segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)


Guião do BCAÇ 2835 (Bissau e Nova Lamego, 1968/69): Mobilizado pelo RI 15, partiu para o TO da  Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau e Nova Lamego. Comandantes: ten cor inf Esteves Correia, maj inf Cristiano Henrique da Silveira e Lorena, e ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos. Subunidades de quadrícula: CCAÇ 2315 (Binar, Bissau, Mansoa, Mansabá, Mansoa, Nova Lamego, Dara, Madina Mandinga); CCAÇ 2316 (Bissau, Bula, Mejo, Guilejem, Gadamael, Bissau); e CCAÇ 2317 (Bissau, Bula, Mansabá, Guileje, Gandembel, Bula, Nova Lamego).


1. Comentário do nosso leitor e camarada Fernando de Sousa Ribeiro (*)

Chamo-me Fernando de Sousa Ribeiro e fui alferes miliciano em Angola, integrado na CCaç 3535, do BCaç 3880, entre 1972 e 1974 (**).

O primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão teve foi o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, mais conhecido por capitão Castel-Branco. Em comissão anterior, este capitão esteve na Guiné, onde comandou a CCaç 2316, do BCaç 2835, em Guileje.

A sua passagem por Guileje deixou-lhe profundas marcas psicológicas, que lhe afetaram de forma claramente visível o seu espírito. A sua posterior estadia no meu batalhão em Zemba, Angola, não melhorou em nada o seu estado mental e, ao fim de menos de um ano de comissão, veio evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal, como maníaco-depressivo.

Nunca, repito nunca, ouvi o capitão Castel-Branco fazer qualquer referência a Guileje e à sua experiência pessoal lá. Ele falava da Guiné em geral, contava casos passados em Bissau e noutros lados, mas a palavra "Guileje" nunca saiu da sua boca. Nunca. 

Talvez o facto de ele se ter sentido incapaz de "deitar cá para fora" as suas recordações e os seus sentimentos em relação a Guileje tenha contribuído de forma determinante para a sua degradação psicológica. De resto, tirando o seu estado de espírito alterado, o capitão Castel-Branco foi um oficial de operações muito competente e que deixou boas recordações em quem com ele conviveu em Angola.

Antes de Angola e da Guiné, o capitão Castel-Branco esteve na Índia como alferes ou tenente, encontrando-se em Goa quando se deu a invasão pela União Indiana. Foi prisioneiro de guerra. Enfim, como se costuma dizer, «a sua vida dava um filme».

O capitão Castel-Branco nunca falava de Guileje, mas falava, e muito, de Goa e da sua situação como prisioneiro na Índia. Para começar, ele aprovava a atitude do general Vassalo e Silva, que lhe salvou a vida. O que ele não aprovava, mas compreendia, foi a forma desordenada como se deu a rendição. Segundo o Castelo Branco, os militares portugueses puseram-se em fuga diante do inimigo, em vez de se entregarem, e só a contenção e disciplina das Forças Armadas Indianas impediu que muitos deles fossem mortos. Contou ele que foi uma situação deste tipo: «Onde estão os indianos, estão ali? Então fujo para acolá».

Em resultado de tudo o que viu e viveu, o capitão Castelo Branco ficou a admirar profundamente as Forças Armadas Indianas, cujo aprumo, disciplina e cavalheirismo terão sido irrepreensíveis. Segundo ele, a população civil goesa foi tratada com toda a deferência e os prisioneiros de guerra foram tratados no mais estrito cumprimento das convenções internacionais. Ele mesmo foi tratado como um oficial e não como um prisioneiro. Disse o Castelo Branco que quase a única diferença entre ele e um oficial indiano da mesma patente,  era que ele não podia comandar tropas e não podia voltar para casa. As saudades da família e a incerteza sobre a sua libertação é que foram o que mais lhe custou a suportar.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro


2. Há um primeiro comentário do Fernando de Sousa Ribeiro, sobre o cap Castel-Branco Ferreira, com data de 27/7/2018 (**)

Conheci em Angola o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, que terá rendido Joaquim Evónio de Vasconcelos no comando da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, em Guileje. O capitão Castelo Branco (como lhe chamávamos) foi o primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão (BCaç. 3880) teve em Zemba, no norte de Angola.

Logo desde o primeiro dia da comissão se notou que o capitão Castelo Branco "não batia bem da bola". «Ele esteve em Guileje, na Guiné», dizia-se. «Aquilo foi tão mau, que ele ficou maluco», acrescentava-se. E ninguém se atrevia a contrariar o Castelo Branco, não por receio do que ele pudesse fazer, mas por respeito por alguém que tinha comido o pão que o diabo amassou.

Como pessoa, o capitão Castelo Branco era bondoso e compreensivo, ou pelo menos assim parecia. Quando não se tem responsabilidades de comando de tropas, como ele não tinha, é relativamente fácil ser compreensivo. Não sei como ele se comportaria no comando de uma companhia.

Como militar, o capitão Castelo Branco deu provas de uma enorme competência. O maior êxito que o meu batalhão teve, e que valeu a promoção do comandante a coronel, deveu-se sobretudo à forma cuidada como o capitão Castelo Branco planeou uma determinada operação. Nessa operação, os guerrilheiros da FNLA foram completamente apanhados de surpresa, abandonaram uma vasta região e deixaram de exercer pressão militar sobre o distrito do Cuanza Norte.

À medida que o tempo foi passando, o estado de saúde mental do capitão Castelo Branco foi-se agravando cada vez mais. Ao fim de dez meses de comissão, mais ou menos, teve que ser evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal. Vi-o uma vez em meados dos anos 90 e pareceu-me estar com excelente aspeto. Faleceu por volta de 2014.

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, camarada Sousa Ribeiro, pelo depoimento... O nome do capitão António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira figura na lista dos ex-prisioneiros de guerra da Índia com direito a uma pensão, conforme despacho conjunto  dos ministros da defesa e das finanças.

Identifico igualmente o meu primo, de Ribamar, Lourinhã, Luís Filipe Maçarico... Não vejo o nome do general Vassalo e Silva, que nãio consta da lista pela simples razão de já ter morrido (em 1985).

Despacho conjunto 648/2004

A Lei 34/98, de 18 de Julho, regulamentada pelo Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, veio estabelecer um regime excepcional de apoio aos ex-prisioneiros de guerra, nomeadamente a atribuição de uma pensão.

Assim, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, e concluída que está a instrução dos processos pelo respectivo ramo das Forças Armadas, determina-se a concessão aos ex-prisioneiros de guerra constantes da lista anexa ao presente despacho, do qual faz parte integrante, a pensão a que se refere o artigo 4.º do referido decreto-lei.

O presente despacho produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2004.

15 de Outubro de 2004. - O Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Sacadura Cabral Portas. - O Ministro das Finanças e da Administração Pública, António José de Castro Bagão Félix.

ANEXO

(...) António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira

Caro Sousa Ribeiro, vejo que és leitor, mais ou menos assíduo do nosso blogue, e já não é o  primeiro contributo que dás para a partilha de memórias entre todos nós que fizemos a guerra do ultramar / guerra colonial (**).  O nosso blogue integra camaradas que passaram por outros teatros de operações, incluindo Angola. Não há fronteiras rígidas. Por razões de "mera economia de tempo e espaço", este blogue tem-se centrado na experiência operacional dos militares que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974. Mas temos falado também de outros territórios, incluindo Angola, Cabo Verde, Índia...

Obrigado por nos teres trazido notícias de um camarada da Guiné, o então cap inf Castel-Branco Ferreira que não conheci, e infelizmemte já falecido, como dizes, em 2014.  Deve ter-se reformado como coronel de infantaria. Conheci, isso sim, em 1969, o oficial que o foi substituir na CCAÇ 2316, o cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques, mas noutras funções, como instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga (Setor L1, Bambadinca),

Nessa medida venho-te convidar para te juntares à nossa "caserna virtual" onde cabe sempre mais um camarada e/ou amigo da Guiné. Somos 779 entre vivos e mortos. Tu poderás ser o 780 a sentares debaixo o nosso mágico e fraterno poilão...Só tens que mandar as duas fotos da praxe (uma atual e outra do tempo da tropa), mais o teu endereço de email. Um alfabravo. Luís Graça

4. Ficha de unidade: CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 

Foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael e Bissau. Teve 4 comandantes:

(i) cap inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos;

(ii) cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira; 

(iii) cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques;

 e (iv) cap cav José Maria Félix de Moraes.

O BCAÇ 2835 esteve em Bissau e Nova Lamego. Tinha como subunidades, além da CCAÇ 2316, a CCAÇ 2315 e a CCAÇ 2317.  Comandantes: ten cor inf Joaquim Esteves Correia; maj inf Cristinao Henrique da Silveira e Lorena; ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos.

Temos 14 referências à CCAÇ 2316 no nosso blogue, e 20 ao BCAÇ 2835.

______________

Notas do editor:


7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fico impressionado quando vejo uma companhia, que passou pelo TO da Guiné,e para mais pelo sul da Guiné, como é o caso da CCAÇ 2316, com 4 capitães do quadro: dois de infanfaria, um de artilharia e o último de cavalaria... Impressiona-me a dança dos comandantes operacionais, tal como me intriga a elevada taxa de "tournover" dos comanantes de batalhão...

Claro que isto pode ter várias leituras, e eu não quero fazer juizos de intenção... Houve um tremendo desgaste dos oficiais e sargentos do quadro... Eram profissionais de carreira ? eram, mas eram de "carne e osso" como qualquer um de nós...

As Forças Armadas (ou pelo menos o Exército) não estavam preparadas para lidar com estes casos...

Temos muito pudor em falar em situações em que os militares tiveram baixas... "psiquiátricas". Temos muita dificuldade em falar do sofrimento, da depressão, das crises psicóticas, dos distúrbios emocionais, do stresse pós-traumático, dos comportamentos de automutilação, parassuicídio, suicídio, homicídio, violência, "bullying", abuso do poder... Na tropa, na guerra, na escola, na família, no local de trabalho...

Obrigado ao Sousa Ribeiro por nos trazer, à montra do blogue, a história de vista deste camarada. Seria um pena os seus comentários ficarem "esquecidos" na respetivas caixas...

Carlos Vinhal disse...

Luís, a minha CART 2732 teve 6 capitães comandantes de Companhia. Se acrescentarmos o Alf Mil Manuel Casal que foi quem comandou a Companhia na deslocação do Funchal para a Guiné e depois da Guiné para Lisboa, no regresso, temos então sete. O mais curioso é que o primeiro comandante indigitado nem sequer chegou a embarcar connosco, como se depreende. Chegados a Mansabá, herdámos o comandante da CCAÇ 2403 que entretanto acabou a sua comissão e nos deixou. O terceiro foi evacuado por doença, o quarto idem aspas, o Cap Mil Jorge Picado (quinto) esteve connosco num dos intervalos em que o quarto esteve com baixa e o sexto esteve a comandar os últimos 6 meses, se não erro, ficando na Guiné quando nós regressámos.
Apesar de tudo fomos uma Companhia disciplinada e trabalhadora, mais graças às características dos bravos militares madeirenses do que às qualidades dos comandantes que nem chegavam a aquecer o lugar.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Antº Rosinha disse...

O melhor comandante que conheci nos meus trinta e tal meses de guerra e paz que tive em Angola, fardado de recruta, csm, cabo miliciano e furriel miliciano, foi um 1º cabo, durante uma operação que eu comandava como furriel.

Mas conheci outros 1ºs cabos que davam provas que podiam ser grandes comandantes, se as coisas apertassem.

Os comandantes serão como os poetas, não se fazem, nascem.

No meu caso, nem uma coisa nem outra.

Eu era um desastre, delegava sempre no cabo mais à mão que me aparecia.

Na minha guerra de 1961/2 em Angola, dificilmente se conseguia uma força de tropa de Angola, superior a secção.

Como tal, como furriel fui sempre comandante. (umas três operaçoes no mato)

Os capitães apenas me comandaram (e me puniram)em pleno quartel de Luanda RIL e no CSM em Nova Lisboa.

Mas sempre se falou em capitães talhados para aquilo, mas seriam tão poucos, que esses automaticamente se distinguiam.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos: isto dá pano para mangas!... (que era cois aque não faltava na Guiné: nem sei porqueé que a malta gostava de cortar as mangas dos camuflados, o que era uma "estupidez", se pensarmos que ficávamos mais vulneráveis à picada do mosquito "Anopheles gambiae s." que transmitia a malária / paludismo)...

Não queres fazer poste com estes e outros casos de companhias e batalhões que tiveram "manga de comandantes" ? Só precisas de arranjar dois ou três para exemplificar...

Este fenómeno de "turnover" (rotação) até faz lembrar as equipas de futebol profissional de hoje que estão a toda a hora "calçar os patins" aos trabalhadores... Ou então os "ministros" e "secretários de Estado" que entram e saiem por "erro de casting", por terem metido a mão na massa, por terem dormido com a secretária, por não zelarem pelo bem público, ou por terem sofrido um "ataque de nervos"...

É caso para dizer que em Mansabá eram mais os chefes que os índios... (Pode ser um título para o poste.)

Mas isto não é o Facebook,é um blogue sério, onde não se fala de política, futebol e religião...

Tem uma noite descansada... E amanhã dá-me uma resposta... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Havia em Portugal (e noutros países) famílias, com nomes mais ou menos sonantes, em que os segundos filhos seguiam a carreira das armas... Nomeadamente no norte, no MInho... A terra era para o morgado, a espada e a cruz para os segundos, terceiros, quartos, quintos filhos...

Enfim, para além dos comventos e mosteiros, depois apareceu a universidade de Coimbra (, só em 1911, é que surgem as niversidade do Porto e de Lisboa)... que sempre abria umas portas para o funcionalismo régio, a corte, a diplomacia, a admimnistração colonial... Mas era uma chatice tem que aprender o latim e o grego, estudar, cabular, fazer exames...

As vocações nem sempre batem certo com os genes e as tradições de família... Sabemos, da nossa história, que quem nasce num berço de oiro, pode não ter jeitinho nenhum para ser rei rei, general ou até bispo...

A monarquia absoluta, hereditária, tinha este problema... O que fazer com um herdeiro que é manifestamente um "atrasado mental" ? E tivemos alguns... E não poucos generais de opereta, à frente de brigadas do reumático...

Capitães do quadro, competentes e valentes, bons líderes, conheci alguns no TO da Guiné... Mas também conheci um ou outro que foi erro de "casting", e fraquejou logo ao primeiro embate... E oficiais milicianos, idem, aspas... E soldados do contingente geral que eram verdadeiros herdeiros das melhores qualidades do Zé do Telhado, o tal "Torre e Espada" que foi bandido...

Na guerra, os seres humanos revelam o melhor e o pior... E os povos também... E as elites também... Na I Guerra Mundial, para atenuar a humilhação e o desastre de La Lyz, tivemos que descobrir um "caga-tacos" com um 1,55 cm de altura, transmontano de Murça, analfabeto, que nos redimisse... E o soldado Milhais foi trasnformado em Herói,o soldado Milhões, o Milhais que valia Milhões, a quem a Nação condecorou com a Torre e Espada...

Anónimo disse...

Boa história assim contada a do soldado milhões, só que não há milhões nem milhares, talvez só um! o Milhais de Murça.

Sobre o tema proposto, já vai aqui um exemplo:
BATCAÇ1933:

1º Comandante: Tenente Coronel de Infantaria Armando Vasco de Campos Saraiva, ferido em combate, acabou evacuado em 20 de Novembro de 68, vai fazer 50 anos;
2º Comandante substituto: Major de Infantaria Américo Correia, que era o 2º comandante e assim ficou interino até inícios de 1969;
3º comandante: Tenente Coronel de Infantaria Renato Xavier, em 2 de Janeiro de 1969, depois promovido a Coronel (chamado de alcunha 'O Papaias').
Com quem eu tive aquela cena, quase parece uma ficção, da minha fuga de S. Domingos, em Fevereiro de 1969 (ainda não publicada).

Abraço, Virgilio



Unknown disse...

Ao contrário do que afirma no texto inicial, o agora senhor Coronel António Jacques Favre Castelo Branco Ferreira não morreu em 2014. Reside na Amadora (Buraca) e encontra-se de perfeita saúde.