quarta-feira, 31 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24357: Historiografia da presença portuguesa em África (370): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Caso se procure navegar com os céus brumosos, a documentação é rala e o que encontrei na Sociedade de Geografia de Lisboa não é muito abonatório para o senhor deputado nomeado pela Guiné e que vai aparecer em São Bento em 1911. O saudoso confrade Carlos Cordeiro encontrou o nome e intervenções de Gouveia (delas aqui se faz menção) agora há que ir procurar outras intervenções durante este mandato de 1911 a 1915. Permito-me voltar a pedir a todos que lerem este texto se souberem da existência de mais informações sobre a Casa Gouveia terem a amabilidade de me as transmitirem, a ambição era saber mais sobre Gouveia antes de vir para Guiné, o que fez em África, que benefícios lhe trouxe São Bento, como era o seu mundo de negócios até se criar o tandem Casa Gouveia/CUF, e posteriormente conhecer a evolução dos negócios, até à independência da Guiné. Quem pode ajudar?

Um abraço do
Mário



Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF:
Uma viagem interminável (3)


Mário Beja Santos

Segundo nos é dado a perceber, não há uma biografia de António da Silva Gouveia, sabe-se que chegou a África no último quartel do século XIX, constituiu empresa e notoriedade nos negócios, será deputado na Assembleia Constituinte, estará em São Bento até 1915, o nosso confrade Carlos Cordeiro (infelizmente já falecido) deixou aqui no blogue intervenções dele, é um domínio que espero mais tarde explorar consultando a documentação online do Parlamento referente à I República (ver as seguintes publicações:
Guiné 63/74 - P7107: Historiografia da presença portuguesa em África (37): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1.ª legislatura (1911-1915) (Parte I) (Carlos Cordeiro), disponível em: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/10/guine-6374-p7107-historiografia-da.html e ainda Guiné 63/74 - P7109: Historiografia da presença portuguesa em África (38): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte II) (Carlos Cordeiro) disponível em: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/10/guine-6374-p7109-historiografia-da.html.

Portanto, há que escavar até sair pepita. Na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa há dois documentos onde se fala de António da Silva Gouveia, deputado pela Guiné, há ali referências pouco elogiosas, como o leitor terá oportunidade de acompanhar.

Logo em "A Guiné nas Constituintes ou Misérias de Um Deputado", por Cândido Carlos de Medina, e a propósito em autos-crimes, extraio os seguintes parágrafos:
“Consta-me ouvir dizer a diferentes pessoas se têm praticado em Bolama os abusos e ilegalidades seguintes: para dar uma ideia geral do que era o Tribunal de Bolama, basta dizer que foi público e notório o ter sido denominado Tribunal da Baviera, pois que um dos compartimentos fora transformado em botequim ou cervejaria, onde se praticaram as maiores arbitrariedades tais como soltando criminosos sem mandado e desterrando para São Tomé dentro de três dias um criminoso que pediu recurso verbal.
A Fazenda Nacional foi enormemente desfalcada por assentimento dos magistrados capitão Costa Pereira, dr. Mourão, dr. Delgado de Carvalho e dr. Bernardo Nunes de Garcia a favor dos negociantes António da Silva Gouveia e António José Coelho de Mendonça nos inventários de António Pinto de Mesquita, ex-sócios destes últimos, e do tesoureiro da Província, Nicolau Carlos de Medina.
No inventário de António Pinto de Mesquita, cuja soma em dinheiro era calculada em cinquenta mil reis, foi apenas encontrada uma insignificância junta aos lucros que lhe deviam pertencer na Casa Gouveia & Cª. Este Mesquita tinha entrado para a Sociedade com sete contos e tantos em pesos e como não tinha herdeiros, se não se dessem as irregularidades, toda aquela fortuna entraria nos cofres da Fazenda Nacional. Como este processo envolvia sérias responsabilidades para a Casa Gouveia & Cª, desapareceu (segundo dizem) por combinação dos magistrados dr. Mourão e dr. Bernardo Garcia, que vindo de Cabo Verde para a Guiné, a fim de fazer uma sindicância prevaricou adquirindo grossas somas pela facilidade com que fazia desaparecer os processos no cartório a favor de alguns negociantes, de quem era advogado com procuração.”


Para não cansar o leitor com o relato destas traquibérnias, resta dizer que o nome da Casa Gouveia não aparece muito abonado, desapareceram grossas somas e aponta-se claramente o nome da Casa Gouveia e Mendonça. Mais adiante, Cândido de Medina refere uma escritura falsa feita por um escrivão interino da venda de uma casa de Francisco Rodrigues em Farim à Casa Gouveia & Cª por uma procuração falsa. Esta escritura é falsa, diz Medina, porque a procuração fora feita em papel muito sujo de moscas dois anos e meio depois da morte de Francisco Rodrigues e porque o dito Vasconcelos (o tal escrivão interino) já não estava em exercício quando a fez na Casa Gouveia. Os magistrados nesta denúncia, andam pelas ruas da amargura: “O dr. Mourão, indo a Bissau em serviço judicial, recebeu aí 537 mil reis dos rendimentos das propriedades do casal de Roberto Ribeiro da Cunha para serem depositados em Bolama no respetivo cofre. Pois esse dinheiro foi gasto em Bissau no jogo e em bebidas; e só mais tarde é que ele deu entrada no cofre, devido à amabilidade da Casa Gouveia & Cª que abonou essa quantia.”
E, mais adiante: “A Casa Gouveia & Cª pagou umas multas por infrações de lei dos selos nuns livros comerciais, multas que foram impostas por despacho do juiz Delgado de Carvalho que passou em julgado; pois essa Casa teve a facilidade de requerer e obter com pleno assentimento do representante da Fazenda Nacional a retribuição daquelas multas sem ser por meio de recurso algum.”

Muitas mais vezes António da Silva Gouveia aparece ligado a infrações, irregularidades e fraudes. Há a história de um arrolamento de bens, faz-se um inventário em março de 1896 e pode ler-se: “Havia mais dinheiro em cofre, mas penhorado, não constando que esse dinheiro fosse levantado. Havia uma dívida ao casal de 300 mil reis, devida por Francisco António Manuel Adolfo, conta que foi autorizada a respetiva execução; não consta que a quantia revertesse para o casal. Mais ainda. António da Silva Gouveia arrematou em hasta pública dois prédios do casal e veio a requerer que fosse dispensado de entrar no cofre com a quantia por que arrematou, visto ser credor de maior quantia. Foi-lhe indeferido o pedido e condenado nas custas do incidente.”

Passamos agora para a "Carta Aberta" assinada por Manoel António de Oliveira, dirigida ao deputado Silva Gouveia, ele acabara de receber o folheto de Cândido Carlos de Medina e diz, “prova-se que o senhor é pelo menos, se não o autor, cúmplice ou encobridor de fraudes e roubos feitos, uns à Fazenda Nacional, à Pátria, a nós o povo e outros, a viúvas e órfãos inocentes que hoje se encontram na miséria, enquanto o senhor deputado da Nação portuguesa, da nossa jovem República, negociante em grande escala e representante de bancos e companhias se banqueteia lautamente com o que pertencia a infelizes menores e que se encontram hoje a braços com a mais horrível miséria! E, neste constante subir, mercê de astúcias e embustes de toda a ordem, o senhor será elevado até às altas culminâncias do poder.
Sim, pelo que leio naquele folheto, as escada por onde tanto homem e órfãos remediados desceram à maior das desgraças, prestar-se-á hoje a dar subida ao homem que ontem, embora para fazer os seus arranjos, não tinha política definida e hoje se declara republicano da velha guarda, como se a República que tanto sangue custou, que tanta vida de homens sem mancha alguma engoliu, servisse para fazer subir ao mais alto pedestal criaturas que em público e com provas são acusadas de escândalos ou crimes desta ordem.”


É esta a única documentação existente sobre António da Silva Gouveia e a Casa Gouveia na Guiné no dealbar da I República, Gouveia foi eleito deputado, houve queixas da concorrência, há documentação de Graça Falcão que se julgava merecedor de ter sido escolhido, para este assunto a questão não é relevante, sabe-se que Gouveia em 1912 aderiu ao Partido Republicano Evolucionista, dirigido por António José de Almeida. Vamos continuar a procurar para se tirar o retrato de corpo inteiro deste Gouveia, na década de 1920 entra em negócios com a CUF, e assim aparecerá a mais importante empresa comercial e industrial da Guiné.

(continua)

Imagem de documentação em posse do Arquivo Histórico CUF-Alfredo da Silva
O vapor “Lisboa”, 1916
O rebocador “Estoril”, 1932
Navio a vapor “Costeiro”, 1922
Navio a vapor “Alferrarede”, 1927

Imagens de navios da Sociedade Geral, retiradas do blogue Restos de Colecção, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24338: Historiografia da presença portuguesa em África (369): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (2) (Mário Beja Santos)

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