sábado, 22 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6454: Estórias avulsas (36): A sabedoria do “Homem Grande” (José Nunes, ex-1º Cabo do BENG 447)


1. O nosso Camarada José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo no BENG 447 (Brá, 15JAN68 a 15JAN70), enviou-nos em 21 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Das memórias que tenho da Guiné, não posso esquecer o meu ajudante na Central Eléctrica do QG, o Iotna - o meu balanta -, soldado do contingente do CTIG.

Sempre disponível, trabalhador, leal e cumpridor.

Que terá acontecido ao IOTNA? Será ainda vivo? Que fará ele hoje na dura luta pela sobrevivência na Guiné?

Aqui vai uma estória que se passou com o IOTNA:

Certo dia vi o Iotna muito sofrido e perguntei-lhe: “Que se passa?”

“Sabes dói-me muito minha cabeça!”

Fui buscar dois comprimidos LMs, que ele tomou, e mandei-o ir para a sua Tabanca.

No dia seguinte lá regressou o Iotna com uns ramos na mão.

“Deixa eu usar o teu placa.”

A placa era o disco eléctrico, que tínhamos para aquecer as refeições e cozinhar os nossos petiscos.

Fiquei curioso e a assistir ao que ele fazia, colocando as folhas em cima da placa que entretanto ia aquecendo.

As folhas aqueciam e o Iotna começou a pô-las sobre a cabeça, bem quentes.

"Mesinho prás dores." – dizia-me ele.

O dia foi decorrendo mas as melhoras não apareciam, até que ele me disse: “Tenho de ir fazer sangria.”

Eu fiquei incrédulo, pois sabia e já tinha visto fazerem sangrias a muares, mas nunca pensei que fossem efectuadas também a seres humanos.

Disse-lhe que era perigoso cortar uma veia, pois nem todos sabiam laqueá-la, mas ele insistiu que o “homem grande” da sua tabanca sabia fazê-lo e que era a única maneira de tratar tão incómoda dor.

E mais me disse, que tinha sangue a mais e pediu-me se podia ficar na Tabanca para fazer o “mesinho”.

Não lhe podia dizer que não, pois ele estava sempre a ajudar-nos a ter a Central impecável.

“Está bem, vai lá fazer o teu mesinho.”

No dia seguinte o Iotna não veio, fiquei preocupado a pensar se teria feito bem e se lhe teria acontecido alguma coisa.

Até o Iotna aparecer andei sempre angustiado, mas ele um dia apareceu todo lampeiro, sorridente e bem disposto.

Numa das "fontes" apresentava uma cicatriz sobre uma veia, cozida com um ponto.

Fiquei boquiaberto.

Como era possível tanta sabedoria acumulada no “homem grande”?

Que universidade frequentou ele?

Havia tanta coisa para aprender naquela tabanca.

Oxalá que o Iotna tenha continuado a sua vida e, onde quer que se encontre hoje, tenha ao menos boa saúde física.

Saudações cordiais.
José Nunes
1º Cabo Mec Elect do BENG 447

Emblema: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
__________

Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6453: Estórias avulsas (86): Os gémeos e o Regulamento Militar (Armandino Alves, ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da CCAÇ 1589)

Sem comentários: