terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21599: Efemérides (345): Foi em 1 de Dezembro de 1640, há 380 anos, executada a "Operação da Restauração da Independência" (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 30 de Novembro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto lembrando a Restauração da Independência de Portugal em 1 de Dezembro de 1640,  que hoje se comemora.


Há 380 anos, em 1640: duas mulheres, D. Luísa de Gusmão, duquesa de Bragança, e a moça Constância de Faria, noiva de 17 anos, provocaram os nossos camaradas conjurados à execução da “Operação da Restauração”…

Manuel Luís Lomba

Tornei-me recorrente na partilha com os Camaradas da minha hermenêutica (herética) dos compêndios de História.

Naquele tempo, os reinos eram enformados por dinastias, de jure pela “Graça de Deus”, a “via urinária” ou a “manu militare” a sua legitimação.

Rei Filipe II de Espanha
(1527-1598)

Em Abril de 1580, pela Graça de Deus e legitimação por “via urinária”, o rei Filipe II de Espanha, neto do nosso rei D. Manuel I, logrou que as Cortes realizadas no Convento de Cristo, Tomar, o aclamassem rei de Portugal, Filipe I, jurando-lhe um compromisso, à maneira de bom discípulo de Maquiavel: dinastia a mesma, mas independentes os reinos, os impérios separados e a obrigação de alçar o seu primogénito a rei de Portugal em exclusividade.

Nenhum dos primogénitos dos seus 4 casamentos sobreviveu, o filho e neto seus sucessores não só não se quiseram diminuir a rei de Portugal em exclusividade, como cuidaram de corromper o que restava da nossa traumatizada nobreza (dizimada em Alcácer-Quibir) e a nossa alta burguesia. Mas o povo ficou de fora dessa corrupção.



Estava o rei Filipe IV (e nosso III da dinastia filipina) a acudir à guerra dos Países Baixos, à Guerra dos Trinta Anos e o ex-Cónego Católico Gaspar de Gusmão, Duque de Olivares, seu potente Primeiro-Ministro, arranjou-lhe mais duas, ao convencê-lo a decretar a “castelhanização” dos reinos da Espanha - a Catalunha reagiu com a sublevação e fez chegar à Resistência portuguesa a informação do seu decreto secreto da anexação pura e simples de Portugal e do seu império à Espanha -, e ao decretar a mobilização das Forças Armadas Portuguesas para combater a Catalunha e a cometer essa missão ao então seu Chefe do Estado-Maior General (Governador de Armas de Portugal), o Duque de Barcelos e Bragança D. João I, que, por ser trineto de D. Manuel I, se perfilava como o candidato de maior potencial ao trono de Portugal.

Com esses decretos e seu proceder, inaugurava a contagem decrescente da nossa Restauração.
A Resistência portuguesa começou a organizar caçadas conspirativas nas herdades de Vila Viçosa com o futuro rei D. João IV, a Duquesa sua mulher (espanhola de naturalidade e grande portuguesa de coração) dispensou-lhes a melhor hospitalidade e apoio, a sua contra-informação despistou a “secreta” castelhana com a “revolta” popular encabeçada pelo Manuelzinho, um jovem deficiente, começada com o fogo posto às repartições públicas em Évora, ganhou escalada e passou a ir apedrejar as janelas e os telhados do palácio de Vila Viçosa, a vociferar que o Duque era pró-castelhano.

A eclosão da Restauração pertence a D. Luísa de Gusmão, ao animar o marido com a afirmação, solene, o que os conjurados já sabiam dela: “Prefiro ser rainha por uma hora que duquesa toda a vida!”

D. Antão Vaz de Almada, mentor da conjura aos 80 anos de idade, então Governador de Lisboa, convocara os 40 operacionais, dos cerca de 60 conjurados, para jantar, em 30 de Novembro, no seu Palácio de S. Domingos (actual Palácio da Restauração da Independência), reunião de concertação da “ordem das operações” previstas para o dia 9 de Dezembro, data simbólica, fazia 60 anos que Filipe I entrara em Portugal por Elvas, em armas, onde passara 2 meses a preparar a sua aclamação de nosso rei. António Telo, Capitão-Mor das Naus das Índias, o mais decidido e fogoso desses operacionais, falhou a janta, compareceu alta noite, a bufar e afogueado, declarou o seu juramento da eliminação às suas mãos e nesse mesmo dia, o valido do rei de Espanha e Primeiro-Ministro Miguel de Vasconcelos e Brito. Estava a chegar de livrar a sua noiva da tentativa de rapto pela sua guarda e à sua ordem.

António Telo estava noivo de Constância de Faria, moça de 17 anos, aparentada com D. Antão, órfã de pai, um herói da nossa História Trágico-Marítima, a residir com D. Joana de Faria, a viúva sua mãe, na sua quinta de Almada, e quisera o acaso de Miguel de Vasconcelos comprar a quinta confrontante. Entrado no alcoolismo, começara a assediar a mãe e a filha, o seu insucesso levou-o à anexação por expedientes ilícitos da quinta delas à dele e a fazer-lhes um ultimato: ou a Constância aceitava consolar-lhe a solidão decorrente do seu alto cargo, ou perdiam a quinta e eram postas na rua, por despejo.

Dado o seu comprometimento como conjurado, António Telo foi-se limitando à vigilância, e então o apelo da noiva falou mais alto – e “é pra hoje e não para o dia 9”!

A “ordem de operações” terá sido mais ou menos assim: o Paço do Governo (da Ribeira) e o Castelo de S. Jorge (comando das forças espanholas) os objectivos principais, o confinamento de personalidades espanholas ou pró, objectivos secundários.

Às 9H00 daquele 1 de Dezembro de 1640, o comando encabeçado por António Telo neutralizou com um golpe de mão a sua conhecida guarda desse Paço, a mesma que tentara o rapto da sua noiva, lançou-se na procura de Miguel de Vasconcelos, escapado para a outra ala, matou um criado tudesco por engano, enquanto outro grupo assaltava a ala de D. Margarida de Sabóia, viúva do Duque de Mântua e Vice-Rainha de Portugal. 

Encontraram o Miguel de Vasconcelos escondido num seu armário-arquivo, liquidaram-no com uma estocada, apresentaram-se como oficiais e cavalheiros ante a Vice-Rainha, esta assinou o auto de rendição da guarnição espanhola, como representante do rei de Espanha, António Telo ficou senhor do Paço, o cadáver do Miguel foi atirado pela janela, o peito vazado pela sua espada, em vingança da honra da sua noiva, o outro grupo foi executar outro golpe de mão, este incruento, ao Castelo de S. Jorge, e o general espanhol subordinou-se à rendição da sua superiora hierárquica.
Aclamação de D. João IV como rei de Portugal, pintado por Veloso Salgado 
(Museu Militar de Lisboa).


Restauração da Independência Nacional – em memória e celebração dos nossos camaradas de antanho, quase desconhecidos, que conjugaram na “Operação Restauração” o amor pátrio com o amor mátrio:

- D. Afonso de Meneses, Capitão-Mor de Monção
- D. Álvaro Abranches da Câmara, Governador Militar das Beiras e de Entre Douro e Minho
- D. Antão Vaz de Almada, Governador de Lisboa
- D. António de Alcáçova, Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela
- D. António Luís de Meneses, General de Cavalaria
- D. António de Mascarenhas, Comendador da Ordem de Cristo
- António de Melo e Castro, Capitão de Sofala e da Índia
- António Teles da Silva, Capitão-Mor das Naus da Índia
- António Saldanha, Almirante
- D. António Telo, Capitão-Mor das Naus da Índia
- Aires de Saldanha, Comandante da Infantaria do Alentejo
- D. Carlos de Noronha, Presidente da Mesa de Consciência e Ordens
- Estevão da Cunha, Prior de S. Jorge, Lisboa
- D. Fernando Teles de Faro, Mordomo de D. Luísa de Gusmão
- D. Filipa de Vilhena, viúva de D. Luís de Ataíde, Capitão-Mor de Leiria
- D. Francisco de Vilhena, filho que ela armou Cavaleiro, para participar
- Francisco de Melo, Monteiro-Mor e o primeiro a angariar conjurados
- Francisco de Melo e Torres, Alcaide-Mor de Terena
- D. Francisco de Noronha, Coronel do Terço de Ordenanças
- Francisco de São Paio, Governador de Armas de Trás-os-Montes
- D. Francisco de Sousa, Governador de Armas de Setúbal
- Gaspar de Brito Freire, Morgado da Baía - Brasil
- D. Gastão Coutinho, General de Cavalaria
- Gonçalo Tavares de Távora, Capitão de Cavalos
- Gomes Freire de Andrade, Capitão de Cavalos
- D. Jerónimo de Ataíde, Capitão-General da Armada
- D. João da Costa, Alcaide-Mor de Castro Marim
- D. João Pereira, Prior de S. Nicolau
- João Pinto Ribeiro, Administrador da Casa de Bragança
- João Rodrigues de Sá, Capitão da Índia
- João Rodrigues de Sá e Meneses, Comendador da Ordem de Santiago
- João Saldanha da Gama, Capitão de Cavalos
- João Saldanha e Sousa, Tenente-General de Cavalaria
- Jorge de Melo, Almirante
- D. Luís de Almada, Cavaleiro e filho de D. Antão
- Luís Álvares da Cunha, Morgado dos Olivais
- Luís da Cunha, Cavaleiro
- Luís da Cunha de Ataíde, Presidente da Junta de Cavalaria
- Martim Afonso de Melo, Governador de Mascate – Índia
- D. Miguel de Almeida, Alcaide-Mor de Abrantes (94 anos de idade)
- Nuno da Cunha Ataíde, General de Artilharia
- D. Paulo da Gama, Cavaleiro e bisneto de Vasco da Gama
- Pedro Mendonça Furtado, Alcaide-Mor de Mourão
- D. Rodrigo da Cunha, Bispo de Lisboa e Inquisidor-Mor
- Rui Figueiredo de Alarcão, Comendador da Ordem de Cristo
- D. Rodrigo de Meneses, Governador da Relação do Porto
- Rodrigo de Resende Nogueira, Capitão-General de Angola
- Sancho Dias de Saldanha, Capitão de cavalos
- Tomé de Sousa, Comendador da Ordem de Avis
- D- Tristão da Cunha Ataíde, Comendador da Ordem de Cristo
- Tristão de Mendonça, Almirante

(Fontes: Casa Real Portuguesa e Wikipédia)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21508: Efemérides (344): No dia de Finados, lembro os meus camaradas Manuel Gaio Neto, Joaquim Pinto de Sousa, Gabriel Pereira Bagaço e João Fernandes Caridade (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

Provavelmente, Vasco Pulido Valente desconhecia ter havido "rabo de saias" nisto da Restauração de 1640, e, assim, teria acrescentado mais qualquer coisa ao seu ponto de vista: '...o 1º. de Dezembro comemora a dinastia de Bragança e não a putativa independência que não deixara de existir'.
E, acrescento eu, não fora o Vasconcelos se armar em "camarinha do Paço" provavelmente teríamos por todo o lado tabuletas bilingue e nunca teríamos visto as belas bajudas fulas da Guiné.

Abracelos
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Mais uma original,e não menos interessante ,visão das infindáveis histórias da nossa História.

Mas essa da “via urinária “ coloca sérias questões etimológicas nos mais finos salões da.......Aristocracia Minhota.

Um abraço.
J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Querias dizer "por via uterina", Manuel Luís...

Um boa, síntese, didática, do que se passou na revolta dos segundas linhas da nossa nobreza... Sim, por os grandes do reino, estava no bem-bom da corte castelhana, bajulando Filipe IV (e III de Portugal) e o seu poderoso e sinistro ministro Duque de Olivares, de triste memória para todos nós, ibéricos e europeus...

Isto foi mais um "golpe de mão" (ou "palaciano), mas que só podia triunfar com o "back office" da arraia-miúda....

Muita oportuna a tua lição de história e de patriotismo... Quando eu era miúdo celebrava sempre, na minha terra, o 1º de Dezembro, segundo com o meu pai atrás da banda... Os putos, como não sabiam a letra do hino da restauração, parodiavam-na: "Ó Ti Zé da pera branca, tá...ta-ra-ta-tá...". (Ando há anos a tentar recuperar o resto da letra, mas já não consigo localizar esses putos que iam atrás da banda como eu...).

Parabéns à Banda da Lourinhã (, em tempos também Filarmónica Lourinhanense),fundada em 1872 pelo Maestro Anacleto Marcos da Silva (1850-1930): todos os anos sai à rua, no 1º de dezembro, haja ou haja covid... Daqui a um ano e picos vai comemorar os sesu 150 anos!....

Anónimo disse...

Caro Senhor Editor

Antes de fechar a porta sem estrondo (não fosse eu o resultado de mais de 40 anos de assuecamentos) gostaria de acreditar que a “via urinária” que lá ia produzindo os nossos Maiores (os tais portugueses mais antigos ou.....galegos mais modernos ) mais não será que um muito saudável humor do nosso historiador.
Humor quase ao nível lapão.

J.Belo

Manuel Luís Lomba disse...

O Luís veio em meu auxílio, ao superar a fraqueza etimológica do meu conceito "via urinária", uma malícia "à moda do Minho", pelo conceito "via uterina", na sua robustez técnico-científica. Então cumpre-me explicar:
Como rural, sinto os confinamentos a agravar a minha ruralidade, será mais que natural o pé fugir-me para o tamanco, "diz-me onde vives e direi o que és", julgamento e jurisprudência popular.
Não obstante a sua implícita malícia à moda do Minho, o conceito de "via urinária" não será de todo desprovido de intelectualidade!
Desde sempre, o impulso dos casamentos é mais sexual que uterino... (a igualdade do género que explique o resto).
No referido ao conceito do intelectual Vasco Pulido Valente (que Deus tenha), invocado em desabono desta minha narrativa, ele contraria todas as evidências da História, não por heresia, talvez "bebido" no "Gambrinus" - um sítio muito bom, mas não para se beber história.
A dinastia era espanhola, Portugal tinha autonomia, o seu império era separado de Espanha, logo sem independência política, o sacripanta e duque de Olivares fizera o plano e o nosso III rei filipino ordenara a anexação pura e simples de Portugal a província da Espanha (hoje não passaríamos de região autonómica espanhola...). Ao mexer com o que restava da Nobreza nacional e com todo seu Povo, comprou a Guerra da Restauração, que durou 28 anos!
D. João IV, como era trineto de D. Manuel, terá sido a excepção que confirma a regra:ascendeu a nosso rei por duplamente legitimação - mais pela "via uterina" e por "manu militare", menos pela "via urinária"...
Nessa altura, há mais de 150 anos que os portugueses se agarravam às "bajudas" da Guiné e que escravos guineenses tinham vindo agarrar-se às cachopas portuguesas.
Os portugueses devem orgulhar-se do Descobrimento e da INVENÇÃO dos mulatos na Guiné; os guineenses devem orgulhar-se terem sido os agentes dessa invenção, em Lisboa...
Abr.
Manuel Luís Lomba

Anónimo disse...

Afinal não estava assim tão errado ao comparar o humor dos rurais minhotos com os rurais da Laponia.

Mas eu serei suspeito (ao que já há muito me habituei) por o meu Norte ser de tal modo ao Norte dos minhotos que acabo por os confundir com os Alentejanos.

Um daqueles abraços respeitosos do J.Belo.