domingo, 3 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20935: Blogpoesia (675): "Figueira do diabo", "Horrorosa modernidade" e "Os nós e os laços", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana:


Figueira do diabo

Amarelecido por fora
Sedoso na pele, raiada.
Amarelecido ao sol.
Carnudo e sadio.

Crava-se-lhe o dente.
Um arrepio na espinha.
Amargo de enxofre.
O raio do figo.
Que o diabo pariu nas noites de inverno.
Faltou-lhe o mel da seara.
Impregnado de fel,
Afugenta o sedento e arrasa o faminto.
Donde veio a praga que nem falta fazia?
Só alegra e colora o caminho, parecendo bendito.
A garotada da escola, à falta de trapos,
Faz dele uma bola ou uma bala de fisga, conforme a guerra, enquanto dura e resiste.

Mafra, 2 de Maio de 2020
16h13m
Jlmg

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Horrorosa modernidade…

Ficaram ermas as terras.
Se ausentaram as gentes em hordas.
A fome.
A inclemente adversidade.
A metralha a toda a hora.
A esperança morreu.
Recomeçar.
Enquanto há tempo.
A única salvação.
Noutros quadrantes.
Arriscar a vida.
Vender as forças, pelo pão da sobrevivência e da segurança.
E nada seria preciso.
Houvesse justiça e solidariedade.
As leiras de terra seriam bastantes.
E as colheitas certas.
Sol e chuva à farta, na hora exacta.
Como só o sabe a Natureza.
Cada povo em sua terra.
Assim Ela o destinou.
Mas, a humanidade se encapelou.
Os poderosos de um lado.
Do outro, os escravizados.
Se abalançam aos mares e ao deserto.
Uns chegam. Muitos não.
Batem à porta das fronteiras.
Mais uma vez se divide o mundo.
E, ó vergonha!
Se erguem gettos.
Como se não fosse uma só a humanidade...

Mafra, 29 de Abril de 2020
17h45m
Jlmg

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Os nós e os laços

Há percalços na vida. Surpreendem incautos e atentos.
Há buracos no chão.
Há rochas tapadas nos caminhos de terra.
Esfacelam as polpas dos dedos dos pés.
Corre o sangue e empapa as meias.
Precisávamos de asas.
Pesam-nos as botas nas pernas.
Desenham pégadas no chão e na lama.
As chuvas de Outono rasgam os caminhos de sulcos.
Restam troços de areia seca ao sol.
Fazem de praia no rio.
Pendem das árvores os ramos com nós.
Ferradas ao chão brotam raízes dos tocos com nervos, com nós e com laços.

Mafra, 24 de Abril de 2020
1055m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20905: Blogpoesia (674): "Sobre o Vinte e Cinco de Abril", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

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