Caro Carlos
Junto envio o relato, neste caso correspondente a dois dias, pois passou a haver uma certa acalmia no empreendimento onde estávamos.
Ter ido já a Bafata também ajudou a isso, embora começasse logo a pensar ir outra vez como se verá no próximo relato.
Um abraço.
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATA - 30
Diário da ida à Guiné – Dias Sete e Oito (10/11-03-2010)
Diário da ida à Guiné – Dias Sete e Oito (10/11-03-2010)
Dia Sete:
Neste dia estava autenticamente na ressaca dos acontecimentos do dia anterior. A dose Bafatá tinha sido muito forte para mim.
Neste dia embora, não tivesse acontecido algo de muito relevante, houve porém algumas mudanças. O Pimentel e o Mesquita resolvem ir embora, tornando a fazer o mesmo caminho, África acima. Ficámos no “Anura Club” só eu e o Chico Allen. Até aí, e porque grande parte do equipamento dos “bangalôs” estava avariado, eu e o Allen ocupávamos o mesmo quarto. Com a saída dos dois camaradas pude mudar para um “bangalô” só para mim. Deixávamos de ouvir os roncos um do outro. Passámos a usufruir da privacidade tão necessária naquele clima.
Depois dos dois companheiros terem ido embora, resolvemos ir comprar qualquer coisa para comer ao almoço. Fomos ao mercado de Bula a uns 6 quilómetros (mercado mesmo, não de rua), onde pude constatar que havia de tudo o que se podia precisar: peixe, carne, legumes como os de cá e mais os de lá, e toda a espécie de fruta e produtos africanos.
A negociar a compra das bentaninhas.
A comprar uma abobrinha para a sopa.
Comprámos umas bentaninhas. Percorri todo o mercado e filmei grande parte das bancas repletas de produtos. Vieram-me à lembrança mercados que vira no Brasil semelhantes, quer pela diversidade de produtos, quer pelo colorido dos mesmos.
Enquanto eu fazia uma panela de arroz o Chico preparava as bentaninhas “au” caldo branco. Enquanto as coisas cozinhavam aperitivámos, como sempre fazíamos. Havia sempre mancarra, caju, presunto, salpicão.
Depois do café fiz a muda das minhas coisas para o novo quarto e fomos dormir a sesta, pela primeira vez em privado.
Em determinada altura (e porque apontei isso) perdi a noção do tempo. A ida a Bafatá, no dia anterior, parecia ter sido há séculos. A ideia de voltar a Bafatá começava a ganhar forma.
Depois devemos ter jantado e ido dormir mas toda essa parte foi cortada pela censura.
Até amanhã camaradas.
Dia Oito:
Ainda me lembro que há 42 anos, quando cheguei a Bafatá e na primeira noite que dormi no quarto com mais dois camaradas, as baratas eram tantas que nos dias seguintes depois de espalhar um pó próprio para resolver a situação, as tive que juntar com uma vassoura, num monte enorme. Nos dias seguintes era cada vez menor. Os camaradas estavam no fim da comissão e totalmente apanhados pelo clima.
Pois bem, também agora, quando cheguei ao Anura Club e entrei no “bangalô” que ia compartilhar com o Chico Allen, a quantidade de bichos rastejantes no pavimento era talvez de uns cem por metro quadrado. Eram baga-bagas, formigas de vários tamanhos, centopeias grandes e pequenas, etc. Como já não era periquito nessas questões, fui prevenido. No dia seguinte, no quarto só coexistiam dois seres vivos, o Allen e eu.
Ainda sobre bicharada: No empreendimento há um espaço comum a que chamam “gembrém” e cuja parte central, rebaixada uns 15cm, se destinaria a pista de dança. À volta dessa pista, era a onde cozinhávamos e fazíamos as refeições. Como na pista de dança havia um buraco, para escoar possíveis águas na época das chuvas, as formigas baga-baga instalaram-se lá e à noite era uma invasão à procura das migalhas. No dia anterior tinha criado um dispositivo para acabar com o formigueiro e como deu resultado, contrariamente ao cepticismo do Allen, neste dia a primeira coisa que fiz logo pela manhã foi varrer a bicharada.
O “gembrém” com a pista de dança.
Como tenho referido, esteve sempre muito calor durante a minha estadia. As temperaturas rondaram sempre os 40 graus. Nessa manhã, porém, esteve sempre o sol encoberto com uma camada de neblina o que tornou mais ameno esse princípio de dia.
Com pouca gente a deambular por ali era comum agora ver bandos de pássaros azuis muito brilhantes e esquilos a pequena distância.
Depois do café fomos a Bissau pois tinha que pagar a taxa correspondente ao adiamento do meu regresso a Portugal. À vinda e depois de passarmos pela ponte sobre o rio Mansoa (Amílcar Cabral), passa-se mais uma situação caricata: Há portagem no sentido para Bissau, mas à vinda, embora não se pague, existe também um portajeiro só para levantar a cancela!!!
À direita é a portagem (em direcção a Bissau) e à esquerda, não havendo portajem pode ver-se o funcionário que levanta a cancela.
Logo a seguir à ponte há uma venda de peixe e marisco e nesse dia paramos para comprar um balde de ostras (1,5 euros) com que iríamos aperitivar, para em seguida almoçarmos uma lebre de cebolada… bem regada.
A ponte Amílcar Cabral sobre o rio Mansoa.
O Allen a comprar as ostras, próximo da ponte.
A seguir à sesta fui apanhar kabaseras (frutos do embondeiro – em crioulo) para trazer, pois é muito agradável chupar o seu miolo.
Uma kabasera que nos embondeiros parecem ratos pendurados pelo rabo.
À noite faltou a energia eléctrica no sector dos nossos quartos. Tento ido ver se descobria a anomalia no quadro eléctrico verifiquei que através dele passava um enorme formigueiro de baga-baga e que também lá existia um ninho de rola (ou semelhante) com ovos. Porém o problema não estaria aí como mais tarde se veio a verificar. Certo é que inaugurei o toco de vela que tinha levado.
Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (29): Diário da ida à Guiné - 09/03/2010 - Dia seis
2 comentários:
Caro Fernando
As tuas fotos são um precioso auxiliar para melhor se perceber o teu relato.
Assim, é um regalo ver o mercado, a compra de ostras pelo Xico, a ponte com as 'portagens', etc.
Quanto à bicharada.... pois trata-se de se estar muito mais próximo da natureza...
E é bem verdade que quem está prevenido, como estavas, consegue melhores resultados.
Abraço
Hélder S.
Quero pedir desculpa pela apresentação da foto como sendo da ponte Amilcar Cabral sobre o rio Mansoa, quando na verdade se trata da ponte sobre o rio Cacheu, entre Bula e Engoré. Gerir mais de cinco mil fotos não foi fácil.
Um abraço a todos.
Fernando gouveia
Enviar um comentário