segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)

A Guiné na Exposição do Mundo Português, 1940


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Neste itinerário das comemorações entre 1880 e 1960, assistimos às diferentes matizes a que foi sujeito o ciclo nacionalista-imperialista, desde o jubileu de Camões no aflitivo momento em que grandes potências coloniais se preparavam para negociar parcelas do nosso Império até ao centenário do Infante D. Henrique, em 1960, a derradeira festividade em que se procurava o maior fausto para justificar a gesta dos Descobrimentos e a presença de Portugal em África. Sem se entender todo este percurso, é extremamente espinhoso procurar linearidade no relacionamento entre Portugal e as suas ex-colónias africanas, após os acontecimentos de 1974 e 1975.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (2)

Beja Santos

Em “História da História de Portugal, Séculos XIX-XX”, Temas e Debates, 1998, o historiador Fernando Catroga, a propósito da temática das ritualizações da História, trata minuciosamente o ciclo nacionalista-imperialista e a sua associação direta à questão colonial. Já se referiram várias comemorações, retenha-se que o centenário da Índia foi alvo de cortejo, de exposições, de memórias, de apoteose de iluminações, repiques de sinos e, claro está, de Te Deum. A Sociedade de Geografia de Lisboa, o núcleo duro da defesa dos interesses coloniais de Portugal, lançou mão de uma série de iniciativas, incentivou importantes contributos historiográficos.

A República não ficou atrás na exaltação nacionalista-imperialista. E não podia ficar. Berlim continuava a cobiçar largas porções de Angola e Moçambique. Ao deflagrar a I Guerra Mundial, os republicanos deram a máxima prioridade à questão colonial. Mobilizaram a opinião pública para entrar na guerra e uma das razões capitais dadas foi a de se dever garantir a soberania portuguesa em África. O regime republicano é confrontado com os centenários de Ceuta e de Afonso de Albuquerque, que balizavam o início e o apogeu da gesta dos Descobrimentos. Previram-se congressos internacionais, a transladação dos ossos de Afonso de Albuquerque da Igreja da Graça para os Jerónimos. Foram iniciativas que receberam fraco acolhimento, embora se tenha produzido e editado obras relevantes, conforme o historiador Fernando Catroga enumera.

À volta da viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral no hidroavião Lusitânia, em 1922, na passagem do I Centenário da Independência do Brasil, a questão colonial era bem evidente. Os governos republicanos depois dos tratados de Versalhes (1919), e da conferência de S. Remo (1920), e perante o facto das antigas colónias alemãs terem passado a ser governadas por potências administrantes, começaram por se mostrar tranquilos mas o presidente norte-americano Wilson trouxe uma nova preocupação: Washington exigia a criação de condições que gradualmente elevassem os povos colonizados à autodeterminação e independência, em conformidade com o art.º 22.º do Pacto da Sociedade das Nações.

Viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral no Atlântico Sul, 1922. 
(Imagem retirada, com a devida vénia, do blogue Estado Sentido.)

Voltemos a Camões, em 1922, a Câmara Municipal de Lisboa lançou a ideia de nova consagração do vate, a propósito da passagem do quarto centenário do seu nascimento. Houve sarau na Sociedade de Geografia de Lisboa, sessões públicas e algumas conferências. Como recorda o historiador, numa conferência realizada por António Cabreira, a descoberta do caminho marítimo para a Índia era apresentada em termos em que o elemento rácico tinha um lugar proeminente: a aventura portuguesa devia ser apreciada como uma libertação da Europa da pressão muçulmana e turca porque salvou “a Civilização Ocidental de uma derrocada certa, salvando o próprio sangue europeu da mestiçagem bárbara que daria, fatalmente, a quebra de índice encefálico e, portanto, a perda irremediável do brilho mental das raças mais nobres do planeta”.

E estamos chegados à era de Salazar. O ditador maneja com mestria a sua visão de unidade nacional, que incorpora republicanos conservadores, católicos, monárquicos liberais, integralistas e grupos afins. Move-os a todos o culto da independência e a defesa das colónias. Os republicanos já tinham dado o exemplo. Ainda antes do 28 de Maio, a Sociedade de Geografia de Lisboa apoiou a constituição de uma Comissão de Defesa das Colónias, onde estava a quase totalidade do grupo da Seara Nova. Armando Cortesão escrevia abertamente: “O Império de além-mar é para Portugal uma questão de vida ou de morte”. E saiu do punho de Afonso Costa esta definição: Portugal não é um pequeno país. Os que sustentam isso esquecem que as províncias ultramarinas fazem com o território metropolitano de Portugal um todo uno e indivisível.

Salazar faz aprovar o Acto Colonial em 1930, e o seu art.º 3.º é esclarecedor: “Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se Colónias e constituem o império colonial português”. A Constituição de 1933 irá ratificar este preceito. O regime apresenta-se com parte integrante da herança dos Descobrimentos, o Império é a justificação da missão de Portugal no mundo. Procura-se institucionalizar o Império, o mito da grandeza imperial, aprovam-se publicações que têm a finalidade de sensibilizar os portugueses para essa grandeza imperial. Sucedem-se as conferências e exposições, visa-se alicerçar o conceito de Império como forma de dar credibilidade ao culto nacionalista da Pátria.

O ponto alto destas celebrações será a Exposição do Mundo Português, António Ferro, à frente do Secretariado de Propaganda Nacional, é o manobrador esforçado para pôr em prática iniciativas como as exposições coloniais ou fazer representar a questão colonial em exposições internacionais, como a de Paris, em 1937. As colónias são a questão central da Exposição Colonial Portuguesa, 1934, da Exposição Histórica da Ocupação no Século XIX, 1937, e assim chegámos ao faustoso acontecimento da Exposição do Mundo Português [Vd. foto acima].
Atenda-se ao que Fernando Catroga escreve para distinguir as iniciativas liberais e republicanas das do Estado Novo. Eventos como o jubileu camoniano de 1880 serviram para contestar a decadência e trazer esperança à regeneração. O Estado Novo impunha a ideia de refundação, como escreveu António Ferro na sua célebre “Carta aberta aos portugueses de 1940”, 1140, 1640 e 1940 simbolizavam três anos sagrados da nossa História: o ano do nascimento, o ano do renascimento e o ano apoteótico do ressurgimento. As comemorações anteriores nasceram de múltiplas iniciativas de grupos de cidadãos, de associações culturais, só mais tarde se juntava (ou não o apoio governamental; agora era o regime de Salazar que tomava a iniciativa, definia os programas e precisava as metas que deviam ser alcançadas.

O mundo está em guerra, Franco saiu vitorioso da guerra civil de Espanha, Salazar estabeleceu com ele a aliança peninsular e reforçou a sua arreigada convicção de que a defesa das colónias passava pela manutenção da tradicional aliança com Inglaterra. Por isso, comemorar era regenerar, mostrar progresso, como a autoestrada de Lisboa-Cascais. Propõem-se inúmeras obras públicas e projetos desmedidos para a exposição do mundo português, e Salazar, cortante, sentencia: “Acho de mais. Temos de reduzir. Não vamos supor que pretendemos comparar a obra da Junta Autónoma das Estradas, aliás notável, com os Descobrimentos do Caminho para a Índia”.

Vejamos de seguida como as comemorações de 1940 assentavam como uma luva no orgulho nacional-imperialista.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)

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