sábado, 10 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5089: Notas de leitura (28): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outibro de 2009:

Malta,
Aqui temos um romance que vai estalar muitos corações.
É literatura de massas e para as massas, vai directo, sem ambiguidades ao grande público.
Passa-se em Angola, a estória podia ter-se passado na nossa Guiné. Fala da expiação, tem um falso morto e uma paixão que se reacendeu na hora própria.
Que querem mais?

Um abraço do
Mário


O amor antigamente, quando fomos à guerra (1)
Beja Santos

Júlio Magalhães é jornalista e repórter, estreou-se nas letras com “Os Retornados – Um amor nunca se esquece”, já em 13.ª edição. Apresenta-se como um jornalista que não ousa assumir-se como um escritor, cumpre a função de contar histórias. Se “Os Retornados” tem como palco o fim do Império, agora “Um amor em tempos de guerra” (Esfera dos Livros, 2009) leva-nos aos teatros de operações, aos que ficaram na retaguarda, procura-se recriar a atmosfera do início dos anos 60, a chamada década de ouro do desenvolvimento português, onde se amassaram o crescimento do turismo, o êxodo da emigração, a expansão industrial e o tumulto gerado pela guerra colonial.

É um romance que corre perigosamente na fronteira entre a simplicidade e a lamechice. Convence na sua tentativa de singeleza, da reconstituição de ambientes e mentalidades. Socorre-se de uma história plausível e até de vivências reais, diz o autor. Tudo começa em Santa Comba Dão, no Vimieiro, muito perto da casa de Salazar, é aqui que vive um jovem chamado António que tem 13 anos quando começa a guerra em Angola. Os seus pais são humildes, gente honrada e de hábitos conservadores. O jovem vive afeiçoado de Amélia, passaram a inocência da infância, agora têm uma afeição mútua, caminham para o enamoramento. Em 1963, José Ferreira, o pai de António, morre, António e a sua mãe (Maria das Dores) partem para a casa da avó, as dificuldades económicas aumentaram. António gosta de ser agricultor, vende os produtos da terra aos sábados no mercado de Santa Comba Dão. O relacionamento com a Amélia aprofunda-se, alguns jovens da aldeia partem para a tropa, embarcam para África.

Os anos passam, a guerra em África aumenta de intensidade. Na televisão, no Natal, aparecem jovens no programa Ao Serviço da Nação, são militares que enviam beijos para a família e dizem coisas como: “Até ao meu regresso”. Amélia faz o enxoval, na taberna fala-se cada vez mais na guerra, há quem diga que se for mobilizado foge para França. É na taberna que perora Osvaldo, que tem o seu derriço por Amélia.

Um dia chega uma carta do Ministério do Exército a mandar António apresentar-se em Chaves. É a primeira viagem de António, de Chaves ele escreve pela primeira vez à sua mãe e à sua noiva. Faz amizades com outros jovens do Algarve e do Alentejo, feita a recruta António parte para a Póvoa do Varzim. Os amigos de Chaves partem para a guerra e um dia, em Fevereiro de 1968, António sabe que está mobilizado para Angola. Mãe e namorada ficam no maior sofrimento. Em Alcântara, Maria das Dores e Amélia despedem-se de António que embarca no navio Niassa.

António deslumbra-se com Luanda, as mulheres de vestidos curtos e aquela movimentação totalmente inesperada de uma cidade viva, às cores. No seu correio, António reforça as juras de amor. Depois, parte para Quipedro, a leste de Nambuangongo. Vai ganhando a simpatia dos mais graduados à medida que a horta do quartel onde ele trabalha começa a dar grandes resultados. Amélia já é professora, tirara o magistério primário. Em Setembro desse ano, escreve a António a dizer que o Dr. Salazar, o vizinho do Vimieiro que mandava em Portugal, tivera uma hemorragia e já não governava. António faz novas amizades, um dos seus amigos é Joaquim Fortuna, funcionário dos correios em Bragança que tem a ambição de escrever um livro sobre a guerra que eles estão a viver. Num patrulhamento, encontram uma jovem muito bonita numa cubata, de nome Dulce, nunca mais a esquecerá. Ela é de São Salvador, onde mais tarde ele a irá reencontrar. De facto, logo que teve uma folga, António parte com Joaquim Fortuna para São Salvador onde conhecerá um fazendeiro, Carlos Freitas, são convidados para a sua plantação de café, será aqui que António reencontrará Dulce, enceta-se aqui uma paixão.

Toda a correspondência para a Beira Alta parece mudar de tom. António parte para a região dos Dembos, aqui o MPLA está actuante no Luso, os combates estão a ser duros. É neste Leste de Angola que o MPLA prepara uma cilada à companhia de que faz parte António, provoca muitas baixas, mas António é capturado, o seu corpo nunca é encontrado, é dado como desaparecido em combate ao serviço da Pátria.

Ao fim de dois meses, Maria das Dores e Amélia são informadas. Estas duas mulheres interrogam-se: desapareceu, desapareceu onde? E ninguém sabe? De facto, ninguém sabia. Uma urna vazia desceu à terra. Tempos depois, Joaquim Fortuna foi visitar Amélia, recordaram com saudade o desaparecido. Joaquim nunca falou em Dulce que recebera a notícia do desaparecimento de António com sofrimento indescritível: estava grávida quando ele desapareceu, nasceu depois um mulato a quem Dulce pôs o nome de António.

Um amor em tempos de guerra” tem, pois, todos os ingredientes para cativar a atenção dos veteranos de todas as frentes, aqueles que expiam saudades, que guardam memórias de outros amores difíceis e de dolorosas separações ou mesmo relações extravagantes ou contraditórias que, cá e lá, mudaram as suas vidas, às vezes para sempre.

(Continua)
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5057: Notas de leitura (27): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado Camarada Beja Santos,

Assim que acabar de ler "Os Retornados: Um Amor Nunca se Esquece", vou ler este novo livro do Júlio Magalhães. E digo isto porque eu sabia do primeiro livro do Júlio, mas não tinha lido.
Este ano, durante as férias, falou-se muito do Júlio, a propósito da TVI e quando eu disse que não tinha lido o livro, uma amiga, desceu a escada, foi ao carro, voltou com livro na mão, e disse:
- Agora, não tens desculpa. Já tens o livro.
Pois, estou a ler e estou quase a chegar ao fim.
E sendo assim, há uma boa razão para continuar a ler Júlio Magalhães, com "Um Amor em Tempos de Guerra".

Um Abraço

Manuel Amaro

Anónimo disse...

Apenas para alertar para uma incorreção no texto do Camarada Beja Santos, quando se descreve que o personagem foi para os Dembos e se fala que aqui o MPLA está actuante no Luso, dando a ideia que se tratam de locais geográficamente confinantes, o que não é verdade.
A região dos Dembos fica a Norte de Luanda, na pelo menos antigamente chamada zona do Cuanza-Norte, enquanto que o Luso, no Leste, aliás como se depreende do escrito.
Posso acrescentar que os Dembos constituia uma extense zona de mata onde se ergeu a 1ª Região politico-militar do MPLA e o Luso era uma cidade onde se situava o nosso quartel-general da Zona Militar Leste.
J.C.Branco