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terça-feira, 29 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26743: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (9): Messe de sargentos; O Correio; A Enfermagem; As Transmissões e A Ferrugem

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


26 - MESSE DE SARGENTOS DE NOVA SINTRA

Aquando da chegada a Nova Sintra, não havia messe. Os furriéis tomavam as refeições nos “refeitórios” dos vários abrigos existentes em redor do aquartelamento. Passados alguns meses foi construída uma, onde passamos a tomar todas as refeições. Servia também como local de confraternização, jogando as cartas (sueca, king e evidentemente a lerpa), bem como ouvir a rádio e a música revolucionária da época, num gira-discos oferecido, imagine-se, pelo Movimento Nacional Feminino. Numa das paredes foi pintada a triologia dos irmãos marreta, pelo furriel David Moreira, bom desenhador e pintor, numa alusão aos furriéis: Lima, Oliveira Miranda e Teixeira, que andavam sempre pegados, mas sem nunca deixarem de ser amigos. Ao jantar de determinado dia, por volta das 17h30, houve uma flagelação ao quartel. Estava eu sentado à mesa a comer e ao levar o garfo à boca, nesse instante o camarada do lado levantou-se para fugir, tocou-me no cotovelo e o garfo espetou-se-me no céu da boca. Resultado. Andei uns dias a sopa e a leite condensado.
O Furriel Miranda à porta messe
Dois dos irmãos metralha
Desenho/pintura David Moreira


27 - O CORREIO

No chamado”avião de sector” que passava por Nova Sintra ao domingo, para além de um ou outro passageiro, chegava também o correio, momento desejado e festejado por todos. Obviamente que no regresso a Bissau levava a correspondência escrita durante a semana, que era depositada no SPM e depois enviada para a Metrópole.

Marco do correio
Chegada da avioneta do correio
Aerograma


28 - A ENFERMAGEM

O Furriel Bettencourt, o nosso enfermeiro foi o médico que nunca tivemos. Responsável, competente e atencioso para com toda a gente, que cuidava com a sua paciência açoriana. A sua competência ficou totalmente demonstrada na escura madrugada do dia 11/07/69, quando em plena mata tratou dos ferimentos muito graves sofridos pelo Capitão Bernardo, aquando do rebentamento de uma mina anti-pessoal. Era dos poucos, talvez o único que todos os dias escrevia uma carta à sua namorada e aqui uma vez mais punha à prova a sua paciência.

Bornal de enfermeiro
A seringa
O milagroso comprimido LM


29 - AS TRANSMISSÕES

O Furriel Lima para além de ser um mano dos “irmãos metralha” era um exímio jogador da “lerpa” e sobretudo altamente competente no que a transmissões diz respeito. Jamais esquecerei a manhã do dia 04/08/69, em que eu fui ferido e da morte do Ventinhas, em que agarrado ao rádio insistentemente “berraba” solicitando a Tite uma evacuação. Indía 5 sierra zulu 9 mik chama, eram estes os códigos na altura e não haverá alzaimer que mos retire da memória. Foi num aparelho igual e este que no dia 30 de Setembro de 2019, ouvi a informação de que eu tinha ído para os anjinhos. Não foi referido o nome, mas sim o posto. É que o Lima no final de cada mês tinha de ouvir a Rádio Conackry e os comunicados do PAIGC, relativos às ocorrências verificadas na nossa região e referentes ao mês anterior. Ele sabia que as notícias difundidas por eles eram sempre aumentadas, Então ouvimos que no dia 4 de Agosto de 1969 a mina accionada provocara a morte de um soldado e de um furriel e feito alguns feridos.


30 - A FERRUGEM

A ferrugem era o nome dado à oficina de mecânica e de serralharia, gerida pelo Furriel Valente do Serviço de Material, que muitas das vezes recorria à imaginação, por falta de peças, para manter as viaturas a circular.
Parque de viaturas
O Valente só não conseguiu repar esta viatura que o estouvado condutor danificou
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Nota do editor

Último post da série de 22 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26714: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (8): O gerador; O bezerro; Os cães e a raiva; As botas trocadas; As abelhas e As rolas

2 comentários:

Eduardo Estrela disse...

O meu querido amigo Barriga que estou no Liceu João de Deus em Faro, enquanto eu fui aluno da escola industrial e comercial de faro, foi furriel mil na companhia de Nova Sintra. Estive com ele em Bolama por volta de setembro de 1969.
Nunca mais o vi desde então, apesar de sermos " mouros "
Abraço
Eduardo Estrela

Carlos Vinhal disse...

A pedido do nosso camarada Aníbal José da Silva, fica aqui a resposta ao amigo Eduardo Estrela:
Caro Eduardo. Pelos dados que referes parece não haver dúvidas de que se trata do saudoso amigo comum, de seu nome Fernando José Barriga Vieira. Digo saudoso, pois o Barriga Vieira faleceu no dia 5 de Julho de 2023, segundo informação da esposa, em resposta à convocatória para o convívio de 2024. O Barriga Vieira para além de um bom operacional, era também um bom caçador, bom de bola e um cara alegre, bem disposto e sociável. Um bom exemplo de um algarvio. Só fez oito meses de comissão, pois no dia 17 de Novembro de 1969 foi ferido com gravidade (fratura de várias vértebras e costelas) aquando do rebentamento de uma mina anticarro, que destruiu uma viatura Mercedes carregada com sacos de cimento, destinado a substituir os abrigos subterrâneos, construindo-os à superfície. Nessa tragédia faleceram dois soldados do seu pelotão e mais oito feridos. Depois de assistido e tratado no Hospital Militar de Bissau, foi transferido para Lisboa e depois passado à disponibilidade. Por vezes, quando ia passar férias ao Algarve, procurava-o para conviver, para um almoço e recordar o passado. Lembro que em 1975 na praia de Albufeira, ao longe, vi um grupo a bater bola sobre a areia molhada e pelo modo como tratava a menina ( a bola), idealizei logo que se se tratava do Barriga Vieira. Aproximei-me e era de facto. Seguiu-se o primeiro convívio a dois no pós guerra.
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Carlos Vinhal
Coeditor