1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2010:
Queridos amigos,
O trabalho do Rui de Azevedo Teixeira é incontornável para qualquer estudo que se venha a fazer alusivo à literatura colonial da guerra da Guiné.
Apelo a quem tem em seu poder os “Contos de Guerra” de Alpoim Calvão (Intertermal, 1994) e “Memórias das Guerras Coloniais” de João Paulo Guerra (Edições Afrontamento, 1994) tenha a bondade de mos emprestar.
Um abraço do
Mário
A guerra colonial e o romance português
por Beja Santos
“A Guerra Colonial e o Romance Português”, de Rui de Azevedo Teixeira (Editorial Notícias, 1998) é uma adaptação de uma tese de doutoramento arguida na Alemanha na Universidade Técnica da Renânia Vestefália, apresentada na Universidade Aachen. É portanto um documento científico sobre a literatura de guerra colonial, obedece a uma selecção de um conjunto de obras reputadas como muito importantes pelo autor: A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge; O Capitão Nemo e Eu, de Álvaro Guerra; Lugar de Massacre, de José Martins Garcia; Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes; Jornada de África, de Manuel Alegre; Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz; Percursos, de Wanda Ramos e Os Navios Negreiros Não Sobem O Cuando, de Domingos Lobo. Antes de ir ao cerne destes romances, Rui de Azevedo Teixeira procede a uma contextualização histórica do Império Colonial Português, enquadra as Forças Armadas na guerra de África, apresenta as três frentes de guerra, procedendo a um rescaldo que talvez seja útil aqui sintetizar:
“Para a maioria dos combatentes a experiência africana significou, basicamente, o seguinte: a primeira viagem de avião ou de barco; o primeiro contacto com compatriotas de outras regiões – o minhoto com o açoriano, o alentejano com o transmontano, etc; o primeiro espaço exterior a Portugal a ser conhecido; a concretização do espírito aventureiro dos vinte anos, a realização de sonhos adolescentes como conhecer África ou entrar numa floresta, ter arma de guerra ou assaltar um acampamento, seguir pistas ou preparar uma emboscada ou uma contra-emboscada; o despertar para o amor pátrio na instituição patriótica por excelência – as Forças Armadas, o gosto ou a repulsa pela sociedade armada; o primeiro, e quase sempre único, contacto com a morte violenta; o hábito do duche; a certeza das três refeições diárias; o forte sentido de pertença a um grupo – o grupo de combate; o conhecimento e a aceitação do negro; a avassaladora experiência da imensidão do espaço e da imobilidade do tempo; a inolvidável posse do poder último, do poder de matar ou poupar vidas (nomeadamente nas tropas especiais); o primeiro acto sexual completo”. Este rescaldo deverá incluir os traumas físicos e psíquicos, o autor não deixa de chamar a atenção para o que ficaram psicologicamente afectados e cita os estudos dos psiquiatras Afonso de Albuquerque e Fani Lopes, que têm vindo a ser bastante contestados nos últimos anos.
Segue-se a apresentação da estetização verbal da guerra, e aqui Rui Azevedo Teixeira anda bastante próximo das considerações expendidas por João de Melo em “Os Anos da Guerra”. Primeiro, distinguindo o fio condutor da literatura centrada sobre o conflito armado nas ex-colónias daquela que a precedeu em termos de temática puramente colonial. Segundo, recordando-nos que existiram escritores que defenderam a ideologia colonial. Terceiro, pondo igualmente em cima da mesa a contestação (mais ou menos velada) da literatura portuguesa contemporânea à própria guerra, como é o caso de Álvaro Guerra, Assis Pacheco e João Bação Leal. Quarto, a escrita em democracia, onde as vozes preponderantes tematizam a guerra com valores anti-colonialistas mas onde há também uma correntes ultra minoritária daqueles que mantiveram um sonho nostálgico do império. Ainda tendo em conta a argumentação de Rui de Azevedo Teixeira, é fundamentalmente uma literatura de alferes milicianos, das suas mulheres, de alguns oficiais do quadro, que se estriaram literariamente. Não esquecendo que a tese de doutoramento do autor foi apresentada no final dos anos 90, todo o seu vasto repertório sobre a literatura da guerra colonial refere as marcas essenciais da culpa e da geração, nos seus mais diversos matizes, o que é aliás o campo central da análise do doutorando.
Estamos perante um movimento literário que, como todos nós sabemos, permanece activo, os escritores do século XXI, com excepções honrosas (caso de Armor Pires Mota ou Cristóvão de Aguiar) aproveitaram a distanciação, disponibilidade ou a carga nostálgica para uma retoma da escrita já a caminho da idade sénior, pegando na literatura memorialista e até mesmo na pura ficção. Aliás, nas conclusões da sua tese, o autor lembra-nos que estudou um conjunto de romances canónicos em que os movimentos de fundo tinham exactamente a ver com a geração combatente ainda carregada de emoções e pronta a vazá-las na escrita (caso do Lobo Antunes ou Álvaro Guerra) seguiu-se uma corrente já com a catarse mais domada, um regresso a África com alguma patine (caso de Wanda Ramos e Lídia Jorge), culminando num conjunto de obras de grande pendor nostálgico (caso de Domingos Lobo e Manuel Alegre). Importa insistir que as obras analisadas se referiam ao universo literário que teve o seu termo no século XX, isto para sublinhar que o caudal de obras entretanto surgidas necessita de um outro tipo de ponderação. Ou seja, temos mais teses de doutoramento sobre a temática em perspectiva...
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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