Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 16 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24762: Notas de leitura (1625): "Militar(es) Forçado(s), por Maximino R. Costa; edição de autor, 2017 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Janeiro de 2022:
Queridos amigos,
Memórias por vezes de grande e intensa intimidade que nos são oferecidas por este furriel da Administração Militar, que entendeu fazer uma narrativa desde o dia em que partiu para a recruta, em Santarém, até ao momento do regresso, procurou participar em diferentes atividades em Bissau, esteve na constituição de um orfeão, jogou hóquei em patins, fez amizades, a sua amada Constança aqui viveu, a casa sempre aberta às amizades. Gosta-se da simplicidade desta escrita, não há farronca, nunca se arma em combatente, nunca lhe sai da pena descrições da guerra dos outros, nem finge que é cronista. A vida em Bissau decorreu amenamente, guardou as melhores recordações a despeito dos amigos que perdeu.
Um abraço do
Mário
Mais de 50 anos depois, as confissões de uma comissão doce na Guiné
Mário Beja Santos
Em edição de autor datada de 2017, Maximino R. Costa, que foi furriel no Batalhão do Serviço de Material, Bissau, nos anos de 1964 e 1965 tomou a decisão de passar a escrito toda a sua situação militar, de tudo quanto conheço jamais encontrei tanta minúcia na narrativa de uma recruta, desta feita na Escola Prática de Cavalaria, mas antes o ambiente familiar, o desvelo da mãe a preparar a mala, a vida de bairro ali perto da Praça do Chile, a entrada no quartel, a caserna, a recruta, o linguajar a soltar-se para o palavrão e calão, a ordem unida, as refeições e o seu conteúdo, os glutões da sopa, os fins de semana, os namoros do Mino com a Constança, as marchas cadenciadas, tudo com o equipamento da época a que não faltava o capacete, a instrução em Santa Margarida, a apreciação dos comandantes de pelotão, a semana de sobrevivência, bem dura, tudo sem bússola nem carta, só com indicações da gente do campo, segue-se o juramento de bandeira, toda ela com pormenores; e transitamos imediatamente para o Lumiar, a especialidade do Maximino será feita na Escola Prática de Administração Militar, uma vida muito mais calma, com um certo inesperado de patrulhas até à região de Loures, os “desenfianços”, já estamos em janeiro de 1962 o Maximino é primeiro cabo miliciano, o namoro com a Constança é uma mecha de felicidade, ele dá recrutas, tem gente de todo o continente português, inclusivamente o ciclista do Benfica Peixoto Alves; no entretanto, um bom número de cabos milicianos vão sendo promovidos a furriéis e bate-lhes à porta a ida à África, a vida no Lumiar era bem agradável, muita gente desatou a casar-se a pensar que isto da tropa eram favas contadas, nisto o Maximino (na obra de ficção o autor usa o nome Belarmino) é mobilizado, parte para a Guiné dias depois da Constança dar à luz, casaram um tanto apressadamente, mãe e sogra deram por aquele ventre a crescer, toca de ir à conservatória.
Dotado de boa memória, o autor lembra que em 4 de dezembro de 1962 levou a Constança ao cinema Tivoli a ver o filme Lawrence da Arábia, logo no dia seguinte vieram os dois de parto. Viagem para a Guiné com muito enjoo, o Maximino fica em Bissau, percorre a cidade, inteira-se do trabalho que lhe está destinado no Batalhão do Serviço de Material, logo próximo da porta de armas impunha-se a oficina de reparação de viaturas, ele foi colocado no conselho administrativo do batalhão, renova-se a minúcia das descrições e a apreciação dos colegas. A especialidade do Maximino era de Reabastecimento e Serviços Técnicos, consistia em participar no reabastecimento das unidades destacadas nas sedes dos diversos batalhões, mas entenderam que devia ir para o conselho administrativo, começam a chegar os aerogramas da Constança, o menino tem problemas de saúde, procura contextualizar o ambiente em que vive para que o leitor que ignore estas paragens tropicais fique a saber que há para ali um mosaico ético, que se fala crioulo, ele irá contribuir ativamente para a vida de um orfeão, jogará hóquei em patins, tudo corre numa extrema amenidade, ouvem-se uns tiros, há umas zaragatas, não faltam as patuscadas, chega entretanto o Zé Manuel Concha, já consagrado da rádio e televisão, com o seu duo Os Conchas, com notoriedade na rádio e televisão, dará o seus espetáculos, terá os seus arrufos, o Maximino consegue levá-lo às boas; morre um oficial no paiol, grande choque para o Maximino.
É altura dos jagudis, dos répteis, das aranhas, há muita pouca alusão à mosquitada. Apanha paludismo, vêm as férias, a família sempre em sobressalto, para todos os efeitos o Maximino está na guerra. Sempre profundamente enamorado, é com amargor que regressa a Bissau. Convida a Constança a vir com o menino, mas o Rui sofre de asma, encontra-se uma solução de compromisso, os pais da Constança aceitam a incumbência de tratar da criança, desfiam-se os pormenores do arranjo de casa, um albergue para várias famílias, a Constança adapta-se, o idílio prossegue, chegou a vez de sair de Bissau, vai até Mansoa, não faltam notícias de camaradas da recruta que morreram em combate, o tempo passava depressa, apareciam inesperadamente amigos, os amanuenses às vezes excediam-se nas festas e a Constança não gostava de ver o rescaldo de tanto álcool; há passeios a Quinhamel, há mudança de casa, descobertas na ilha de Bissau, às vezes perdem-se, o Batalhão do Serviço de Material é incumbido de organizar uma festa de despedida para batalhões que acabavam a comissão, Maximino não se fez rogado, dedicou-se à organização; Constança, na situação de grávida com algum risco, vai regressar a Lisboa.
Aproximava-se a passos largos o término da comissão de serviço da companhia que antecedera à chegada do furriel Costa, mais uma festa de despedida, sempre contando com fadistas. É neste ínterim que se dá um acidente na piscina em Nhacra, morre um grande amigo de Maximino, deixou profunda consternação, haverá um momento muito sentido no dia da missa dedicada àquele falecido, esteve presente o orfeão. O batalhão regressa à metrópole em 10 de dezembro de 1965, temos o texto do louvor que o furriel Costa recebe, segue-se a viagem de regresso, desembarca com a máquina de costura que Constança deixara em Bissau. Aquela terra ficara-lhe guardada no coração. O furriel Costa entendeu que a sua experiência devia fazer parte da literatura memorial da guerra da Guiné.
Aqui se deixa a essência do que se passou, desde a hora de partida para a recruta ao momento do regresso. E se a descrição da recruta impressiona pelo pormenor, há também o lastro da sinceridade, não há prosápia, nunca diz que está na guerra, nunca ilude que teve sempre a sorte do seu lado, apesar do registo que faz de se saber que a guerra se vai agigantando, há cada vez mais helicópteros em direção ao hospital militar, por vezes surgem problemas de consciência, ele pensa mesmo que devia ir para o mato, mas cede aos comentários de tudo a que ele faz é fundamental para quem vive naqueles pontos recônditos onde há flagelações, minas antipessoal e minas anticarro, um sobressalto permanente que a boa camaradagem alivia. ____________
Nota do editor
Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24753: Notas de leitura (1624): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (3) (Mário Beja Santos)
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1 comentário:
HONRA E PRAZER DE BEM SERVIR
Interessante esta divisa, teria sido concebida antes, durante ou depois da comissão. ?
PRAZER:
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Valdemar Queiroz
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