Guiné > Mansoa > BCAÇ 1912 (1967/68) > O capelão, Mário de Oliveira, alferes miliciano, entre soldados. Viria a receber ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.
Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)
Já aqui falámos de vários capelães militares: por exemplo, do Padre Libório, que passou por Nova Lamego e Canjadude, no tempo do José Martins (1); do major capelão Nazário, que o A. Marques Lopes conheceu, em Lisboa e em Geba (2); do Padre Poím, que era amigo do David Guimarães (3)... Também já aqui evocámos a curta e dramática experiência de capelão militar do Padre Mário de Oliveira, mais conhecido por Padre Mário da Lixa (4). Este último foi, dos poucos (onde se inclui o açoriano Poím) que entrou em rota de colisão com a dupla hierarquia da Cruz e da Espada...
Da sua página pessoal retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné. Espero que o Mário (que eu conhei, pela primeira vez, no dia do meu casamento civil, em Candoz, Paredes de Viadores, no dia 7 de Agosto de 1976) me perdoe este abuso e que venha a aceitar o meu convite para integrar esta tertúlia de amigos e camaradas da Guiné:
(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;
(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que subsitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...
(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;
(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)"... Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;
(v) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no Batalhão 1912, com sede em Mansoa;
(vi) "Março 1968: foi expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência, e regressou à sua Diocese, rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável " (2).
(vii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);
(viii) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;
(ix) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;
(x) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;
(xi) Em Março de 1971 sái da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;
(xxii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";
(xxiii) Em 1975 torna-se jornalista porfissional ...
(xxiv) "Em Julho 1995, e a convite do jornal PÚBLICO, regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa, hoje, mais um país de língua oficial portuguesa, felizmente independente" (...) (5).
Guiné > Mansoa > 1995 > Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.
Foto:© Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)
Sobre a sua experiência na Guiné entre finais de 1967 e princípios de 1968, disse o seguinte:
"Na guerra colonial, vivi integrado no Batalhão 1912, sedeado em Mansoa. Era o único padre capelão. Havia outro padre em Mansoa, mas na igreja da Missão, com quem sempre dialoguei, durante os quatro meses que lá vivi e actuei. Mas como capelão militar era o único padre no Batalhão.
"Enquanto não me expulsaram, pude privar de perto com as diversas chefias militares e com as centenas de soldados rasos que davam corpo ao Batalhão. Encontrei homens que estavam na guerra com convicção. A tese oficial do Regime sobre a guerra estava bem interiorizada neles. E eram generosos, à sua maneira, na entrega de si mesmos àquela causa, sem se aperceberem que era uma causa perdida. Mas havia também os que se aproveitavam da guerra, com sucessivas comissões, bem remuneradas, e quase sempre longe dos perigos das frentes de combate. Dizê-lo, não é novidade para ninguém. E havia os oficiais milicianos que, duma maneira geral, estavam na guerra contrariados e cuja preocupação maior era poderem regressar à sua família e à sua terra sãos e salvos" (...).
Fonte: Vd. post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVI: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)
(2) Vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)
(..) "Mas deixem-me contar o que aconteceu antes do embarque. No dia 3 de Abril [de 1967] houve a cerimónia de despedida, assim lhe chamaram, no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, que era onde estávamos à espera de embarque. Houve missa na parada celebrada pelo padre Nazário, perdão, o senhor Major-Capelão Nazário, que, ainda por cima tinha sido meu superior quando eu fiz a instrução primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa!
"Não fui à missa nem ouvi o sermão que ele fez, e que me disseram que foi uma bela dissertação sobre o amor à pátria e a defesa do património nacional. Mas tive que o gramar mais tarde, porque ele, um dia, apareceu em Geba para ver como estava a guerra.
- Nós por cá todos bem, é claro, disse-lhe eu" (...).
(3) Vd post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIV: A igrejinha de Geba
(...) "Em Bambadinca lembro-me do Padre Poím, capelão militar, de origem açoriana, pertecente ao BART 2917 (1970/72) (vd. respectiva foto com o furriel miliciano Guimarães da CART 2716, na nossa página dedicada ao Xitole).
"Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, tal como o Padre Mário da Lixa. Não sei muito bem o resto da história, que me foi (re)contada pelo Guimarães. Confesso que nunca ouvi nenhuma das suas homilias, uma vez que não ía à missa. Mas conheci-o pessoalmente em Bambadinca e lembro-me do seu ar frágil e sofrido" (...).
(4) Esta experiência foi relatada no seu livro Como fui expulso de capelão militar (Edições Margem, 1995)
(5) Essaas crónicas forma publicadas em livro: "Mas à África, Senhores, Por Que Lhe Dais Tantas Dores...(Porto, Campo das Letras, 1997). Vd post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CX: Bibliografia de uma guerra (4)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário