quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...


Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."

O Jorge Cabral  (1944-2021) foi af mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71). Tem 253 referências no nosso blogue. Era (é) um histórico: ingressou na Tabanca Grande em 21 de dezembro de 2005.

Cartaz da conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar". Lisboa, Centro de Formação do Hospital dos Capuchos,  17 de Maio de 2006, 16h00.

Foto: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...) 

[O Fórum de Santo António dos Capuchos era, na altura,  uma iniciativa de profissionais de Serviço Social, organizada pelo Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), pelo Serviço Social dos Hospitais dos Capuchos, Desterro, Miguel Bombarda, Liga dos Amigos e Utentes do Hospital dos Capuchos (LAU) e do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona.] 

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs Jorge Cabral, Alfredo Henriquez e Cristina Carvajal Isabel (assistente social colombiana, com vasta experiência em trabalho social na América Latina e Europa)

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs. Jorge Cabral (docente da Universidade Lusófona, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da Infância, direito penal, escritor, ex-combatente da guerra colonial na Guiné) e o Alfredo Henriquez (presidente do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social), que presidiu à conferência. (*)

Fotos: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...).

1. Há muito que ando para citar e divulgar este livrinho do nosso sempre chorado e lembrado "alfero Cabral", o  Jorge Cabral (1944-2021). Redescobri-o há tempos na minha biblioteca. Já não recordo, com precisão, em que cirunstâncias é que o autor me ofereceu um exemplar autografado das suas "Histórias de um Professor de Direito"... 

Conhecidos da Guiné, de Bambadinca, do período de 1969/71, reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue (e depois nos encontros anuais da Tabanca Grande) mas também no Instituto Superior de Serviço Social e ainda na Universidade Lusófona. Participámos em algumas iniciativas como, por exemplo, na Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Lisboa, Hospital dos Capuchos, 17 de maio de 2006).

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica uma das provas a que ele submeteu os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, na avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores. Reconhecemos, nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito" a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violência...

2. Comecemos com alguns excertos do prefácio dos editores. 

(...) A presente obra, "Histórias de um professor de direito".  traz-nos o testemunho brilhante de um docente que ao longo de anos, e de forma pioneira, tem vindo a reflectir sobre a problemática  humana que o Direito te,m tem vindo a classificar  como uma disciplina autónoma: o Direito de Menores e da Família. 

"O Doutor Jorge Cabral terá sido um dos primeiros docentes a introduzir, na década dos anos 70, esta disciplina no programas do ensino superior, através das suas aulas no Instituto Superior de Serviço Social. O seu estilo irreverente e profano, já evidenciado noutras obras e nas inúmeras conferências, revela,  na sua ousadia, este conhecimento profundo da cotidianeidade dos seres humanos mais vulnerabilizados e excluídos,Das cerca de histórias das cerca de 30 histórias.ades e excluídos com as quais ele tem assumido carinhosamente ao longo dos anos o seu compromisso profissional na defesa dos seus direitos". (...) 

Dr. Alfredo Henriques C

(...) Foi com enorme prazer que (re)li as 'estórias' que agora se publicam, fazendo-me voltar atrás mais de 10 anos e recordar as aulas do Professor Jorge Cabral. Fizeram despertar em mim afectos que foram verdadeiramente marcantes, reconhecendo, sem margem de dúvida,  que os seus ensinamentos foram dos mais ricos,  invulgares e eficazes na minha formaçöão. 

Dr. Maria André Farinha, direção da APSS [Associação dce Profissionais de Serviço Social]    .

As histórias aqui reunidas neste livrinho são 35, ao todo. Estão classificadas, de acordo com o índice, em três capítulos ou partes:

I... Do Casamento. Amam-se- Desamam-se. Enganam-se. Desenganam-se.   [Ao todo, são 15 . ] 

II... Da Filiação. As mães são. Os pais talvez. [Ao todo, são 16.   ] 

III... Dos Filhos.  Nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras.... [As restantes quatro  ] 


Histórias de um Pofessor de Direito: "25. No Regimento de Cavalaria" (pp. 54/56) 

por Jorge Cabral

Passa das oito da noite. Estou no escritório ainda. Preciso de escrever uma contestação para amanhã sem falta. Tocam à campainha, cinco toques. Quem será? Penso não abrir a porta. Fngir que não estou. É algum chato a fazer uma pergunta. Abro, não abro. Hesito, mas abro a porta. 

Entram. Tresandam a um perfume intenso daqueles que permanece e agoniam.  Ele baixo, entroncado, um bigode fininho, para o moreno, traz uma penso na testa. Ela usa uma saia de criança que só lhe tapa três quartos das coxas e na testa uma fita que não segura cabelo nenhum. Irá jogar ténis ? 

Pergunto-lhe os nomes e finjo tomar nota. Marieta e José. Casados um com o outro. Dois filhos pequeninos. 

 −Então o que o traz por cá?   − interrogo com  simpatia, enquanto os observo. Não respondem. Insisto. 

 − Alguma herança ?  Acidente ?  Uma ação de despejo ?  Problemas de droga ?

 Começam a falar ao mesmo tempo. Brigaram. Odeiam-se. Ela anda na vida e ele vive à custa dela. 

 − Falo eu que sou homem  − diz José.

  −Isso é que era bom    − grita Maria. 

 − Falam os dois  mas um de cada vez   −  interrompo.  O senhor vai ali para o lado.  Já o chamo. 

Ele foi de má vontade. Ea fica e começa:

 − Vou começar pelo princípio e contar tudo, que isto de advogados é como os padres. Há dez anos, inha eu dezassete,. vim servir para Lisboa em casa de um coronel. Chamava-se Alvarenga e tinha uma mulher chata. A Dona Lúcia.  A casa deles era dentro do quartel, o Regimento de Cavalaria 4, na Rua das Almas. O Doutor está a ver,  uma rapariga nova no meio de tantos homens. O primeiro foi o sargento, depois o furriel. Mas nunca foram tantos como por lá constava.  A fama tive. Sabe como é que é. José era ordenança do coronel. E que diferente ele era.  Tímido, envergonhado, sempre com medo de tudo e de todos. Fui eu que o cobicei,  quasi que o obriguei. Ele saiu da tropa em fevereiro de 83 e  nós casámos no 25 de Abril do mesmo ano, seis  meses antes do nascimento do Joca o meu filho mais velho.  José ganhava pouco, bebia, começou a acompanhar com vadios e galdérios. Tinha o Joca dois meses, pôs-me na rua. Eu que ganhasse algum. A princípio custou-me. Depois fiz de conta. José deixou de trabalhar. Saca-me a massa toda. Trata mal os putos e o Zeca tem só dezasseis meses. Estou farta, farta. Quero ir para o Algarve. Ganha-se lá muito mais. Conheço uma senhora que fica com os miúdos. Diz que os vai adotar. É mulher de um engenheiro, já pssou os qquarenta e  não pode ter filhos. Quero o divórcio e  rápido. Tudo legal. Eu não quero problemas. 

 − Pode sair agora. Entre ,  senhor José. 

Ele entrou irritado. 

 − Não sei o que ela disse, mas é tudo mentira. Para já não assim nenhum divórcio. Ela dava-me tudo. Fiz dela uma senhora. Quando a conheci, era uma sopeira.  Se me chateia muito,  tiro o nome aos miúdos. Eu sei lá se são meus filhos Antes de casar, andou com meio regimento. E depois é o que se vê. Diga lá o Doutor se  não tenho razão. Posso deixar de ser pai, não posso ? Diz que vai dar os putos. E se Eu não deixar ? Eu até lhes possa tirar. É verdade ou não é? Provo que ela anda na vida, e pronto. Se ela for para o Algarve, vou lá e arrebento-lhe  as ventas. Tenho esse direito. Pois, não sou o marido ?. 

Chame os dois. Informo-os  que vou estudar o assunto. Marco uma entrevista para daqui a oito dias. Despedem-se. Esquecem-se de pagar. 

Está visto que não poderei ser advogado  dos dois. Mas vocês podem.  E é o que vão fazer. Vão apreciar as razões de cada um e tentar encontrar as soluções jurídicas. 

PS  − Eles estiveram no meu escritório ontem, dia 5 de fevereiro de 1987 (**).

(Revisáo / fixação de texto: LG)

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Notas dos editor:

(*) Vd. poste de 10 de4 março de  2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

(**) A data é importante. A profunda revisão do nosso Código Civil (que a partir de 1978 passou a ajustar-ser à nova Constituição da República Portuesa, de 1976) trouxe grandes alterações nas áreas do direioto da família e dos menores (Vd.  Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro. Entrou em vigor  a partir de 1 de abril de 1978.)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tristeza, "alfero Cabral", nem um único comentário ao teu "amoroso" livrinho!...

Como é que tu estás ? "Minimamente confortável" no pedacinho de universo que te coube em sorte, "post-mortem", "lá na tua estrelinha" ? É para onde vão as "alminhas" (como tu gostavas de chamar às tuas alunas) que desaparecem, e que nós amamos, como eu explico à minha neta que tem pouco mais de 4 anos... E o teu neto, "tens falado com ele" ?... Mantenhas, saudades das bajudas de Fá Mandingas, Fá Balanta, Missirá, Bambadinca e Bafatá...