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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27151: Notas de leitura (1832): "A Corja de Batoteiros", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
À cautela, li e voltei a ler, à procura da mensagem destes caminhos ínvios em que anda Jordão Ribeiro desde que trabalhou no armazém de ferragens e se tornou chulo, segue-se a sua passagem pela Guiné onde monta um espetacular negócio de quebras e faltas forjadas, empresa com cumplicidades, torna-se herói, é promovido, instala-se no Batalhão de Intendência em Bissau, torna-se numa das figuras mais indispensáveis pelos serviços que presta, habituara-se na recruta a prestar serviços, nem a Cruz de Guerra de 1.ª Classe o impediu de montar um negócio de escrever aerogramas a 25 tostões cada, grão a grão enche a galinha o papo, quando regressar ao armazém de ferragens compra o negócio e veremos como irá prosperar depois da chegada da democracia. A mensagem do autor parece-me muito enevoada, há um elogio ao 25 de novembro, a política está entregue aos medíocres, são uma fauna que irá criar a desgraça do país. Que o leitor espere pelo que se vai passar em novas vicissitudes depois da chegada de Jordão à Invicta, e teça então o seu juízo quanto à apologia desta "Corja de Batoteiros".

Um abraço do
Mário



A arte da batota, antes, durante e depois da guerra da Guiné (1)

Mário Beja Santos

A "Corja de Batoteiros", 5livros.pt, 2019, é um dos livros mais ambíguos e desanimadores que saiu do punho de Rui Sérgio. Gente crápula, badalhoca, espertalhona, que atravessa a história de Portugal, com um herói de guerra permanentemente no palco. Na verdade, o herói do romance (se é esta a designação apropriada) Jordão Ribeiro, é um eterno ganhador por manhosice e adequado uso dos expedientes, dificilmente se entende como este único filho de Maria Rameira, mãe solteira, de Ponta Barca, que na terra fazia uns favores, de estatura baixa, com cabeça redonda, orelhas grandes e um nariz helénico, com peito e costas largas e membros curtos que lhe dava um ar amacacado, nascido no Estado Novo, por uma imprevisibilidade altamente condecorado, continuará a fazer batota no regime nascido em 25 de Abril, e tudo é descrito como se a batota fosse a ordem natural das coisas. Argumento acabrunhante, mesmo que o autor entenda que somos geneticamente batoteiros. E vamos à história.

Órfão de pai e mãe, vai crescer numa casa de passe, na Rua dos Caldeireiros, no Porto, educado no meio de insultos, afagos e carícias maternais que as meninas do ofício lhe devotam. Pouco dado aos estudos, foi parar a um armazém na Rua do Almada, de ferragens, passava o dia a contar e a numerar centenas de sacos de porcas e parafusos. A menina Zulmira, a Madrinha, fazia-lhe pitéus, o Jordão era muito trabalhador no armazém, foi iniciado no bordel, graças ao patrão Pires do armazém foi tirar um curso comercial pós-laboral, arranjou uma amante quarentona, começa a desviar material, operação bem-sucedida, ninguém dá pela batota; apurado para todo o serviço vai para as Caldas da Rainha, continua a angariar dinheiro a quem presta favores sexuais.

Habitua-se na recruta a prestar serviços, vende graxa para as botas, giletes, para quem não gosta de comer no rancho vende conservas, vai fazendo um dinheirinho jeitoso; nos fins de semana vem até à Invicta, passa a noite com a menina Rosa, de sexta para sábado, no sábado vai à Dra. Mélita, a quarentona que lhe dá uma notinha de 50 escudos, almoça com os padrinhos enquanto a madrinha trata da roupa suja.

Cabe-lhe agora a Guiné. A Rosa falou-lhe de uma prima direita que trabalha na edição no Chez Toi, em Bissau. Faz o treino operacional em Bolama, já está em boa amizade com o Raul Rochinha e o 1.º cabo Narciso. Em Bissau, a prima da Rosa, Ana Carolina, oferece-lhe ostras e outras coisas. Fica em Bambadinca no Pelotão da Intendência, é um vagomestre e tanto, o Jordão começou a tirar proveito da situação, a inventar quebras, negoceia com caçadores autóctones para fornecer carnes às unidades militares, vai calculando habilmente as faltas, toda a gente gosta do Jordão, sorridente a bajulador. E nisto, tona-se num herói, como o autor explica:
“As deslocações entre o Pelotão de Intendência e das unidades militares por vezes davam sobressaltos, quer por deteção de minas nas picadas, quer por emboscadas, como uma vez de Contuboel para Sonaco, que após o impacto inicial do grupo de combate que lhe prestava segurança, o ataque dos guerrilheiros causou uma série de feridos na nossa tropa. Apesar da situação critica, o Jordão que levava sempre duas granadas defensivas penduradas no seu camuflado, atirou-as para o sítio certo, pegando numa G3 com dilagrama, disparando esta no mesmo sentido, tendo feito três mortos confirmados e uma série de feridos. Conseguiu reorganizar o grupo de combate, tratar dos feridos e impedir o roubo de mantimentos. Foi uma situação de heroicidade, minimizada pelo próprio, sempre com o espírito de humildade, mas que não passou despercebida aos seus superiores, que após os inquéritos militares de averiguação, comprovaram a bravura e o desapego da sua vida debaixo de fogo e a reação combativa perante o fogo inimigo e ainda pela captura de armamento, fardamentos, mapas de objetivos a atacar e mais uma série de detalhes tudo entregue no batalhão de Bambadinca, inclusive os três cadáveres.”

É condecorado com uma cruz de guerra de 1.ª classe em 10 de junho de 1970, subiu dois postos para 1.º sargento. Como prémio, ficou adstrito ao Batalhão de Intendência em Bissau. Mantém a negociata em Bambadinca, graças ao 1.º cabo Narciso, o Jordão Ribeiro mantém o correio em dia para a madrinha, para a Rosa, para a Dra. Mélita, para o patrão e para o padrinho Eleutério. Jordão ganha igualmente a vida a escrever aerogramas para familiares de camaradas que tinham grande dificuldade na escrita, a troco de 25 tostões. Monta escritório na 5.ª Rep, um dos cafés mais conhecidos de Bissau, aí ganha 25 pesos todas as noites no negócio da escrita; alicia altas patentes para as miúdas do Chez Toi; é pontual no serviço, passa a ser encarregado para chefiar o depósito das bebidas alcoólicas mais caras e da cosmética, reforça a sua primeira ligação com o cabo Narciso, tudo com base nas faltas e quebras; torna-se figura incontornável das unidades militares, é estimado pelos favores que presta; a juntar a tudo isto, foi-lhe proposto ser o agente de ligação nas marcações de viagens TAP para os militares do Leste que se deslocavam à metrópole, mais uma receita.

Jordão desloca-se sempre de Jipe, o seu condutor é Bacar Baldé, um antigo pisteiro da zona de Nova Lamego, torna-se no seu homem de mão; o 1.º cabo Narciso vem para Bissau, há um jantar de arromba no Solar do Dez; com o 1.º cabo Narciso em Bissau alastra a teia de favores, o Jordão só pensa em multiplicar os seus negócios quando regressar à metrópole. Nas suas meditações, Jordão Ribeiro orgulha-se de ter servido a sua Pátria comandado por um grande militar, Spínola, a Guiné vivia um progresso a todos os tipos notável, Spínola tinha impresso uma maneira diversa de fazer a guerra, aspirava a que a Guiné ficasse federada a Portugal, integrada numa comunidade lusófona.

Em finais de abril de 1971, chegou a hora do regresso, Jordão quer levar consigo colaboradores leais Ana Carolina, Bacar e a sua Mariama, o 1.º cabo Narciso. Vai recomeçar a vida civil, a Jordão cumpre o dever de satisfazer as amantes da Invicta, depois apresenta-se nos armazéns de ferragens na Rua do Almada, o patrão Pires confessa-lhe que quer sopas e descanso, propõe-lhe a venda de um negócio. O Jordão vai ao Banco Borges & Irmão para apurar o dinheiro que armazenara em toda a batota e chulice, ficou espantado com os seus 3825 contos. Ajustou-se o preço, Jordão tem agora um negócio instalado no Porto. Veremos seguidamente que a batota é imparável, não há 25 de Abril que a demova.


Coluna de reabastecimento. Travessia da ponte destruída pelo IN num rio próximo de Bissorã.
Fotografia de António da Silva Pinheiro, CCAÇ 1419, com a devida vénia
4.º Grupo de combate da 2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4513, Guiné 1973-1974.
Imagem de Victor Ferreira
Contuboel. Imagem retirada do nosso blogue

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27142: Notas de leitura (1831): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 7 (Mário Beja Santos)

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