1. O Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque (como consta na sua página no facebook) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde.
Foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74...
Radialista, jornalista, historiógtrafo da música da sua terra, e escritor, vive na Praia, a capital de Cabo Verde.
É membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 790. Tem cerca de 2 dezenas de referências no nosso blogue.(*)
É uma figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio. Ver aqui a sua entrada na Wikipédia. É também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG.
Já aqui publicámos cinco postes com a sua versão dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Bissau (*). São excertos de um livro de memórias que ele tem em preparação. e cujo título (definitivo) ainda não divulgou. E que quer continuar a partilhar connosco.
É uma figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio. Ver aqui a sua entrada na Wikipédia. É também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG.
Já aqui publicámos cinco postes com a sua versão dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, em Bissau (*). São excertos de um livro de memórias que ele tem em preparação. e cujo título (definitivo) ainda não divulgou. E que quer continuar a partilhar connosco.
Vamos agora abrir uma nova série, de modo a abarcar o início da sua comissão, em 1973. Ele fez a recruta e a especialidade na metrópole. E foi mobilizado daqui para o CTIG, ainda no tempo do gen Spínola. Comecemos com alguns excertos da "introdução" e com o relato da sua mobilização. A fonte é a página do Facebook da Tabanca Grande.
Indrodução
Obrigado pelo apoio (muitos Gostos e poucos Comentários) que até hoje já recebi dos amigos e leitores, por esta iniciativa de um livro sobre “Recordações da Guiné 1973-75” de um cabo-verdiano, que esteve em Bissau, era militar, mas, não era um operacional no mato.
Obrigado pelo apoio (muitos Gostos e poucos Comentários) que até hoje já recebi dos amigos e leitores, por esta iniciativa de um livro sobre “Recordações da Guiné 1973-75” de um cabo-verdiano, que esteve em Bissau, era militar, mas, não era um operacional no mato.
Hoje, apresento alguns extratos da «Introdução» do livro que um dia poderá vir a ser editado:
Muitas das narrativas, tanto dos que na que época, eram do lado de lá (PAIGC) como daqueles que eram do lado de cá (tropa colonial) apresentam sempre (nos depoimentos) uma visão nua e crua dos acontecimentos vividos: ataques, emboscadas, bombardeamentos, etc. no longínquo «mato» (…)
As narrativas no depois da guerra sempre dissimulam/ minimizam /justificam o horror que por se viveu. Ambos os lados glorificam os feitos, sempre descritos numa perspectiva pessoal ou ideológica.”
Eu, decidi apresentar um outro lado da moeda, ou seja, através do livro o leitor vai conhecer os quarteis e a vida militar, a cidade de Bissau, como ali se vivia e descobrir uma sociedade «crioula» que por lá existiu! Sobretudo o leitor irá viver o ambiente e acontecimentos marcantes que ocorreram, no último ano de uma cidade cercada pela guerra.”
Portanto, o livro é sobre o dia a dia na cidade de Bissau, entre 1973-74…, atenção, fiquei por lá até Agosto de 1975! Logo, também conto, com foi o “After War” o depois da Guerra.
No ano de 1973, Bissau era uma «Cidade em Festa» enquanto os horrores da guerra aconteciam diariamente e se ouviam claramente lá longe os bombardeamentos no mato! Num desses dias, por exemplo, estou num baile com o conjunto musical “Voz de Cabo Verde” no salão do clube UDIB…. Surreal…? Mas é verdade, aconteceu em Março de 1973…
As festarolas, os convívios regados de cerveja, camarão e ostras no seio do pessoal civil, amenizam e fazem esquecer os horrores… lá longe, e muitas vezes aqui perto…. Conto, pois, no livro, flagrantes da vida social; mostro a vida nocturna no Bairro Cupelon, frequentado diariamente pelos soldados… lá onde eu fazia o serviço de piquete, uma vez por mês; descrevo o serviço de guarda à noite que fazíamos nas traseiras da sede da Pide… e imagino (muito depois da Guerra) o que se passava lá dentro, através de um depoimento de um elemento do célebre conjunto «Cobiana Jazz» que ali esteve preso.
Também, há um olhar sobre as noites no Chez-Toi, uma casa nocturna frequentada pelos mais graduados. A tudo isto, junta-se a descrição de como vivemos a tal guerrilha urbana não reconhecida, que no início de 1974 teve acções espectaculares em plena cidade de Bissau: bombas no Café Ronda, no autocarro da Força Aérea, no Quartel-General… etc. Naquela época, vivíamos a «paronóia» de a Guerra estar prestes a chegar a Bissau!….
Como se vê, há um outro lado da Guerra na Guiné…. que não é conhecido dos cabo-verdianos, nem de muitos metropolitanos…. Apenas conhecido dos militares que pouco falam disso, porque é um passado para se esquecer…. E, há a vida nos quarteis, onde a malta tem animais de estimação: crocodilos, macacos, cabras de mato, etc. Há a rádio omnipresente e o programa diário PIFAS que diverte a malta… enfim… há tanta coisa!
Passados 51 anos, já ninguém se lembra dos civis (centenas) que trabalhavam para tropa, nas repartições, ou faziam toda a espécie de serviços... e havia os militares nativos (milhares)… Eram, todos portugueses da Guiné…, que… de um dia para outro, deixaram de o ser! Depois de Setembro de 1974…. Passaram a ser apenas: guineenses…, mas, carregam a marca da colaboração…. Então, a segunda parte do livro é sobre o que se passou depois da partida da tropa…
Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)
Parte I: Em Lisboa, à espera do embarque, aproveitando a farra para esquecer
Recebi a nota de mobilização para a Guiné no início de Dezembro de 1972, dois meses depois de eu ter sido colocado no Quartel-General em Lisboa, lá pelos os lados de S. Sebastião da Pedreira; partida prevista para Janeiro do ano seguinte.
Ao receber a notícia da minha mobilização para a Guiné, desmoronou tudo na minha cabecinha, mas rapidamente me recompus. Era melhor ir já para o Ultramar, do que ficar largos meses aqui no continente, pois, havia casos de milicianos, que só foram mobilizados quase dois anos depois da incorporação, resultado, fizeram cerca de quatro anos de tropa!
Por isso, estava optimista, iria terminar a tropa mais depressa! Aconteceu então o inesperado: estive por duas vezes, quase com o pé no avião, pois à última hora, avisavam, a partida foi adiada. Da primeira vez, avisaram do cancelamento com antecedência, mas depois, foi na véspera! Informaram, então, que a viagem para Bissau, seria de barco, fiquei à espera…
Eu andava stressado com esse vai, não vai! Nesta espera, noite sim, noite sim, vagueava por aí, na farra. Desde o início de Janeiro de 1973 que eu levava uma vida de pândega com os meus amigos, antigos colegas do liceu, agora estudantes universitários, outros, funcionários ou regressados da tropa no ultramar.
Então, diziam-me: “Aproveita a vida pá! Aquilo na Guiné está mau!” Ou então: “Goza a vida agora, porque que a Guerra está feia!” Eu entendia implicitamente: posso ou não voltar! E adivinhava no sorriso cínico de alguns: o que queriam era ajudar-me a gastar a massa que tinha recebido para comprar o fardamento e preparar a viagem. Uma pequena fortuna para um jovem naquela época.
Desde que chegara a Lisboa (vindo de Leiria onde fiz a especialidade) que me adaptei logo e comecei a mexer com um certo à vontade na cidade. Descobri malta amiga da minha ilha de S. Vicente, que morava ou sempre estava em Campo de Ourique; o ponto de encontro era no Café Gigante [e "salão de jogos"], na Rua Ferreira Borges, onde ia sempre depois do jantar no quartel. (…) Por volta das 23 horas, era a partida para a noite lisboeta.
Dependíamos do carro do John, um amigo e vizinho meu em S. Vicente, agora ex-militar, recém-chegado de Angola. John não contava nada do que por lá tinha visto ou acontecera. Por duas vezes toquei no assunto, mas ele desviou a conversa, desisti, pois, vi que ele não queria melindres, a Pide andava sempre atenta.
Muitos anos mais tarde, é que vim a saber que John tinha caído numa emboscada e foi ferido! Evacuado para Luanda, passou largos meses em tratamento, passou a sofrer de stress e problemas psicológicos. Agora sim, compreendo porque ele evitava falar da guerra no Ultramar. Com o dinheirinho amealhado durante aqueles dois anos de «comissão», John tinha comprado um popó, no qual fazíamos o périplo pela noite. (...)
Outro amigo, era o Manecas, um antigo colega do liceu no Mindelo, recém-chegado de Moçambique onde fez a tropa. Como o John, Manecas, também não gostava de falar do tempo que passou na guerra, mas encarava agora o futuro, com optimismo. (...)
Ao saber da minha mobilização propôs-me a venda da farda «camuflado» já desbotada, a preço módico. Para me convencer disse: “Assim, não serás tomado por um «maçarico». Esta farda vai te dar sorte, como a mim!” (…)
E assim, fui vivendo aqueles dias de «férias» concedidas para se preparar a viagem e despedir da família. Os meus colegas portugueses aproveitavam esse período de longa folga para irem à terra, despedir da família e da namorada. Certamente, como eu, também estariam em noitadas e petiscadas com os amigos… era esta uma forma de se encarar o destino e de se preparar psicologicamente para o pior.
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série > 3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V
E assim, fui vivendo aqueles dias de «férias» concedidas para se preparar a viagem e despedir da família. Os meus colegas portugueses aproveitavam esse período de longa folga para irem à terra, despedir da família e da namorada. Certamente, como eu, também estariam em noitadas e petiscadas com os amigos… era esta uma forma de se encarar o destino e de se preparar psicologicamente para o pior.
(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:
(*) Vd. último poste da série > 3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V
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