domingo, 7 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25046: Fotos à procura de... uma legenda (179): o que é o Joshua Benoliel fotografou em fevereiro de 1917 ? Um soldado a escrever uma carta de despedida para a família de um camarada analfabeto ? E com quê: lápis de carvão, caneta de aparo, caneta de tinta permanente ?...


Pormenor da capa da "Ilustração Portuguesa", II Série, nº 575, Lisboa, 26 de fevereiro de 1917. (Edição semanal do jornal "O Século"; editor lit.: José Joubert Chaves; nº avulso: 10 centavos.)

1. A legenda diz: "Expedicionários portugueses: escrevendo a um camarada uma carta para a família". ('Cliché': Benoliel)".

Será ? Aqui fica um desafio ao leitor:

O que é o militar (figura do lado esquerdo) escreve em cima do joelho ? É uma carta, um bilhete-postal ou um simplesmente apontamento num caderninho ? Será mesmo uma carta, talvez de despedida, para a família do outro camarada (também de perfil, à direita) ? Ainda estava por inventar o aerograma... e o SPM.

Estamos no cais de embarque, no cais de Alcântara, em Lisboa, em fevereiro de 1917... Os dois militares estão em vias de embarcar para França num vapor inglês, integrados no CEP (Corpo Expedicionário Português)...

E depois também não sabemos com que é que o militar escreve: lápis ou pena  de carvão, caneta de aparo (com bico de pato), caneta de tinta permanente ? A imagem não tem resolução suficiente para se poder tirar conclusões... Tanto pode ser um lápis (pelo comprimento e espessura) como uma caneta simples de aparo...

Com esferográfica, não é, seguramente; ainda não existia, só se iria vulgarizar nos anos 50, depois da II Guerra Mundial, "democratizando" a escrita. (Os mais de 500 ou 600 milhões de cartas e aerogramas que se escreveram ao longo da guerra colonial foram-no com a "Bic", a esferográfica por antonomásia).

Recorde-se que, tal como a nossa geração, os nossos camaradas do CEP (aqueles que tiveram a felicidade de andar na escola) aprenderam a escrever com giz (na ardósia e no quadro preto), com pena de carvão, e lápis e depois com caneta simples, de aparo, de ponta metálica, que se molhava no tinteiro, de porcelana, acoplado no respetivo orifício da carteira escolar...

E o segredo do artista era, então, "não borrar a escrita", isto é, o papel, uma infelicidade que custou a muitos de nós algumas dolorosas reguadas e ponteiradas, por parte do professor (e se calhar também muitos puxões de orelhas, por parte  das nossas mães,  por sujarmos a roupa com o raio da tinta azul real)...

A caneta de tinta permanente (com reservatório) era um luxo que o "papá rico" dava ao menino sortudo quando este era aprovado no exame de admissão ao liceu... Na I Grande Guerra só estaria ao alcance dos oficiais...

Em 1917, o soldado do CEP já se dava por contente se tivesse papel, tinteiro com tinta e caneta de aparo na sua trincheira na Flandres (mas, convenhamos, não era nada prático molhar o bico da caneta no raio do tinteiro ao som dos canhões)...

Bem, vamos lá fazer o "trabalho de casa"... "Bitaites" precisam-se para melhorar a legenda desta grande foto do Benoliel (mais uma, tirada à malta do CEP, e é pena que ele não fosse vivo no tempo em que a gente foi à "guerra do ultramar", partindo do Cais da Rocha Conde de Óbidos nos Niassas e nos Uíges; infelizmente, morreu trinta anos antes).

Em boa verdade, nós, antigos combatentes das "guerras de África"(1961/74), não tivemos os fotojornalistas (e muito menos os fotocines) que merecíamos...

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Parece ser um lápis de carvão.
Em 1957, quando comecei a trabalhar como paquete de escritório, havia a utilização desses lápis nas comunicações internas. Ainda não se usava a BIC e as canetas de tinta permanente só os chefes tinham e usavam em comunicações importantes.

Lembro-me na Escola Primária acontecer um misterioso desaparecimento de tinta das cópias.
As cópias eram feitas com as penas de aparo e utilizava-se a tinta do tinteiro da carteira.
Eu, utilizando um frasquinho do liquido das injecções, que já não tinha tampinha de borracha, que servia de apaga, com tinta do tinteiro da carteira e tapado com o papel espesso do mata- borrão, para fazer a cópia em casa.
Com o andar e saltar pelo caminho, o frasquinho inclinou-se e quando cheguei a casa para fazer a cópia a tinta tinha desaparecimento misteriosamente.
Vim depois a descobrir que a tinta tinha sido toda absorvida pelo tampinha em cartão de mata-borrão.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz