quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16621: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte II: Fórmula para construir um aquartelamento de raiz, no mato: primeiro é preciso braços, cabeças, pernas, G3, pás, picaretas, enxadas, GMC do tempo da guerra da Coreia, etc.; depois cibes, areia ou pó de picada, terra, cimento, chapas, bidões, e muitos outros materiais; a seguir, construir paredes, tetos, telhados, abrigos, latrinas, manjedouras e outras amenidades hoteleiras; por fim, misturar tudo com... sangue, suor e lágrimas !




O  "campo fortificado" de Mansambo. Vista aérea (c. finais de 1969, princípios de 1970 ?). Foto do fur mil op esp, Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). 




O  "campo fortificado" de Mansambo. Vista aérea (c. finais de 1969, princípios de 1970 ?). Foto (ampliada)  do Humberto Reis.

Sobre esta foto, escreveu o Carlos Marques dos Santos [e fica em aberto a questão da data: se a foto foi tirada, de heli ou de DO,  só pode ser de 1969 (2º semestre), 1970 ou 1971 (janeiro/fevereiro), já que o Humberto Reis, tal como os restantes camaradas da CCAÇ 12, chegou ao setor L1 (Bambadinca) na 3ª semana de julho de 1969 e terminou a sua comissâo em março de 1971; mas esta vista aérea também pode ser de 1968, tirada por algum amigo do Humberto, da Força Aérea: nesse caso, seria de Mansambo ainda construção; na realidade, parece faltar ainda o arame farpado, os 2 espaldões do obus 10,5 que só vieram em janeiro de 1969; vamos tentar esclarecer o "mistério" com o Humberto]: 

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita). Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água."  



O Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil, CART 2339 
(Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)


CART 2339, Viriatos... leais e nobres
























Fotos (e legendas): © Carlos Marques dos Santos (2026). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda parte do trabalho sobre a "construção de Mansambo em imagens", realizado pelo Carlos Marques dos Santos, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), subunidade adida ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).

Depois de pronto, ao fim de largos meses, a "Maria Turra" chamava-lhe o "campo fortificado de Mansambo". O Mamadu Indjai não deu descanso à rapaziada da CART 2339, os famosos "Viriatos",,, Não houve tempo para tirar férias, gozar a piscina do "resort", curtir os fins de tarde românticos ou ir fazer uns piqueniques nos rápidos do Rio Corubal, era um Saltinho... 

O Mamadu tanto lhes f... o juízo  que eles um dia pregaram-lhe uma partida, fizeram-lhe uma espera, a ele e ao seu bigrupo quando atravessavam a estrada a caminho de casa...  e o Mamadu, o terrível,   teve que ir de padiola para o hospital de Boké. Desta vez, mesmo gravemente ferido,  safou-se. 

Conta a lenda  que seria mais tarde...  fuzilado pelos seus próprios camaradas de armas, na região do Boé, por estar envolvido, em Conacri,  na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral... Amor com amor se paga...  Enfim, fica para a história como vilão e traidor. Se tivesse morrido às mãos do 3º Gr Comb, da CART 2339, a que pertencia o nosso Carlos Marques Santos, hoje seria um herói nacional, como o Domingos Ramos ou a Titina Silá, com direito a mausoléu na Amura (, o panteão nacional).  A história tem destas partidas... (LG)

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Nota do editor:

15 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16603: A construção de Mansambo, em imagens (Carlos Marques dos Santos, ex-fur mil at art, CART 2339, 1968/69) - Parte I: era uma vez uma obscura tabanca do regulado do Corubal que mal se via no mapa...

5 comentários:

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...



UMa página épica da nossa História!...Escrita por estes homens que o futuro tão desprezou. Curvo-me perante eles...

alma disse...

A primeira vez que fui a Mansambo foi em Agosto de 1969.Passámos lá a noite e de madrugada saímos numa operação.Periquito não conhecia ninguém, ao contrário dos meus furriéis e cabos que já contavam com mais de um ano de comissão. Por isso todos arranjaram cama para passar a noite. Todos menos eu..Até que o meu Primeiro Cabo Pereira, me ofereceu parte da cama, que um amigo lhe cedera...Trinta anos depois encontrei o Pereira, acompanhado da mulher à qual disse- Já dormi com o seu marido. A mulher fez cá uma cara..virou-se para o Pereira zangada e exclamou- Manel nunca me tinhas contado...ABRAÇO J.Cabral

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eis como eu descrevi Mansambo, da primeira vez que lá passei, ainda periquito, com dois meses de permanência no setor L1 (Bambadinca)... E essa impressão foi fortíssima. Tinha um enorme respeito por aqueles "viriatos", com quem depois ainda fizemos vários operações, até ao fim da comissão deles...

"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo, eis Mansambo.

"Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação. Aqui vive-se praticamente em estado de sítio. Para ir descarregar o lixo fora do arame farpado, apanhar lenha ou encher os bidões de água a 100 metros sai-se com um grupo de combate armado até aos dentes. A rotina, porém, leva ao afrouxamento da disciplina.

"Há alguns meses atrás, o grupo de combate que montava segurança à viatura da água foi surpreendida pelos guerrilheiros, emboscados junto à fonte, no momento em que alguns soldados tomavam banho alegre e despreocupadamente. Resultado: 2 mortos e 10 feridos.

"O aquartelamento tem sofrido flagelações, sem consequências. O pior são as minas e emboscadas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Todavia, o problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné" (...)

Fonte: Excertos do "Diário de um Tuga. Mansambo, 17 de Setembro de 1969"...

https://cart3494guine.blogspot.com/ disse...

Estive em Mansambo em 1973, para nós que passamos no Xime (CART3494)um mau bocado a deslocação para Mansambo foi entrar numa colónia de férias, foi muito bom... tirando uma coisa ou outra neste tempo o IN não mostrava muito interesse em nos chatear, dizer também, que era uma pequena aldeia (Tabanca) com algumas Moranças, nada que se compare ao Xime, por outro lado dizer à "Tabanca Grande" que pista de aviação só existia nas sedes de Batalhão e zonas mais importantes, mas existia em todos os lados uma zona própria para os Helicópteros. Sobre isolamento, entendo que todas as companhias operacionais estavam isoladas a "civilização" só nas sedes de Batalhão, neste caso Bambadinca e Bafatá.
SdC

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Caro Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2 (tens um lugar de honra na Tabanca Grande, és um ator importante na história deste blogue, se não fosses tu a aparecer e a desinquietar-me..., eu nunca me teria metido nesta "maluqueira" que já vai a caminho dos 13 anos, mais do que o tempo que, oficialmente, durou a guerra da Guiné)...

Uma explicação para a aparente calmaria que conheceste em Mansambo, quando deixaste o Xime em março de 1973, se não erro e foste (tu e a tua CART 3494) guarnecer Mansambo... Nessa altura, e depois da morte do Cabral, o PAIGC mudou de estratégia, deslocou e concentrou "tropas", a sul (Guileje / Gadamael) e a norte (Guidaje) e nordeste...

Recordo-me de ter falado, em março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, com um guerrilheiro que tinha estado nessa altura no setor 2 (Xitole)... Os efetivos deles eram apenas o suficiente para proteger as populações sob o seu controlo, ao longo da margem direita do Rio Corubal...

Tiveste mais sorte do que malta que construiu, defendeu e apoiou Mansambo, a começar pelos "Viriatos", a CART 2339 (1968/69), e a CCAÇ 12 (1969/71) e outars forças do BCAÇ 2852 (1968/70) e depois do BART 2917 (1970/72)...

Ainda bem que vocês puderam "repousar" um pouco, depois da temporada no "resort" turístico do Xime...