José Policarpo (1936-2014). Foto: Cortesia do sítio do Patriarcado de Lisboa, |
Morreu ontem aos 78 anos, na sequência de um crise cardíaca... Morreu no combate pela vida, em plena intervenção cirúrgica, no bloco operatório de um hospital particular. (Ter-se-ia salvo se tivesse sido encaminhado para um hospital público? É possível.) O governo decretou hoje dia de luto nacional.
Não nos cabe, a nós, aqui neste blogue de ex-combatentes da guerra colonial, fazer a evocação da sua figura como cidadão, como intelectual e como homem de Igreja. E, muito menos, especular sobre o seu lugar na história da igreja e do nosso país. Na morte, há grande tendência, neste país, para o unanimismo. Não queremos cair aqui nessa pecha nacional.
Se lembramos aqui a sua memória, é também pelo facto de ter tido, numa família numerosa de 8 irmãos, do oeste estremenho (Caldas da Rainha), pelo menos 2 irmãos combatentes na guerra colonial:
(i) a Maria do Céu Policarpo [, foto à direita, Tancos, 1961], a irmã mais nova, uma das corajosas e pioneiras 42 enfermeiras paraquedistas que serviram no ultramar, e que fez parte do 1.º curso (ao lado de mais 5 Marias), tendo obtido o seu brevet justamente no ano em que o mano José era ordenado sacerdote (1961);
(ii) o Fernando Policarpo, o mais novo dos irmãos (n. 1951), ex-Alf Mil pertencente a uma das subunidades do BCAÇ 4514/72 (1973/74), que passou por Nova Lamego, Guidaje, Cuntima e região de Tombali, Cantanhez - Cadique, Cafine e Jemberém-, onde foi gravemente ferido em combate; é hoje Coronel, DFA, é escritor e professor do Colégio Militar (desde 1989), historiador, além de cofundador da Liga dos Amigos do Colégio Militar.
Aos dois, e demais família, aproveitamos para mandar, em nome pessoal e da Tabanca Grande, um grande abraço solidário na dor pela perda do mano mais velho, que também fazia parte da nossa família alargada, já que “pais, irmãos e filhos dos nossos camaradas, nossos pais, irmãos e filhos são”... (Sejam eles cidadãos anónimos, sejam eles personalidades destacadas da via portuguesa).
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Sobre o Fernando Policarpo (bem como sobre sobre a irmã Maria do Céu Policarpo), temos várias referências no blogue.
O Fernando Policarpo [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Liga dos Amigos do Colégio Militar], que se licenciou e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi também cofundador, em 1985, do Centro de Estudos de História Militar.
Entre outras obras, é autor de Guerras de África: Guiné (1963/-1974). Matosinhos: QuidNovi. 2006. (Academia Portuguesa de História: Batalhas da História de Portugal, 21), livro de síntese de que já aqui, no nosso blogue, foram feitas as devidas recensões pelos nossos camaradas Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos.
Tancos, 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: (i) Maria do Céu Policarpo; (ii) Maria Ivone; (iii) Maria de Lurdes; (iv) Maria Zulmira; (v) Maria Arminda; e (vi) o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois (Legenda: Rosa Serra).
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Foto: Maria Arminda / Rosa Serra (2011). Todos os direitos reservados.
2. Evocamos o nome, a figura e a memória de José Policarpo também por respeito à comunidade eclesial católica, a que pertencerão muitos dos membros da Tabanca Grande. Somos, histórica e sociologicamente falando, um país católico. Pela minha parte, associo-o sobretudo a uma Igreja mais arejada, tolerante, plural e moderna, a do pós Vaticano II, que soube, com ele e com o seu antecessor, António Ribeiro, fazer a reconciliação entre os portugueses, os católicos, praticantes e não praticantes, e os não católicos.
Não sei o que ele, enquanto padre, pensava sobre a guerra colonial, nem sei se tinha (ou teve) alguma posição, pública, sobre este assunto relevante para todos nós (Igreja, povo de Portugal, povo das colónias...), na altura em que por lá andámos, nós e os seus irmãos, na Índia, em Angola, na Guiné e em Moçambique. Nem isso, para já nos interessa. É possível que não, que nunca se tenha pronunciado sobre a guerra (que corria o risco de se eternizar). até por que passou alguns anos em Itália, onde se licenciou, em 1968, em Teologia.
Recorde-se que José Policarpo foi nomeado bispo já depois do 25 de abril, em 1978, tendo sucedido a António Ribeiro, como 16.º Cardeal Patriarca de Lisboa, em 1998. Antes tinha sido professor (1971-1986) e Reitor da Universidade Católica Portuguesa (1988-1992). Foi igualmente Reitor do Seminário dos Olivais (1970-1997). Nomeado Cardeal em 2001, participou no Conclave de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI e depois no Conclave de 2013, que elegeu Jorge Bergoglio como Papa Francisco.
Dizem os seus biógrafos que foi (i): protagonista da renovação cultural da Igreja Católica em Portugal; (ii) é autor de teve cerca de cinquenta obras publicadas; (iii) era sócio honorário da Academia das Ciências de Lisboa; e (iv) académico de mérito da Academia Portuguesa de História.
Pessoalmente, devo dizer que mal o conheci... Há uma coisa, no entanto, que me intriga, e sobre a qual gostaria de poder um dia fazer um estudo: muitos dos oficiais e sargentos milicianos na guerra colonial foram ex-seminaristas, com uma preparação física, moral, humana, intelectual e cultural acima da média da sua geração... Não temos números, mas em todas as unidades e subunidades havia ex-seminaristas...
O(s) seminário(s) foi(foram) também uma grande fábrica de soldados... A Igreja nunca se pronunciou sobre isto, que eu saiba... Temos no blogue camaradas que passaram por lá...
O funeral de José Policarpo (1936-2014) é hoje, às 16h00, na Sé Patriarcal de Lisboa. Os seus restos mortais vão repousar no Panteão dos Patriarcas, em São Vicente de Fora. Que descanse em paz, com Deus e com os homens. (LG)
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Nota do editor:
Último poste da série > 6 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Victor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...
2 comentários:
Ouvi o Fernando, esta tarde, a falar para a reportagem da RTP, com serenidade e verdadeiro amor fraternal, do mano mais velho, agora desaparecido…
Como eles eram tão parecidos, fisicamente falando, o tom de voz, o discurso límpido e pausado… Já me tinha apercebido disso, quando conheci ocasionalmente o Fernando, há dois ou três anos atrás, num almoço de convívio, em Ribamar, Lourinhã…
Segundo o mano mais novo, o José era um “irmão doce”, sempre “atento e disponível”, que “sabia ouvir”, e que estava “sempre pronto a ajudar”… Era, além disso, o traço de união da família, que se reunia regularmente na casa do Pego, Alvorninho, Caldas da Raínha... A última vez fora, ainda há pouco tempo, por ocasião do 78º aniversário do José, o único irmão que tinha direito a Dom, no tratamento social, por ser um representante de Cristo na terra (leia-se: bispo, desde 1978)… E agora, com a a morte do 16º patriarca de Lisboa, o privilégio (…olímpico) de ser inumado no panteão dos patriarcas…
E a propósito deixem-me acrescentar que me desgosta o espetáculo indecoroso da exposição pública da morte dos “grandes deste mundo”, sejam eles papas, patriarcas, artistas, políticos ou futebolistas… O que leva os vivos (e sobretudo os poderosos) a apropriaram-se do “corpo (e da alma) do defunto” e a montarem (e a usufruírem de) o espetáculo da morte, para mais em direto na TV ? …
O pobre do defunto já não está cá para estrebuchar, contestar, indignar-se, revoltar-se, defender-se contra a apropriação indevida do seu corpo e da sua alma… Não creio que um homem altamente inteligente, culto e, dizem, distante do poder (político) como era o José Policarpo aprovasse esta “mise en scène”… Até os elefantes se afastam da manada para morrer em paz e solidão…
Ora, se repararem, estavam lá todos os representantes dos partidos do “arco do poder”, na Sé de Lisboa… E o senhor Dom Clemente, que ainda não é cardeal, mas já é o 17º patriarca de Lisboa, agradeceu, naturalmente, como mandam as boas regras, a presença de tantas ilustres personalidades na hora da despedida, para sempre, do seu antecessor…
Depois de todo este ruído mediático, Requiescat in Pace, José!
Jorge Pinto
14 mar 2014 21:32
Amigo, Luís
Soube ontem que D. José Policarpo tinha falecido. Enviei condolências ao seu irmão Fernando Policarpo de quem sou amigo.
(...) O juízo que faço da pessoa de D. José Policarpo é pouco fundamentado, como podes calcular. Para mim foi um Homem do povo que decidiu de uma forma racional, generosa e muito humana servir a humanidade do seu tempo, com os valores associados ao cristianismo.
Pelo que fui observando ao longo do seu percurso como cardeal patriarca acho que ele era intrinsecamente um homem do nosso tempo, pensador realista que se preocupava mais em "trazer" as pessoas à "TERRA" do que "levá-las ao céu". Para ele a VERDADE era uma busca em continuo aperfeiçoamento, Sabia, como ninguém, sintetizar a intelectualidade clássica de uma forma abrangente com o "saber" da aldeia que o viu nascer.
Recebe o meu alfabravo e votos de um bom fim de semana
Jorge Pinto
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