sábado, 22 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6451: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (30): Diário da ida à Guiné - 10 e 11/03/2010 - Dias sete e oito

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2010:

Caro Carlos
Junto envio o relato, neste caso correspondente a dois dias, pois passou a haver uma certa acalmia no empreendimento onde estávamos.

Ter ido já a Bafata também ajudou a isso, embora começasse logo a pensar ir outra vez como se verá no próximo relato.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATA - 30

Diário da ida à Guiné – Dias Sete e Oito (10/11-03-2010)


Dia Sete:

Neste dia estava autenticamente na ressaca dos acontecimentos do dia anterior. A dose Bafatá tinha sido muito forte para mim.

Neste dia embora, não tivesse acontecido algo de muito relevante, houve porém algumas mudanças. O Pimentel e o Mesquita resolvem ir embora, tornando a fazer o mesmo caminho, África acima. Ficámos no “Anura Club” só eu e o Chico Allen. Até aí, e porque grande parte do equipamento dos “bangalôs” estava avariado, eu e o Allen ocupávamos o mesmo quarto. Com a saída dos dois camaradas pude mudar para um “bangalô” só para mim. Deixávamos de ouvir os roncos um do outro. Passámos a usufruir da privacidade tão necessária naquele clima.

Depois dos dois companheiros terem ido embora, resolvemos ir comprar qualquer coisa para comer ao almoço. Fomos ao mercado de Bula a uns 6 quilómetros (mercado mesmo, não de rua), onde pude constatar que havia de tudo o que se podia precisar: peixe, carne, legumes como os de cá e mais os de lá, e toda a espécie de fruta e produtos africanos.

A negociar a compra das bentaninhas.

A comprar uma abobrinha para a sopa.

Comprámos umas bentaninhas. Percorri todo o mercado e filmei grande parte das bancas repletas de produtos. Vieram-me à lembrança mercados que vira no Brasil semelhantes, quer pela diversidade de produtos, quer pelo colorido dos mesmos.

Enquanto eu fazia uma panela de arroz o Chico preparava as bentaninhas “au” caldo branco. Enquanto as coisas cozinhavam aperitivámos, como sempre fazíamos. Havia sempre mancarra, caju, presunto, salpicão.

Depois do café fiz a muda das minhas coisas para o novo quarto e fomos dormir a sesta, pela primeira vez em privado.

Em determinada altura (e porque apontei isso) perdi a noção do tempo. A ida a Bafatá, no dia anterior, parecia ter sido há séculos. A ideia de voltar a Bafatá começava a ganhar forma.

Depois devemos ter jantado e ido dormir mas toda essa parte foi cortada pela censura.
Até amanhã camaradas.


Dia Oito:

Ainda me lembro que há 42 anos, quando cheguei a Bafatá e na primeira noite que dormi no quarto com mais dois camaradas, as baratas eram tantas que nos dias seguintes depois de espalhar um pó próprio para resolver a situação, as tive que juntar com uma vassoura, num monte enorme. Nos dias seguintes era cada vez menor. Os camaradas estavam no fim da comissão e totalmente apanhados pelo clima.

Pois bem, também agora, quando cheguei ao Anura Club e entrei no “bangalô” que ia compartilhar com o Chico Allen, a quantidade de bichos rastejantes no pavimento era talvez de uns cem por metro quadrado. Eram baga-bagas, formigas de vários tamanhos, centopeias grandes e pequenas, etc. Como já não era periquito nessas questões, fui prevenido. No dia seguinte, no quarto só coexistiam dois seres vivos, o Allen e eu.

Ainda sobre bicharada: No empreendimento há um espaço comum a que chamam “gembrém” e cuja parte central, rebaixada uns 15cm, se destinaria a pista de dança. À volta dessa pista, era a onde cozinhávamos e fazíamos as refeições. Como na pista de dança havia um buraco, para escoar possíveis águas na época das chuvas, as formigas baga-baga instalaram-se lá e à noite era uma invasão à procura das migalhas. No dia anterior tinha criado um dispositivo para acabar com o formigueiro e como deu resultado, contrariamente ao cepticismo do Allen, neste dia a primeira coisa que fiz logo pela manhã foi varrer a bicharada.

O “gembrém” com a pista de dança.

Como tenho referido, esteve sempre muito calor durante a minha estadia. As temperaturas rondaram sempre os 40 graus. Nessa manhã, porém, esteve sempre o sol encoberto com uma camada de neblina o que tornou mais ameno esse princípio de dia.

Com pouca gente a deambular por ali era comum agora ver bandos de pássaros azuis muito brilhantes e esquilos a pequena distância.

Depois do café fomos a Bissau pois tinha que pagar a taxa correspondente ao adiamento do meu regresso a Portugal. À vinda e depois de passarmos pela ponte sobre o rio Mansoa (Amílcar Cabral), passa-se mais uma situação caricata: Há portagem no sentido para Bissau, mas à vinda, embora não se pague, existe também um portajeiro só para levantar a cancela!!!

À direita é a portagem (em direcção a Bissau) e à esquerda, não havendo portajem pode ver-se o funcionário que levanta a cancela.

Logo a seguir à ponte há uma venda de peixe e marisco e nesse dia paramos para comprar um balde de ostras (1,5 euros) com que iríamos aperitivar, para em seguida almoçarmos uma lebre de cebolada… bem regada.

A ponte Amílcar Cabral sobre o rio Mansoa.

O Allen a comprar as ostras, próximo da ponte.

A seguir à sesta fui apanhar kabaseras (frutos do embondeiro – em crioulo) para trazer, pois é muito agradável chupar o seu miolo.

Uma kabasera que nos embondeiros parecem ratos pendurados pelo rabo.

À noite faltou a energia eléctrica no sector dos nossos quartos. Tento ido ver se descobria a anomalia no quadro eléctrico verifiquei que através dele passava um enorme formigueiro de baga-baga e que também lá existia um ninho de rola (ou semelhante) com ovos. Porém o problema não estaria aí como mais tarde se veio a verificar. Certo é que inaugurei o toco de vela que tinha levado.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (29): Diário da ida à Guiné - 09/03/2010 - Dia seis

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Fernando

As tuas fotos são um precioso auxiliar para melhor se perceber o teu relato.
Assim, é um regalo ver o mercado, a compra de ostras pelo Xico, a ponte com as 'portagens', etc.
Quanto à bicharada.... pois trata-se de se estar muito mais próximo da natureza...
E é bem verdade que quem está prevenido, como estavas, consegue melhores resultados.
Abraço
Hélder S.

Fernando Gouveia disse...

Quero pedir desculpa pela apresentação da foto como sendo da ponte Amilcar Cabral sobre o rio Mansoa, quando na verdade se trata da ponte sobre o rio Cacheu, entre Bula e Engoré. Gerir mais de cinco mil fotos não foi fácil.

Um abraço a todos.
Fernando gouveia