domingo, 16 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6403: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (29): Do Inferno ao Paraíso

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Maio de 2010:

Caro Vinhal
Mais um pouco da “Viagem…” da 2791 por terras da Guiné, assumindo um dever a que foi chamada e cumprido com dedicação e orgulho por todos os que dela fizeram parte.

Um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (29)

Do Inferno ao Paraíso


À conta e força de vários, variados e sofridos “passeios ecológicos” (dir-se-ia hoje?!) pela Natureza e natureza das matas “Balangreanas”, começámos a conhecê-las minimamente e aos seus meandros imprevisíveis.

Diga-se em abono da verdade que havia zonas de Paraíso e de Inferno, onde numas e noutras, se “passeavam” gentes diabólicas”. Quando a linha dos “azimutes” calhava de se interceptar, … suavam as “trombas” e soavam as trompas. As espadas e os tridentes enfrentavam-se com fogo, em nome e defesa de uma “verdade”(?) comum a ambos os contendores: aquela terra era considerada ser de sua pertença! Estávamos a ter tempos complicados.

A trinta de Julho a CCAÇ 2791, FORÇA, a 3 GCOMB sai de Teixeira Pinto com “guia de marcha” para Bissau, onde vai tomar parte e ajudar na segurança de proximidade das chamadas “gentes do ar condicionado”, das suas “comodidades civilizacionais” e não só, já que corria à boca pequena que o Amílcar Cabral estaria disposto “sentar-se” na cadeira do Governador Spínola ?!?!

Já não tenho a certeza, mas creio que com o mesmo objectivo de segurança, também se deslocaram para lá efectivos dos Comandos,Páras e Fuzos à mesma estacionados em Teixeira - Pinto.

Devo confessar que sentimos um certo orgulho por nos ter sido atribuída essa missão, que julgámos ser sinal de reconhecimento meritório do nosso passado de intervenção activa.

A par de sentirmos esse orgulho, ficámos contentes e aliviados por nos terem dado esse ”trabalho”, já que em princípio ele seria sinónimo de “não porrada” naquelas matas meias lixadas em que por dá cá aquela palha se “apanhava nos cornos” (salvo seja!). Um gajo nem uma “mijadela” descansado atrás de uma árvore podia dar sem estar sujeito a que nos mandassem uns tiraços aos “tomates”!! Para fazer uma “evacuação fisiológica” era precisa a presença de um “bi- grupo de assistentes”…!! Que o diga quem por lá andou!

Esse orgulho ficou patente aquando da apresentação do Pessoal. A disciplina, o porte e o garbo traduziu-se espectacularmente nos batimentos e movimentos às ordens em Parada, não deixando os créditos por mãos alheias e pouco ou nada ficando a dever à Tropa Especial, comparativamente e nessa matéria, salvaguardando claro, a diferença de estilos.

Para além do mais, todo aquele armamento que usávamos dava na vista por sermos tropa “macaca”, tendo para mim que despertámos a curiosidade em muito boa gente que nos observou. O nosso Capitão Mamede, ”Miliciano de gema”, ficou ufano, ao que recordo! A sua Rapaziada da 2791 - FORÇA era assim e sei que ele se orgulhava e confiava nela e na sua homogeneidade de comando.

Aqui na cidade Capital, tudo seria na certa muito melhor! Umas “férias” sem contar eram um belo prémio. Tínha-nos saído a sorte grande!

A base da CCAÇ 2791 passa a ser o AGRBIS e os seus objectivos serão os patrulhamentos, escoltas, vigilância, emboscadas… assim como assumir posição de destaque em serviços de Bissau, como policiamento, segurança e guarda de instalações consideradas objectivos estratégicos.

Para concretizar estas directivas, os três GCOMB actuaram ao nível de GR ou de secção, conforme a necessidade. Ao meu 2.º GRUPO coube basicamente a segurança e defesa das instalações dos serviços de distribuição de água, na “Mãe de água”; “Central Eléctrica”; ”Emissora de Rádio”, para além de policiamento de Bissau. Para tal fraccionou-se em secções que alternavam creio com as do 4.º GCOMB. O meu Comando fixou-se, ao que recordo, na esquadra (?)da “Mãe de Agua” onde a Polícia, se a memória me não atraiçoa, me ficou subordinada. Daí fazia as inspecções às instalações onde a segurança era feita pelo meu Pessoal, uns patrulhamentos em viatura pela cidade permitindo-me conhecê-la um pouco melhor.

Nas “folgas”, que também as tínhamos, aproveitava-se para mergulhar mais fundo no “banho de civilização” inesperado e as capelinhas em lugares mais ou menos “esquisitos”, com maior ou menor chamamento à sensatez, não eram evitadas,…pelo menos em grupo, não tendo havido ao que sei, quaisquer tipos de incidentes “carnais” à conta de venais “criaturas” insinuantes, de diversas belezas e colorações!!

Na esplanada do “Bento” descansava-se a vista à fresca de umas loirinhas com “camarão - tremoço” observando o bambolear corporal feminino passeante que, coisa estranha, naquelas coordenadas e para mim, tinha outro “sabor”, vá-se lá saber porquê!!

“Pira” que aparecesse por lá era quase de imediato detectado e posto à prova com conversas vizinhas não directas mas audíveis, sobre acontecimentos bélicos terríveis e desastrosos que punham na certa o “desgraçado” com vontade de dar corda aos braços e nadar de volta a casa!! Depois vinha a intromissão:

- Donde és?

- …

- Para onde vais?

- …

É pá, calhou-te um dos piores sítios. É uma zona f…, estão sempre a “embrulhar”!Tiveste um azar do car… pá! F… pá nem queiras saber… ainda ontem…!!!”

As “conversas” do fiz e aconteci narrando feitos guerreiros dignos de filme também eram por vezes audíveis, emanadas por bocas em rostos não tisnados, prendendo a atenção de recém-chegados e não só!

Enfim, ditos “moralizadores” deste estilo “ajudavam à adaptação“ e punham um “Pira” a ver “turras“ em tudo o que era sítio!!!

No entretanto, as “loirinhas”… iam-se acumulando em cima da mesa!! Era uma parte da vida no dia-a-dia de uma cidade em que as fardas eram omnipresentes, fazendo pressentir uma guerra que se passava lá mais para longe. Para mim(nós) era o Paraíso!

Um abraço para todos

Luís Faria

Bissau > Esplanada do Bento

Bissau > Av da República

Fotos: © Luís Faria (2010). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6231: O 6º aniversário do nosso blogue (26): Parabéns Luís Graça por este Espaço de Memória Futura (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6156: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (28): Teixeira Pinto - O Bolo

3 comentários:

Jorge Fontinha disse...

Nesse período, tiveste mais sorte que eu.Nunca me calhou passear pela cidade.Pelo contrário houve uma vez que até fiquei sem almoçar, de serviço na "Mãe d'Agua", porque o Alferes Barros se lembrou de pedir boleia ao motorista que mo ia levar e o desviou, para os tais passeios por Bissau...Será que demorou mais tempo com a amiguinha, algures nalguma tabanca? Não bastava o barulho ensurdecedor das máquinas, à noite, que não deixava dormir.A mim não que eu dormia na mesma. Aquele abraço de sempre.

JORGE FONTINHA

Anónimo disse...

Caro Luís,

"Para fazer uma “evacuação fisiológica” era precisa a presença de um “bi- grupo de assistentes”…!! Que o diga quem por lá andou!"

Eu andei por lá!

Depois era ver os assistentes a praticarem o salto em comprimento quer fossem ou não atletas da especialidade.

Arrasoavam a sua sorte, claro, até ao dia em que lhes cabia o protagonismo. Nem camuflavam a cara traseira...Cavacos da guerra.

Um abraço do
José Câmara

Anónimo disse...

Caro Luís Faria

De regresso, não aos Infernos daquelas paragens, mas ao Paraíso do nosso blogue, nada melhor do que mais uma viagem às tuas memórias.

De facto, uma estadia dessas em Bissau naquela época, depois dos meses de sofrimento nas matas e bolanhas a Norte do Rio Costa (ou Pelundo) deve ter sabido às mil maravilhas e deixar-vos com água na boca e a morrer de inveja face àqueles que tão arduamente lutavam em Bissau !

Abraço
Jorge Picado