sexta-feira, 21 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6443: A Guiné aos olhos das actuais gerações (4): Primeiras impressões de Catió e viagem até Bubaque (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros camaradas Editor e Co-Editores
Em anexo vos envio o 4.º relato das experiências de 'formação' de Marta Ceitil, para integrarem, caso entendam, na série respectiva.

Este IV documento relata a ida para Catió, depois das aventuras em Mansoa.
Há um fim-de-semana com viagem até Bubaque, descoberta dos encantos das ilhas e depois a chegada a Catió, com o alojamento na Missão Católica.

Estas são as primeiras impressões... depois virá o trabalho... e as dificuldades e as perplexidades, com as consequentes interrogações e o abalar de 'certezas' adquiridas... mas isso fica para o próximo relato!

Um abraço
Hélder Sousa


Fotos de Catió


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (IV)

Primeiras impressões de Catió e viagem até Bubaque


por Hélder Sousa / Marta Ceitil

No seu anterior mail, do final de Agosto, a Marta tinha-nos dado conta como correu a sua experiência em Mansoa. Os avanços sua aprendizagem, os preconceitos quanto à questão de trabalho com jovens ‘militares’, a comovente e inesquecível festa de aniversário que os formandos e amigos lhe proporcionaram. Tudo isto, tendo sempre como base uma atitude que só pode ser classificada como correcta e a única que verdadeiramente funciona: está lá para ensinar mas também muito para aprender.

É essa a chave do sucesso. E é curioso como se pode perceber, pela leitura do “Relatório de Actividades da AD”, na pág. 30, a propósito das actividades das “ong”, como os guineenses entendem certo tipo de ‘colaborações’ e a sua esterilidade, exactamente no sentido do que atrás se disse. Reparem:

“Outro dos aspectos notáveis destes tempos modernos, é o da tentativa de descredibilização da competência dos quadros nacionais, como forma de justificar o envio de rapaziada nova, recém-cursada, sem experiência alguma de terreno, sem dominarem minimamente os conceitos teóricos e práticos do desenvolvimento e que apenas são ouvidos porque ao chegarem ao país, metem a mão no bolso, puxam pela carteira, metem-na em cima da mesa e, do alto da sua sobranceria e deslumbramento, clamam: chegou o Pai Natal!

Vamos distribuir fundos!

É uma rapaziada do tipo “inter-rail”, passeiam pelo mundo inteiro sob o chapéu do subdesenvolvimento, estão sempre de passagem, não chegam a conhecer nada e nada aprendem, convencem-se que o mundo começou com eles, que eles são o big-bang e permitem-se dar aulas técnicas a quem passou a vida a queimar pestanas e que têm a modéstia de reconhecer que o muito que ainda têm de aprender será…com aqueles que sabem.
Afinal, cada tempo tem o seu colonialismo… e o seu combate.”


Não acham que está bem caracterizado? Pessoalmente gostei bastante da classificação da “rapaziada tipo ‘inter-rail’…. que passeia pelo mundo sob o chapéu do subdesenvolvimento, sempre de passagem …. não chegam a conhecer nada e nada aprendem …. e convencidos que o mundo começou com eles”. Um mimo!

Agora, depois da experiência de Mansoa, a Marta vai para Catió. Iremos tomar conhecimento de como o trabalho, a formação, irá decorrer, com as suas vicissitudes e a superação expedita das dificuldades, dos seus ganhos emocionais, mas entretanto ficamos por uma visita a Bubaque e a viagem e chagada a Catió, com as primeiras impressões.

Espero que os camaradas que andaram por Catió possam reconhecer e corroborar as impressões que a Marta nos vai trazer.

Esse mail, datado de 3 de Setembro, foi o que se segue:


Subject: Catio: novas aventuras do sul da Guiné
Date: Thu, 3 Sep 2009 11:45:54 +0000

Olá :)

Kuma di kurpo? Kuma di Galinha? Kuma di trabajo?

Já estamos em Catió e aqui a saudação é ligeiramente diferente. Mais uma vez peço desculpa pelos erros ortográficos, mas estes computadores continuam a ser um mistério para mim, este é italiano, ainda é pior.

No fim-de-semana fomos para as Ilhas, Bubaque. A viagem de 4 horas foi no mínimo surreal: uma “tempestade gigante com ondas do tamanho do mundo”, passei quase todo o tempo enjoada, não sei se pelas ondas, se pelo o cheiro da aguardente de cana que todos os que iam no barco estavam a beber. Tirando esta viagem tudo o resto em Bubaque foi brutal. Comemos muito bem, fizemos praia, fomos sair à noite onde tivemos oportunidade de assistir a um concerto de um músico famoso (não me lembro do nome) mas quem em vez de cantar, faz playback e dança muito…

Já estamos a ficar especialistas na Batida (Kizomba) no Decalé, Gumbé e no Kuduro :)

Segunda-feira viemos para Catió. A viagem foi tranquila, tinham-nos dito que ia ser horrível que as estradas estavam más... nada disso foi mesmo “Shanti Shanti”. Catió fica no Sul da Guiné e é lindo, lindo. Aqui sim, sinto e vejo a Guiné que idealizei: paisagem verde, que contraste com o castanho das tabankas. Aqui as pessoas são bem mais calmas, parecem alentejanos.

Estamos muito bem instaladas, na Missão Católica. O Padre Maurício (italiano) é uma personagem, muito bem disposto, tem 60 anos, e tirando o meu pai, é dos homens mais charmosos que alguma vez vi na vida :) Para além do seu aspecto físico faz umas massas óptimas. Está na Guine desde 1973 e é um espectáculo ouvir as suas histórias. A missa também é qualquer coisa…, primeiro é dada em crioulo e depois a música é tocada com djambés. Segunda-feira começamos a dar a formação aos professores. Este vai ser o nosso maior desafio, mas acredito que vamos dar conta do recado.

Connosco na Missão Católica está um rapaz italiano o Giovanni que é a maior personagem que alguma vez conheci. Tem 26 anos, e está na Guiné há 3 anos. Ficou por Catió e agora ajuda o Padre Maurício na horta. O Giovanni é baixinho, gordinho e parece o Pai Natal. No outro dia fomos com ele de carro ver a Horta, e no rádio começou a dar Madona - Material Girl, o que é que foi aquilo? Parecia louco, a cantar e a dançar como se não houvesse amanhã. Surreal, nem consigo descrever. Na Horta, quisemos ajudar, pegámos nas enxadas e começámos a cavar, não sei bem para quê. Esta minha experiência durou 15 minutos, além de ter ficado exausta tive o meu primeiro encontro imediato com uma cobra. Desta vez não fiquei calma, desatei aos berros e fugi para o carro e só saí lá de dentro quando chegámos a casa.

Enfim... tenho tantas histórias ainda para contar, mas fica para depois. Continuo encantada, e cada vez a gostar mais disto. Sinto-me mais tranquila e de bem comigo própria. Nunca tinha estado assim...em paz. Também estou a gostar de sentir que estou a aproveitar cada momento desta experiência e a tirar o máximo partido dela.

Bem, por agora é tudo, na próxima semana envio mais notícias.
Beijinhos grandes com muitas saudades :)
Marta Ceitil



Que se pode dizer quanto a isto?

Podemos perceber como a Marta emprega sempre um entusiasmo, uma alegria, uma atitude de “gostar do que faz”, em tudo quanto observa e relata. E a franqueza e aparente ingenuidade dos relatos de algumas passagens só dão mais autenticidade às mesmas.

Apenas para que possam compreender como toda esta experiência ‘de Verão’ foi importante, revelo que a Marta depois de ter regressado a Portugal no início de Outubro passado, já se encontra de novo na Guiné, agora desenvolvendo trabalho no âmbito dos “Médicos del Mundo” que não deixaram de aproveitar todo o seu entusiasmo e gosto por aquela terra e aquelas gentes.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6260: A Guiné aos olhos das actuais gerações (3): Estou feliz e estou grata por esta oportunidade (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

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