quarta-feira, 19 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6429: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (21): As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu

1. Mais uma Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 16 de Maio de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (21)

As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu


Estávamos em 1964, BISSORÃ tinha na altura duas Companhias operacionais, a CART 643, a "residente" e a CART 730. As operações eram em catadupa, operações em áreas complicadas, como ao célebre Morés e casas de mato circundantes, uma espécie de flôr, Morés a coroa e as pétalas as casas de mato envolventes, tudo muito complicado. Para oeste a dificil casa de mato denominada Biambi, lá para os lados de Bula e Binar, diga-se de passagem com um chefe guerrilheiro de muito respeito, todo o cuidado era pouco, quando havia necessidade de o enfrentar.

O pessoal "maçarico" não podia ser lançado para aquelas zonas sem ser acompanhado de pessoal experiente.

Lembro-me de um 2.º Sargento do QP, açoriano, não querendo receber conselhos dos "velhos", dizendo que tinha vindo de Angola, para ele aquilo era "canja", mas ficou em grandes dificuldades numa emboscada, que durou muito tempo, foi em seu socorro um Pelotão da Cart 643, para os tirar daquela embrulhada.

Os feitos destas Companhias eram deveras considerados pelas chefias militares, tenho ideia de uma operação, salvo erro em Cambaju, em que as NT capturaram uma quantidade apreciável de material de guerra, houve grande ronco no regresso a Bissorã, tendo o ComChefe Gen. Arnaldo Shultz enviado uma mensagem, que pela importância operacional daquele dia, queria a todo o custo, dar um abraço às Cart 643 e 730, e que apareceria a qualquer momento.

Os Capitães, sabendo da visita, ordenaram que todos se apresentassem devidamente ataviados, porque o nosso General iria chegar dentro em pouco.

Eram talvez 14 horas, todos a olhar para o céu, para ver quando despontava o héli. O tempo corria, 15,00 h., 16,00 h., até que o sol começa a desaparecer no horizonte. Houve a chamada desilusão generalizada, todos se interrogavam, esta malta não nos liga nenhuma, aplicando-se o velho slogan "a retaguarda está firme que nem uma rocha" e era verdade.

Nesta altura que tanto se fala da actuação do Gen Spinola, quando ComChefe do CTIG, tenho a certeza, que pelo que contam, não fazia uma acção deste género.

Havia uma grande distância entre os militares do mato, os operacionais, e alguns da cidade de Bissau. A própria PM perseguia por assim dizer, aqueles pobres militares, que às vezes se excediam, quando apanhavam 2 ou 3 dias de folga, como prémio pela sua actuação em combate, portanto não era de admirar a não comparência do ComChefe no mato, ter de se expôr a algum perigo no vôo, a retaguarda era quase sempre assim.

E para terminar, posso contar mais uma cena, esta comigo.

Em Outubro de 1965, mais precisamente a 27, fui ferido, sendo evacuado para o HM241. O meu ferimento, fractura exposta do femur esquerdo e outras complicações, não podia ser tratado ali, como era uma recuperação que demoraria mais de 6o dias, tinha que ser evacuado, o mais rápidamente possível.

Começou a haver complicações, como infecções constantes, de que resultou uma ostaíte crónica de que continuo a padecer.

Não havia lugar no avião militar para Lisboa, sabendo eu que nesses aviões, além dos feridos a embarcar, também seguiam militares de férias, prémios Governador, esposas de oficiais superiores e até acompanhantes, para ajudarem nas suas compras em Lisboa.

Eu sentia-me cada vez pior no meu estado geral de saúde. No dia 16 de Novembro, fui visitado pelo meu Comandante Cor.Braancamp Sobral, para saber do meu estado. Nesse momento perdi a cabeça, disse-lhe o que pensava dos chamados SENHORES DA GUERRA. Sem me dizer nada saiu. Passadas cerca de duas horas, segui para o bloco do hospital, fui engessado e na manhã
do dia seguinte, 17 de Novembro, embarquei para o HMP, onde estive internado 7 meses, 2 nas urgências e o restante no anexo, mais vulgarmente conhecido pelo TEXAS.

Como nota final, tenho a certeza que se fosse evecuado de imediato, talvez não ficasse marcado para sempre.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
CART 643 - Águias Negras
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Rogério

Se não fosse poder ser entendido como estando a fazer humor negro, agora era capaz de utilizar a velha fórmula portuguesa de relativizar tudo e dizer-te: "pois, tiveste sorte, podia ser pior, se não tens falado com o teu coronel ou ele não se tivesse provavelmente 'empinado' com alguns 'mandantes' não terias saído de lá tão depressa e por isso esses padecimentos de hoje são só para te recordares como alguém intercedeu por ti"....

É bom estares por cá, com a saúde possível e a boa disposição que te caracteriza.

Um abraço
Hélder S.

joao parreira disse...

Caro Rogério Cardoso.
Recordações:
A CART 730 actuou no no Sector 03, reconhecido como o de maior atividade do IN já há bastante tempo, e atribuido ao BArt 645, com intervenções nos sub- sectores das CArt 643 e CArt 566 tendo por base Bissorã e com 4 estacionamentos temporários no OLOSSATO.

A finalidade da nossa Companhia
(730) era a de reforçar as Companhias no Sector e permitir com mais facilidade o escoamento da mancarra da zona, para Bissau.
Recebeu verbalmente uma missão por 2 meses, mas o periodo arrastou-se quase a seis.

Ab. J.Parreira