1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outibro de 2009:
Malta,
Aqui temos um romance que vai estalar muitos corações.
É literatura de massas e para as massas, vai directo, sem ambiguidades ao grande público.
Passa-se em Angola, a estória podia ter-se passado na nossa Guiné. Fala da expiação, tem um falso morto e uma paixão que se reacendeu na hora própria.
Que querem mais?
Um abraço do
Mário
O amor antigamente, quando fomos à guerra (1)
Beja Santos
Júlio Magalhães é jornalista e repórter, estreou-se nas letras com “Os Retornados – Um amor nunca se esquece”, já em 13.ª edição. Apresenta-se como um jornalista que não ousa assumir-se como um escritor, cumpre a função de contar histórias. Se “Os Retornados” tem como palco o fim do Império, agora “Um amor em tempos de guerra” (Esfera dos Livros, 2009) leva-nos aos teatros de operações, aos que ficaram na retaguarda, procura-se recriar a atmosfera do início dos anos 60, a chamada década de ouro do desenvolvimento português, onde se amassaram o crescimento do turismo, o êxodo da emigração, a expansão industrial e o tumulto gerado pela guerra colonial.
É um romance que corre perigosamente na fronteira entre a simplicidade e a lamechice. Convence na sua tentativa de singeleza, da reconstituição de ambientes e mentalidades. Socorre-se de uma história plausível e até de vivências reais, diz o autor. Tudo começa em Santa Comba Dão, no Vimieiro, muito perto da casa de Salazar, é aqui que vive um jovem chamado António que tem 13 anos quando começa a guerra em Angola. Os seus pais são humildes, gente honrada e de hábitos conservadores. O jovem vive afeiçoado de Amélia, passaram a inocência da infância, agora têm uma afeição mútua, caminham para o enamoramento. Em 1963, José Ferreira, o pai de António, morre, António e a sua mãe (Maria das Dores) partem para a casa da avó, as dificuldades económicas aumentaram. António gosta de ser agricultor, vende os produtos da terra aos sábados no mercado de Santa Comba Dão. O relacionamento com a Amélia aprofunda-se, alguns jovens da aldeia partem para a tropa, embarcam para África.
Os anos passam, a guerra em África aumenta de intensidade. Na televisão, no Natal, aparecem jovens no programa Ao Serviço da Nação, são militares que enviam beijos para a família e dizem coisas como: “Até ao meu regresso”. Amélia faz o enxoval, na taberna fala-se cada vez mais na guerra, há quem diga que se for mobilizado foge para França. É na taberna que perora Osvaldo, que tem o seu derriço por Amélia.
Um dia chega uma carta do Ministério do Exército a mandar António apresentar-se em Chaves. É a primeira viagem de António, de Chaves ele escreve pela primeira vez à sua mãe e à sua noiva. Faz amizades com outros jovens do Algarve e do Alentejo, feita a recruta António parte para a Póvoa do Varzim. Os amigos de Chaves partem para a guerra e um dia, em Fevereiro de 1968, António sabe que está mobilizado para Angola. Mãe e namorada ficam no maior sofrimento. Em Alcântara, Maria das Dores e Amélia despedem-se de António que embarca no navio Niassa.
António deslumbra-se com Luanda, as mulheres de vestidos curtos e aquela movimentação totalmente inesperada de uma cidade viva, às cores. No seu correio, António reforça as juras de amor. Depois, parte para Quipedro, a leste de Nambuangongo. Vai ganhando a simpatia dos mais graduados à medida que a horta do quartel onde ele trabalha começa a dar grandes resultados. Amélia já é professora, tirara o magistério primário. Em Setembro desse ano, escreve a António a dizer que o Dr. Salazar, o vizinho do Vimieiro que mandava em Portugal, tivera uma hemorragia e já não governava. António faz novas amizades, um dos seus amigos é Joaquim Fortuna, funcionário dos correios em Bragança que tem a ambição de escrever um livro sobre a guerra que eles estão a viver. Num patrulhamento, encontram uma jovem muito bonita numa cubata, de nome Dulce, nunca mais a esquecerá. Ela é de São Salvador, onde mais tarde ele a irá reencontrar. De facto, logo que teve uma folga, António parte com Joaquim Fortuna para São Salvador onde conhecerá um fazendeiro, Carlos Freitas, são convidados para a sua plantação de café, será aqui que António reencontrará Dulce, enceta-se aqui uma paixão.
Toda a correspondência para a Beira Alta parece mudar de tom. António parte para a região dos Dembos, aqui o MPLA está actuante no Luso, os combates estão a ser duros. É neste Leste de Angola que o MPLA prepara uma cilada à companhia de que faz parte António, provoca muitas baixas, mas António é capturado, o seu corpo nunca é encontrado, é dado como desaparecido em combate ao serviço da Pátria.
Ao fim de dois meses, Maria das Dores e Amélia são informadas. Estas duas mulheres interrogam-se: desapareceu, desapareceu onde? E ninguém sabe? De facto, ninguém sabia. Uma urna vazia desceu à terra. Tempos depois, Joaquim Fortuna foi visitar Amélia, recordaram com saudade o desaparecido. Joaquim nunca falou em Dulce que recebera a notícia do desaparecimento de António com sofrimento indescritível: estava grávida quando ele desapareceu, nasceu depois um mulato a quem Dulce pôs o nome de António.
“Um amor em tempos de guerra” tem, pois, todos os ingredientes para cativar a atenção dos veteranos de todas as frentes, aqueles que expiam saudades, que guardam memórias de outros amores difíceis e de dolorosas separações ou mesmo relações extravagantes ou contraditórias que, cá e lá, mudaram as suas vidas, às vezes para sempre.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5057: Notas de leitura (27): Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Obrigado Camarada Beja Santos,
Assim que acabar de ler "Os Retornados: Um Amor Nunca se Esquece", vou ler este novo livro do Júlio Magalhães. E digo isto porque eu sabia do primeiro livro do Júlio, mas não tinha lido.
Este ano, durante as férias, falou-se muito do Júlio, a propósito da TVI e quando eu disse que não tinha lido o livro, uma amiga, desceu a escada, foi ao carro, voltou com livro na mão, e disse:
- Agora, não tens desculpa. Já tens o livro.
Pois, estou a ler e estou quase a chegar ao fim.
E sendo assim, há uma boa razão para continuar a ler Júlio Magalhães, com "Um Amor em Tempos de Guerra".
Um Abraço
Manuel Amaro
Apenas para alertar para uma incorreção no texto do Camarada Beja Santos, quando se descreve que o personagem foi para os Dembos e se fala que aqui o MPLA está actuante no Luso, dando a ideia que se tratam de locais geográficamente confinantes, o que não é verdade.
A região dos Dembos fica a Norte de Luanda, na pelo menos antigamente chamada zona do Cuanza-Norte, enquanto que o Luso, no Leste, aliás como se depreende do escrito.
Posso acrescentar que os Dembos constituia uma extense zona de mata onde se ergeu a 1ª Região politico-militar do MPLA e o Luso era uma cidade onde se situava o nosso quartel-general da Zona Militar Leste.
J.C.Branco
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