ia em 2.º ou 3.º nas patrulhas, e ao entrarmos nessa clareira, um dos militares deu-me passagem, e eu disse que não: "Ide entrando que 'eles' podem estar aí",  num tom bonacheirão e em sussurro, e assim foi.

Uns seis já tinham passado, quando ouvi uns estalidos e, com gestos e murmúrios, dei a entender que estava ali algo. Todos pararam espaçados e em silêncio. Como mais nada se ouviu, eu disse: “Deve ser passarada, avancemos” .... logo a seguir, outra vez o estalar de ramos e mexer de vegetação. Imediatamente gritei: “Emboscada!”, coloquei a arma em modo de rajada, e atirei-me para o chão, não sem antes ver a cara do alferes desfeita por uma rajada, com sangue e ossos (?), a saltar.
Já no chão e com um fogachal tremendo, próprio de armas russas, com a cara de lado bem rente ao mato, passou-me a vida pelo cérebro, e a mente a pensar na “minha mãe”. Estou neste estertor, pensando se abria fogo ou não, pois iria denunciar a minha posição, imaginando um turra a disparar nas minhas costas, deitado.

Nestas fracções de segundos, ouço uma G-3 a disparar ao meu lado, o som era mesmo nosso, então comecei a dar rajadas de 3 ou 4 tiros, enquanto outro militar dava tiro a tiro, compassadamente. Freneticamente, tirei o carregador vazio e coloquei outro, disparando pequenas rajadas por cima da cabeça, que continuava “colada ao solo”. Ao pegar no 3.º carregador, o tiroteio IN parou abruptamente, quando vislumbro um turra no meio da vegetação que se levantou, e assim mesmo levou uma rajada minha que o “tombou” logo ali, depois uma gritaria infernal, por parte deles, e eu, sozinho com um militar ao meu lado, berrei para o mesmo: "Vamos, ou morremos aqui".

Ele gatinhou à minha frente, passámos pelo cadáver do cabo Neves [José Inácio Neves, natural de Alcobaça] e seguimos para o rio, em direcção ao quartel, sempre a olhar para trás a ver se algum IN nos mirava para nos abater. Larguei cinturão, com a ração de combate e os restantes carregadores, para melhor correr, fugindo da morte certa, levando apenas a G-3 sem carregador nem munições.

Chegado ao quartel, sozinho, o meu corpo colapsou, e todos pensaram que eu morrera ali mesmo.  Fui recolhido por camaradas daquele inferno, tão aterrorizados como eu, e descansei um pouco, bebi água sofregamente, sem saber ao certo quantos morreram.

De seguida, saíram paraquedistas [da CCP 122, um Gr Comb, comandado pelo alf paraquedista Francisco Santos]  e foram ao local (a 1200 metros) da emboscada, onde encontraram aquela cena traumatizante, derivado ao que os turras fizeram aos meus camaradas, que me dispenso de pormenorizar aqui, tal o horror.

Quando regressaram, eu quis ver os meus camaradas, que estavam numa Berliet, e não me deixaram. Peguei numa G-3, meti bala na câmara e berrei: “Ou vejo, ou varro esta merda toda”!... Claro que vi, e essa imagem persegue-me ainda hoje, como fantasmas do passado!

Passados uns dias, noutro bombardeamento, fui ferido, e evacuado pelos fuzos até à [LFG] Orion, para Cacine. No entanto, quando fiquei bom, ofereci-me para ir outra vez para o holocausto, onde os meus camaradas morriam.

Andei 20 anos sem sequer mencionar que andei na guerra, ainda que militar da GNR BT [, Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana].

Hoje, falo abertamente, sofro em silêncio e não só. A minha esposa encontra-me por vezes a chorar convulsivamente e já não diz nada: Ela sabe...

Décadas se passaram, e numa simples conversa, descobri quem era o herói que ao meu lado disparou até ao último segundo (o tal da decisão de viver... ou morrer): era o soldado Borges, da CCAV 8350 "Piratas de Guileje", o qual abracei chorando e soluçando, revivendo aquele tormento.

Por isso, agora, quem me vê, nas comezainas, convívios, com alegria: e a disparar sorrisos para todo o lado, lembre-se, é um hino à Vida e uma forma de esconjurar os fantasmas do passado. (**)

José Casimiro Carvalho
ex fur mil Op Esp

PS - Nunca poderei esquecer a LFG Orion, seus marinheiros, os fuzileiros, que desobedeceram ao Gen Spínola e acorreram aos militares que morreriam sem o seu socorro.

Os Paraquedistas... nem tenho mais adjectivos: os meus heróis.

Um excerto de "A Guerra": Episódio n.º 10 [Episódio 10 de 18]

Em Gadamael, no sul da Guiné, poderia ter ocorrido um grande desastre militar. Perante ataques do PAIGC, quase toda a guarnição se refugiou no rio, ficando um pequeno grupo a defender o quartel. Spínola ameaça afundar um bote com militares em fuga. Também proíbe o socorro dos náufragos, grande parte civis, mas a Marinha e os Fuzileiros não cumprem a ordem.


3. Comentários:

(i) Francisco Godinho [ex-Fur Mil da CCAÇ 2753, "Os Barões do K3)", Madina Fula, Bironque, K3 e Mansabá, 1970/72; é natural de Moura, vive no Seixal]

Não queria voltar a este assunto, nem de "evocar memórias passadas e tristes" e que não quero que voltem a ocorrer na história presente e futura deste País, que é o meu e o vosso, agora que, parece, está "cimentada" a liberdade e a democracia, (às vezes, fico em alerta, mas enfim) neste nosso rectângulozinho, à beira-mar plantado.

Mas, como conheço o assunto, o protagonista e actor principal, o José Casimiro Carvalho, que faço questão e tenho o orgulho em ter como camarada de armas e amigo, e como também, ainda, tenho pesadelos, ainda que não tão intensos como os dele, dada a dimensão dos acontecimentos que ele, o Casimiro, viveu. (Eu terei outros, talvez não tanto dramáticos, mas igualmente marcantes do ponto de vista psico-social-emocional).

Mas, para que a memória dos portugueses/portuguesas, não se apague, não se deixe embalar em "cantilenas", e também porque, de vez em quando, (como ele muito bem diz) é preciso "exorcizar os nossos fantasmas", aqui vos deixo, para reflexão e "amadurecimento de memória", este pungente "relato real" de uma situação vivida por um jovem (tal como eu, na altura) soldado (, somos todos soldados, naqueles momentos) do Exército Português.

Repito, não para nos olharem como heróis, mas para, ao menos nos respeitarem e, principalmente, não esquecerem os sacrifícios e os "custos" que esta democracia, digamos, "impôs", para existir. 

Um abraço tamanho do mundo, José Casimiro Carvalho, e até ao próximo encontro da nossa Tabanca Grande.


(ii) Manuel  [Augusto]  Reis [ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74; vive em Aveiro]:

Fui testemunha "in loco" de tudo o que relata o José Casimiro. Foi de uma violência tremenda essa emboscada e foram bravos esses homens que foram obrigados a efectuar esse patrulhamento. Eram 11 homens, mal equipados e mal armados, que partiram do aquartelamento sob os berros e ameaças do comandante de companhia.

Não calei a minha revolta e indignação pelo sucedido, o que me valeu uma despromoção de 2.º comandante, o que para mim constituiu um prémio. Acabei por ser massacrado com tentativas de aliciamento para depor num determinado sentido, caso fosse aberto um inquérito.

Permanece viva a imagem do alf Branco, chegado há dois dias à companhia e, na hora da partida, olhou para mim, incrédulo, como que a perguntar o que devia fazer. Nada disse, mas apeteceu-me gritar: Não vás! Coube-me a mim partilhar este sofrimento e dor imensa com a pobre mãe. Não gosto de recordar esta situação, mas o José Carvalho merece uma palavra amiga pela sua abnegação e doação ao próximo. Sem a sua bravura ninguém regressaria do mato. Bem hajas. [****)


 (iii) Tabanca Grande / Luís Graça:

O alf mil art Artur José de Sousa Branco, da CCAV 8350, foi morto em combate, em Gadamael, em 4/6/73. Era natural de Lisboa, e está sepultado no cemitério do Alto de São João.

Recorde-se que na tarde de 4 de junho de 1973, em Gadamael, o alf mil Branco sai com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCP 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3 de junho, sob o comando do cap paraquedista Terras Marques).

Um pelotão, sob o comando do alf paraquedista Francisco Santos, da CCP 122, vai em socorro do grupo do alf mil Branco e ainda consegue resgatar os corpos e os sobreviventes. "Os cadáveres tinham sido selvaticamente baleados, ainda estavam quentes e os fatos empapados de sangue" (José Moura Calheiros - A última missão, 1.ª ed. Caminhos Romanos: Lisboa, 2010, pp. 527/528).

Além do alf mil Artur José de Sousa Branco, morreram nesta ação os seguintes camaradas, todos eles sold cav da CCAV 8350 (entre parênteses, o concelho da sua naturalidade): António Mendonça Carvalho Serafim (Cartaxo); Fernando Alberto Reis Anselmo (Macedo de Cavaleiros); Joaquim Travessa Martins Faustino (Santarém); José Inácio Neves (Alcobaça).
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

(**) Vd. postes de:

15 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I) (Luís Graça)



(***) Último poste da série > 14 de novembro de 2017 > uiné 61/74 - P17971: (De) Caras (100): Saia uma sandocha de "cabrito pé de rocha, manga di sabe" (Vitor Junqueira, ex-alf mil, CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim / K3, Mansabá, 1970/72; médico reformado, Pombal)

(***) Vd. poste de  2 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P310: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)

(...) "Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael. (...)

Vd. também poste de  17 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16099: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (37): O nosso Blogue e a sua importância (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

6 comentários:

JOSE CASIMIRO CARVALHO disse...

O Furriel Faustino faleceu nesse dia, mas não na emboscada. Na emboscada faleceram, cabo Neves, Sol Serafim,Sold Anselmo e Alferes Branco, além do nativo (pica) que foi baleado numa nádega.

Anónimo disse...

Camaradas e Amigos:
Embora não estivesse em Gadamael à data dos acontecimentos relatados, tenho-me debruçado sobre tudo o que se passou lá, durante a Guerra Colonial. O Ataque a Gadamael em MAI/JUN/73 merecia e merece uma abordagem desapaixonada, rigorosa, de maneira a que se escreva a História dos acontecimentos vividos e sofridos pelas NT, mas também de elementos do PAIGC, diversificando as fontes de ambos os lados do conflito.
Claro que o N/ Blogue talvez não seja o espaço apropriado, dado que o seu objectivo é mesmo recolher os desabafos, as angustias dos que, como vimos no texto, carregam ao longo da vida recordações que os perseguem, das quais gostariam de se desfazer.
Embora não seja essa a vocação do N/ Blogue era importante começar a fazer História. - M. Vaz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manuel Vaz:

Obrigado, sei que és um "apaixonado leitor e estudioso" de tudo o que diga respeito a Gadamael, e não só...

Quanto à tua sugestão: estou de acordo, era bom que se escrevesse, com rigor, de maneira objetivva, desapaixoanda, a cronologia da batalha de Gadamael...

Pena é que os ex-combatentes do PAIGG se tenham remetido ao "silêncio sepulcral"... Os "generais" já morreram, os "soldados" estão a morrer, e ninguém escreve, muito menos em português...

Mas a Tabanca Grande está de portas abertas a todos os depoimentos, testemunhos, fotos, documentos, venham donde vierem... Acredito que, para os historiadores, este não seja o melhor para publicar... A nossa missão não é "fazer ciência", mas respeitamos o trabalho, sério, dos investigadores, portugueses, guineenses, cabo-verdianos, etc.

Sei que podes desempenhar um papel de "moderador" neste dossiê, dado o teu conhecimento do terreno e da época... Abraço grande, Luís.

Mário Vitorino Gaspar disse...


Sou o Ex-Furriel Miliciano Mário Vitorino Gaspar Atirador e de MA da CART1659. Desembarcámos no lodo em Gadamael Porto a 19 de Janeiro de 1967 numa LDM e outra lancha. O cais foi deito por nós. Capinámos e fizemos abrigos, pusemos de pé paliçadas e ficámos cercados de arame farpado. Antes do regresso recebi ordens do Batalhão de Buba para levantar todas as minas e armadilhas. A maioria delas nem tinha sido eu a montá-las. Éramos quatro Especialistas de Minas e Armadilhas, visto ter falecido o Furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana,ficado gravemente ferido o Furriel Miliciano António Manuel Magalhães Maia e o Alferes Miliciano José Paulo Oliveira de Sousa Teles ter sido afastado das Minas e Armadilhas fiquei com a ingrata missão de ser responsável por todo o terreno minado. Com a colaboração dos Caçadores Nativos, Militares "U" (eram 90) e Militares da CART desmontei tudo e tive de fazer um Relatório. Todo o mal tem início com os abandonos de Sangonhá e Cacoca, depois vamos para Gandembel - o INFERNO e sai-se de Mejo. Gandembel tornara-se um alvo fácil. Guileje só após a saída do Inferno de Gandembel, Gadamael podia talvez fazer frente ao PAIGC não fosse ficarem as populações chegadas da fronteira irem para Gadamael. Os abrigos, paliçadas e arames farpados de nada valiam. Regressáramos aos tempos das Guerras Mundiais. Valas! Depois as minas ficaram, tenho a certeza ser tudo diferente se o General Spínola deixasse ficar as populações na Guiné Conacri e não terem construído em Gadamael uma cidade. Os Camaradas que pisaram terras de Gadamael Porto, após fins de Outubro de 1968 bem sofreram.

Manuel Luís Lomba disse...

Sou a corroborar a opinião do Mário Vitorino Gaspar.
A manobra pelo controle e impermeabilização da fronteira Leste-Sul foi iniciada pelo Brigadeiro Louro de Sousa, com destacamento em Buruntuma e a criação da quadrícula em Guileje, em Fevereiro de 1964, no auge da Operação Tridente - já com 3 anos de atraso!
O General Arnaldo Schulz deu-lhe continuidade, entre 64-68, mas sem conseguir recuperar esse atraso.
O General Spínola adoptou o "asfalto" como manobra política e a evacuação das posições fronteiriças de Madina do Boé, Beli, Ponte Balana, Sangonhá, Cacoca, Gadembel e Mejo, a engordar a estratégia político-militar do PAIGC. Haja em vista a sua ousadia de manobrar a resolução da guerra da Guiné, com o assalto a Conacri, aviação seria decisiva ao seu sucesso - mas sem aviões, de lá e de cá...
Aquelas posições eram muito duras e muito difíceis? Para situações especiais, homens especiais. O PAIGC demonstrou-o; e nosso comando-supremo não!
Amilcar Cabral demonstrou seu talento político-militar, pelo óbvio.
Bom fim de semana
Manuel Luís Lomba

Anónimo disse...

Quando todos estes episódios se passaram estava eu em Bissau, ao rádio como um meu camarada, dos 15 que viajaram comigo e foi colocado em Gadamael, lembro-me, não sei se bem ou mal... Compreendo o que se passa com o José Casimiro Carvalho quando ele diz"...quando me vêem nas festas a distribuir sorrisos e abraços..." ou quando refere "que chora de noite...". Pois é, por mim apenas deixo um abraço a todos os que por lá passaram. Respeito todos, cada um terá certamente uma história e nenhuma será igual.
Ao Manuel Reis quero deixar o meu grande abraço pelo seu comentário, espero que ele o receba com o mesmo sentimento com que eu o envio.
Está aqui por perto de onde moro o imediato da Oreon então no comando desse patrulha, tenho tentado mas ainda não consegui chegar ao seu contacto, pode ser que ele resolva um dia contar a ordem que efectivamente recebeu, não creio, mas seria interessante, imaginem se essa ordem foi não só a de não os recolher como ainda disparar sobre eles. É bom lembrar que recolheu todos os que conseguiu.
É tanta a diferença entre cavar a terra ou mandá-la cavar, como é a do seu estado antes ou depois de chover...
Um abraço,
BS