segunda-feira, 4 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23140: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte II: Histórias pícaras: (i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão; (ii) Uma heli-evacuação e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota; (iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Guiné > Região de Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1964/66) > c. 1965 > A ganadaria da "companhia do quadrado"..

Fonte: Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira: "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)" (edição de autor, il.. Lisboa, 2017, 606 pp.). Com a devida vénia... (*)

1. Eis  algumas histórias,  já aqui contadas em 2009, pelo José Afonso (ex-fur mil, 3º Gr Comb, foto à esquerda), sobre o cap Salgueiro Maia e os demais bravos da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). (**)


(i) Os matraquilhos e a astúcia do capitão

 Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. 

Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão   [BCAÇ  2928] pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.


(ii) Uma heli-evacuação  e a enfermeira paraquedista que não queria levar o "passageiro" em pelota

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por via aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira que,  ao ver o soldado Santos sem roupa,  diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


(iii) As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião

Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão   [BCAÇ  2928]  está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

José Afonso (2009)

 (Continua)


[ Revisão / fixação de textos  e títulos, paar efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
__________

Notas do editor:

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Miguel e Giselda:

Vão gostar de ler esta história... Quem seria a enfermeira... "púdica" ? A história é verosímil ?.. Era uma questão de "pudor" ou de "segurança do doente" ?

Fiquem bem...com o netinho a crescer. Luís


PS - Miguel, tenho ideia que o Maia é do teu curso da AM, não ? Ou do nosso AMM ? Dou conhecimento, por mail, também à malta que passou por Bula e pela cavalaria, além das nossas queridas enfermeiras...com total liberdade para comentar ou contar novas histórias do nosso Maia e dos seus "atiradores de cavalaria"...(eles não tinham "panhards", os vizinhos
é que tinham).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Falsa questão: para a enfermeira, é um problema de "dignidade do doente", em primeiro lugar, e talvez também de segurança...

Anónimo disse...


Miguel Pessoa
4 abril 2022 21:15

Luís, acho que já respondeste à questão - é uma questão de proteger a dignidade do evacuado, ninguém gostaria de andar a ser passeado nu, aos olhos de toda a gente...

Lembro-me que a Zulmira também cobriu o cubano Peralta com o seu próprio blusão, dado que ele estava a tremer e era preciso manter o corpo a uma temperatura decente, portanto é uma questão de segurança do próprio evacuado.

E convenhamos que pruridos no meio da guerra deveria ser assunto que não devia preocupar as enfermeiras paraquedistas...

Abraço. Miguel

Anónimo disse...

Miguel Pessoa
4 abril 2022 21:18

Esqueci-me de confirmar que o Salgueiro Maia era do meu curso de entrada na Academia Militar - entrámos em Outubro de 1964.
Miguel

Valdemar Silva disse...

Os matraquilhos e a astúcia do capitão.
Então, 'um bom Fundo de Maneio' ou 'continuam ali a dar a receita pretendida' quer dizer que a rapaziada tinha de meter a moedinha para poder jogar?
Bom, sendo necessário meter uma moeda para jogar devia de haver grandes artimanhas para jogar de borla.
Em Canquelifá havia uma mesa de matraquilhos no meio da rua principal sem necessidade de moeda para jogar. Inesquecível, eu e o saudoso Aurélio Duarte, ambos com um grande bioxene, às tantas da noite, sozinhos, a jogarmos de joelhos para o 'campeonato às cegas', que acabou à batatada e com sorte minha que ao cairmos o Aurélio partiu um braço. Ainda me recordo no encontro anual da nossa CART11, em Mem Martins-Sintra 2017, ele me dizer 'Queiroz e daquela vez em Canquelifá que me aplicaste um golpe de judo e parti um braço'. O Aurélio já lá está à minha espera....

Abraço a saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Este é um daqueles erros que cometemos sem pensar: nu em pelota. A expressão em pelota, por si só, já quer dizer nu.

Quando a minha companhia se instalou em Zemba, no norte de Angola, no início da comissão, encontrou um matraquilho estragado. Um soldado mecânico chamado Mota, que tinha olho para o negócio, dispôs-se a reparar o matraquilho, sob a condição de o explorar a seguir. Convenceu o capitão, reparou o matraquilho e fartou-se de faturar... Em Zemba não havia nada para além do quartel e de uma sanzala com cerca de 100 habitantes: não havia loja, não havia "meninas", não havia nada que entretesse o pessoal, a não ser o matraquilho do Mota. Ficou com a alcunha de Matraquilho, pois claro.

Este mecânico era o mais pretendido para ir nas colunas auto, porque tinha uma capacidade de desenrascanço impressionante para resolver as avarias que ocorressem. Uma vez, partiu-se a mola do acelerador de um unimog e o Mota resolveu o problema substituindo a mola pelo elástico das suas próprias cuecas! E a viatura chegou ao destino sem mais problemas...

Fernando Ribeiro disse...

Agora errei eu: entretivesse e não entretesse.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando: é sem dúvida um pontapé na gramática: "nu em pelota" é um pleonasmo desnecessário... Se ainda fosse, "nu, em pelota"... Mas há quem use como "força de expressão"...

"Em pelota", na linguagem informal, quer dizer isso mesmo: Sem roupa (ex.: andar em pelota), equivalente a pêlo, em pelote, nu, como veio ao mundo...

Já corrigi... Obrigado. "Em bom português nos entendemos". LG

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Enfermeira púdica no desempenho das suas qualidades profissionais, não sei o que seja.
Um abraço,
JS