segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21808: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (17): Batata raiz-de-cana com 'arraia' seca (Luís Graça)



Foto nº 1 > Lourinhã > 25 de janeiro de 2021 > Batata raiz-de-cana, feia, sem grande valor comercial,  insuscetível de "normalização", difícil de cascar, gastronomicamente valiosa, consistente, saborosa... Acompanhava tradicionalmente os pratos ligados à matança do porco e, claro, o peixe seco, que era o "governinho" dos povos ribeirinhos no inverno nas terras da Estremadura...



 Fpto nº 2 > Lourinhã > 20 de janeiro de 2021 > Batatada de peixe seco: batata raiz-de-cana, raia (ou "arraia") seca, ovo, grelhos,  azeite, vinagre e alho... [A receita original é só peixe seco, muito e variado (raia, sapata, safio, cação, etc.), batata, cortada ao meio, e cebola, muita, inteira...]


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 1. A ideia da criação da Confraria da Batata Raiz-de-Cana e a Confraria do Peixe Seco (ou da Batatada de Peixe Seco) já andavam no ar, antes da pandemia de Covid-19... 

 Uma e outra, juntas ou separadas,   a criarem-se, podem ter uma papel (pedagógico) na defesa e promoção de um produto gastronómico que continua a ser muito popular, tem tradição na Estremadura  (e nomeadamente em povoações ribeirinhas da Lourinhã como Ribamar, Porto Dinheiro, Ventosa, Marquiteira, Atalaia, etc.) e raízes fundas na nossa alimentação, cultura e convivialidade... 

Seria uma pena perder-se ou adulterar-se tanto esta variedade de batata (foto nº 1) como o peixe seco (foto nº 2). Fico impressionado com o número de "apreciadores" desta "iguaria" que dantes era dos "pobres"... 
 
Em 2011, um grupo de lourinhanenses da Marteleira (onde se inclui o nosso camarada Luís Mourato Oliveira, lisboeta, com raízes aqui na terra, e agora cá a viver, há pouco tempo)  já elaborou uns primeiros estatutos de uma Confraria Gastronómica da Batata Raiz de Cana e Peixe Seco. (*)

Há tempos, ainda antes deste segundo confinamento geral, o Luís teve a gentileza de nos oferecer dois ou três quilinhos da batata raiz-de-cana que, dizem por aqui,  deixou de se cultivar por falta de "valor comercial"... 

Creio que essa confraria não saiu do papel, se bem que o grupo da Marteleira continuasse a conviver, a juntar-se, etc., pelo menos até ao início desta maldita pandemia. E alguns cultivam a batata raiz-de-cana, tendo sido um deles a dispensar as batatas que chegaram a minha casa. Estou-lhe grato!

Há dias a "chef" Alice quis experimentar a batata raiz-de-cana, que se coze com a pele. Mais dura, leva mais tempo a cozer. Juntou-lhe duas boas postas de "arraia" seca, grelos e um ovo... 

Cinco estrelas!... Recomendo... É comidinha boa para aguentar o inverno e sobreviver ao confinamento (**)... 

Foi pena o Luís Mourato Oliveira, por causa do confinamento,  não se ter podido juntar a nós: a batatada de peixe seco comida à volta de uma mesa grande tem outro sabor,  o da fraternidade, o do companheirismo!...Mas oportunidades não faltarão, lá mais para a frente, se a gente escapar desta, como escapámos... da Guiné!
 
__________

Notas do editor:

(*( Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20022: Os nossos seres, saberes e lazeres (346): Viva a confraria da batatada de peixe seco (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 12 d dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21636: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (16): Repetindo o prato típico da terra fria transmontana, o "Butelo com casulas...anti-Covid-19", à moda da "Chef" Alice

5 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

E onde é que se podem comprar as tais batatas?
Se eu conseguir à Feira/mercado das Caldas da Rainha, posso adquirir?
E em Torres ou no Reguengo Grande?

Um Ab.
António J. P. Costa

Luís Mourato Oliveira disse...

Sobre a batata Raiz de Cana e das confrarias
Muito mais que um Blog de troca de experiências de quem esteve em missão na Guiné e nos outros cenários onde decorreu a guerra colonial, Tabanca Grande é um espaço de convívio, de encontro de amigos e camaradas e também daqueles que se interessam por um período negro da história onde as desavenças entre povos irmãos trouxeram todos os males que o uso das armas atinge os povos. Também a troca de informação de usos e costumes das diversas “tribos” que ali convivem vem enriquecer a informação e aproximar a diversidade.
Fiquei alegremente surpreendido por ter deparado hoje na Tabanca um belíssimo prato de batata Raiz de Cana acompanhado com indispensável peixe seco ao invés do que seria espectável, o caldo branco ou de mancarra, o sigá ou a “bianda” na sua expressão mais simples sempre disponível para a partilha dos nossos irmãos que se abeiram do balaio que serve de mesa a uma refeição de cantina.
A batata Raiz de Cana, não sei se é incorrecto dizer, faz parte dos usos e costumes da “tribo” do Oeste de Portugal, estou a falar no Concelho da Lourinhã. Tem este nome curioso porque é uma batata disforme tal como a raiz de uma cana. Não respeita as regras geométricas, ignora a estética, cresce desbravando a terra que a envolve mas sempre em convivência saudável com as suas irmãs, umas maiores outras menores e todas diferentes. É uma batata sem regras e tal como os seus consumidores é consistente, tem uma dureza natural e nem permite que a casquem. O seu paladar é único e sendo generosa alimentou muitas barrigas vazias frequentemente a dispensar o conduto.
Um grupo de amigos da Marteleira com reunião semanal confraternizando animadamente desde há décadas com jantar e sueca recreava muitas vezes o regresso, quase sempre a pé, das festas das aldeias vizinhas e porque a fome apertava e os corpos eram jovens, com uma panela de batata Raiz de Cana com chicharro sêco ou atum de barrica mesmo salgado, era o que houvesse, mas a batata estava sempre presente. Num desses animados jantares a que a pandemia impôs em dieta, alguém se lembrou de organizar uma confraria da batata Raiz de Cana para que não se permitisse a morte, por razões economicistas deste precioso tubérculo. A batata raiz de Cana não é esteticamente perfeita, nenhuma é igual a outra, tem mau feitio não se deixando cascar e como consequência em plena globalização, num mundo padronizado como não rende estava condenada à extinção. Fomos para a frente, criaram-se estatutos que obrigavam os confrades a semearem anualmente a tão excluída batata, a recrear além deste cerimonial outras tradições locais e a participar activamente na organização e participação das tradições locais impedido a sua morte como corria o risco a nossa preciosa batata.
Os jantares continuaram, os estatutos foram respeitosamente subscritos pelos confrades todos com origens, cultura, religião e estatuto social diferentes tal como a batata Raiz de Cana e a obrigação da sua sementeira é religiosamente respeitada pelo confrade Zé Tiago que todos os anos semeia, amanha, colhe e cuida com carinho no seu armazém.
Apesar da pandemia o Zé Tiago, cujo pai foi camarada do Tabanqueiro fundador Luis Graça no cumprimento do serviço militar em Cabo Verde, desafiou-me para uma “batatada” desta vez com atum de barrica como era tradição em Novembro. Generoso como é trouxe batata suficiente para várias refeições e parte destas foram parar às mãos, melhor, à cozinha da Alice que que as preparou à maneira com a “arraia” seca e que só a fotografia faz água na boca.
Aguardamos melhores dias com a certeza que nem o Covid 19 será capaz de acabar com a Raiz de Cana e com os seus apreciadores.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Luís, o teu poste é uma magnífica sobremesa para o prato que a Alice confeccionou e tu não provaste. Mas, como se diz, à volta a gente cá te espera.

O entusiasmo e a sensibilidade (como eu gosto de chamar,"sociocultural) com que falas deste binónimo Portugal - Guiné e do melhor que têm, que são as suas gentes, os portugueses e os guineenses, e mais concretamente da tua "tertúlia" da Marteleira, obrigam-me a transformar este "simples" comentário, num poste... O teu texto merece honras de montra principal... Amanhã ou depois, trato disso... Um alfabravo, cuida-te. Isto está bravo,por aqui, na nossa terra: há dias morreu um amigo nosso, de longa data... Foi ao Hospital de Torres Vedras, com uma pneumonia, e lerpou com a Covid-19...

Os tempos que correm obrigam-nos a dobrar as cautelas: como diz o povo, "a doença vem a cavalo... e vai a pé". E nestes primeiros dias de janeiro, já perdemos,a Tabanca Grande,um amigo guineense (o Leopoldo Amado) e um camarada (o J.Pardete Ferreiro), um e outro, suspeito que tenha sido de Covid-19.

PS - Hás de perguntar ao Zé Tiago se tem algumas fotos do pai em Cabo Verde...Ou alguns alguns ou apontamentos... É uma geração que se extinguiu, mas cuja memória temos que ser a recuperar e conservar.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé:

Na Praça da Fruta, nas Caldas da Rainha, parece que encontras... Lê aqui:

https://pracadafruta.pt/a-praca-da-fruta/


Na Praça da Lourinhã (mercado municipal) também é possível encontrar, por encomenda... Há vendedores que arranjam... Mas tem se pedir, com antecedência: hoje já não se vê, infelizmente, à venda das bancas, justamente porque é o "patinho feio" da família das solanáceas... (Nome científico da batata é justamente "Solanum tuberosum"... Da batata raiz-de-cana não sei qual o palavrão....)

Mas vou perguntar... Até pode ser que alguém traga a casa... Há lavradores que a cultivam só para autoconsumo... Mas o especialista da batata de raiz-de-cana é o nosso camarada Luís Mourato Oliveira...

Antonio Marreiros disse...

Ler estes comentários todos sobre batatas e peixe fez-me cescer água na boca...
Vai-se sempre aprendendo e como sou algarvio não conhecia esta variedade.
Ainda bem que vão semendo e propagando essa variedade que como não é "bonita" tem pouco valor comercial.
É o mal da sociedade moderna,não pode haver variantes nem diversidade.Felizmente por estas bandas vai havendo mais interesse na juventude em voltar às raízes e mais hortas particulares a propagar sementes não alteradas.
Um abraço e bom apetite!
Antonio Marreiros (Canada)