Segundo informação do seu amigo e camarada cor inf ref Arada Pinheiro (que me emprestou o seu exemplar autografado), o livro não está à venda em Portugal, foi impresso na Alemanha. Pelo menos um exemplar foi doado à biblioteca da Academia Militar.
Mas falando das "aventuras e desventuras" do cap Cristo, que vivia em Bedanda, nas barbas do "reino do Nino"... (Já no final da comissão irá conquistar e destruir Calobol Balanta, até então um dos baluartes da tropa do Nino: vd. "Reino do Nino", pp. 396-409).
O cap Cristo chegara a Bedanda, em rendição individual, em 6 de julho de 1965, e a sua primeira preocupação foi ganhar a confiança e o respeito dos seus subordinados bem como da população da localidade, que era sede de circunscrição administrativa (ou apenas posto administrativo ?), mas estava então rodeada de "guerrilheiros" por todos os lados (curiosamente nunca usa o termo, pejorativo, "turras", mesmo sendo inplacável para eles).
Parte da população sobre o controlo do PAIGC (nomeadamente as "mulheres do mato", que viviamm em Cobumba) vinham, em meados de 1965, a Bebanda fazer compras (cana e tabaco), e vender também os seus produtos (arroz, etc.).
Cabolol, Cobumba e Chugué, na margem norte do rio Cumbijã, eram alguns dos pontos fortes controlados pela guerrilha. Na margem sul, destacava-se Caboxanque (em pleno Cantanhez), Incala, Nhai e Salancaur... O aquartelamento das NT, mais próximo, era Cufar. Bedanda tinha um problema demográfico: havia mais homens do que mulheres. E, alegadamente por razões de segurança, ninguém cultivava a rica e extensa bolanha.
Uma das medidas que o capitão vai tomar, é.. a "reforma agrária" (pp. 85-92). As ricas bolanhas de Bedanda eram outrora cultivadas pelos balantas. Em 1965, a população era predominantemente fula, e não produzia nada para comer. Os homens viviam da guerra: eram guias, picadores, milícias...
As mulheres, por seu turno, eram lavadeiras, "lavadeiras para todo o serviço" (sic) (pág. 85): "Lavavam a roupa dos militares e iam para a cama com eles", coisa que o capitão até nem via com maus olhos: "Nada tinha contra o facto dos soldados terem a sua lavadeira para todo o serviço".
(...) "Os militares eram quase todos nativos, mas havia alguns brancos, cabos especialistas, e quase todos os sargentos. Brancos eram todos os oficiais. Todos tinham a sua lavadeira, Por vezes havia problemas com os militares e a população que o capitão tinha que resolver em ligação com o régulo Samba" (...).
Veremos oportunamente como o capitão, beirão e de origem camponesa, vai resolver o difícil problema de ter uma população sob o seu controlo que vivia pior (passava fome) do que a população do "mato"...
(...) "Do lado deles [da gente do mato] não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau. e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros" (pág. 87).
A solução encontrada pelo cap Cristo (de tipo "topdown", de cima para baixo, mas contando com a cumplicidade da Tia, das mulheres e do régulo, este último a princípio renitente) foi acabar com a "malandragem" que, em Bedanda, só vivia da guerra...e pôr toda a gente a lavrar arroz, mancarra, mandioca...
Os abastecimentos eram feitos por via fluvial, por barcos civis com apoio da marinha e da força aérea. Bedanda tinha dois portos fluviais, o "interior" (rio Ungarinol, afluente do rio Cumbijã, a 200 metros da povoaçao) e o "exterior" (rio Cumbijã), a cerca de 4 km. O abastecimento mensal, feito através do porto exterior, equivalia a uma verdadeira operação a nível de companhia. O porto interior deixara, há muito, de ser utilizado por razões de segurança, e oposição da Marinha. O cap Cristo vai quebrar, por fim, o mito de que não era navegável o rio Ungarrional ("A Marinha reabastece Bedanda", pp. 93-103).
O livro tem apontamentos saborosíssimos (e de interesse documental) sobre a situação étnica, social, económica e militar de Bedanda, bem como sobre as tropas (uma companhia e um pelotão de milícia, para além de um pelotão de artilharia) que defendem a povoação, outrora parte do chão balanta, Em 1965, a maioria da população era fula, oriunda de várias partes da Guiné, e "principalmente da mata do Cantanhez onde o domínio dos guerrilheiros tem sido evidente" (sic) (pág. 17).
Samba Baldé, o régulo, ele próprio fugiu do Cantanhez, "deixando terras, gado e casa, para não ser obrigado a colaborar com os guerrilheiros". Bedanda tinha, nessa altura, 4 casas comerciais, sendo as duas mais importantes a Ultramarina e a Gouveia, A Ultramarina tinha à sua frente o Zé Saldanha, "um mulato muito inteligente", e que se dava bem com a tropa. A mulher, Inácia, balanta, era uma excelente cozinheira, a cujos serviços o cap Cristo irá recorrer várias vezes (nos seus dois anos passados em Bedanda).
O encarregado da Casa Gouveia, por sua vez, era "um cabo-verdiano mal encarado", de seu nome Fernandes. com fama de jogar com pau de dois bicos (de resto, como quase todos os comerciantes da Guiné)... A sua secretária também era a telefonista: havia um posto de rádio permitindo fazer ligações a Bissau e a Lisboa.
O cap Cristo teve a preocupação de, logo no início, e ainda na presença do anterior comandante que ele veio substituir, o cap Xáxa, de ir "partir mantenhas" (apresentar cumprimentos) com todas as forças vivas de Bedanda, incluindo a "mulher grande", conhecida por a "Tia" (pág. 19).
Merece uma página de antologia a sua apresentação e as primeiras "trocas de galhardetes" entre os dois... Veja-se só este diálogo, delicioso e pícaro, em português acrioulado, entre a Tia e o cap maçarico (ainda não se usava o termo periquito) (pág. 19):
− Então, nosso capitão é maçarico. Eu já gosto do nosso capitão maçarico. Se precisar de alguma coisa pede à Tia. Tia arranja tudo para nosso capitão. Se nosso capitão gostar de alguma mulher da tabanca não fale com ela pois o marido e o pai pdoem desconfiar. Fale comigo e eu depois trago mulher a minha casa para nosso capitão.
− Está bem, Tia, mas desconfio que não vai ser preciso − responde o capitão Cristo.
− Vai, vai, nosso capitão não tem mulher e não pode viver aqui sem sem mulher. Homem gosta de ter mulher na cama quando vem da guerra. Nosso capitão vem até minha casa. Se quiser mulher eu arranjo, se não quiser fica aqui a descansar" (...)
(Continua)
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