sábado, 7 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22440: Os nossos seres, saberes e lazeres (463): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Eu sou do tempo em que o Jardim Botânico pertencia à Faculdade de Ciências de Lisboa, ainda não sabia que o local se chamava Monte Olivete num espaço denominado Cotovia. Espaço de ensino de grandes tradições, aqui houve ensino jesuítico e Colégio dos Nobres, depois Escola Politécnica, foram atraídos jardineiros estrangeiros, para aqui convergiram coleções raras, grandes investigadores que deram renome a este jardim através da escola, houve um sério apoio político e científico, basta pensar em Andrade Corvo e no Conde de Ficalho. Dado o tesouro que representa o seu património está classificado como Monumento Nacional desde 2010. Não deixa de assombrar como espaço bem encenado, já não se entra pelo portão esquerdo, mas pelo portão direito do que é hoje o Museu de História Natural e da Ciência, parece que vamos a uma representação teatral no Teatro da Politécnica, hoje espaço reabilitado da velha Associação dos Alunos da Faculdade de Ciências, estamos num patamar superior, dragoeiros e cactos soberbos não faltam, há bancos para mirar à volta, em determinados ângulos temos mesmo as fachadas de prédios da Rua da Escola Politécnica, ali a menos de uma centena de metros viveram durante dezenas de anos o historiador José-Augusto França e o poeta Alexandre O'Neill, é um dos troços da chamada Sétima Colina que vai do Cais do Sodré ao Largo do Rato. Jardim com uma beleza imensa, por isso mesmo vamos ainda juntar mais algumas imagens e comentários na próxima semana.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (10)

Mário Beja Santos

O Jardim Botânico, hoje adstrito ao Museu Nacional de História e da Ciência, monumento nacional desde 2010, tem uma longa história na pesquisa científica, na medida em que estes jardins botânicos nasceram fundamentalmente para ensinar e investigar. Ao tempo da Escola Politécnica, que sucedeu ao Colégio dos Nobres e ao ensino jesuítico, o jardim integrava a Faculdade de Ciências. É longo o historial da formação de coleções de grande valor com espécies trazidas de todo o mundo, árvores e plantas vão sendo dispostas em diferentes patamares e daí o visitante encontrar sensíveis diferenças de temperatura enquanto sobe ou desce este esplêndido Jardim Botânico, concebido como horto com papel insubstituível na investigação botânica pura e aplicada, e como tal não é de estranhar possuir campos destinados à experimentação, estufas, entremeados de lagos, caminhos de pura fruição…

No início do ano de 1837 foi instituída a Escola Politécnica e a Lei determinava a existência de um Jardim Botânico. Foram encarregues da sua execução vários peritos credenciados, vieram jardineiros estrangeiros, ao tempo era estreita a ligação com o Jardim Botânico da Ajuda, este hoje dependente do Instituto Superior de Agronomia. Os peritos foram juntando coleções, foram feitas aquisições, houve doações de vulto de cidadãos nacionais e estrangeiros para fazer obras no jardim. Grandes políticos e estudiosos como Andrade Corvo ou Conde de Ficalho ficaram ligados a esta fase de instalação. Aqui e ali iam surgindo problemas novos, foi o que aconteceu em 1887 com a abertura do túnel da linha dos caminhos-de-ferro, o Túnel do Rossio, que intercetava a parte inferior do jardim. Há hoje obras que contam todo este histórico, é uma leitura que permite entender o valor incalculável que aqui se exibe a estudiosos e ao público.

O leitor mais curioso encontra no Google informação pertinente sobre a vastidão deste património. A diversidade de espécies é imensa (entre 1300 e 1500), a organização do espaço ajardinado é fascinante nos seus recantos e declives, o olhar passa rapidamente de aves monumentais e de grande porte para arbustos exóticos, e as palmeiras estão praticamente omnipresentes, vindas de todos os continentes, e daí a sensação que experimentamos de termos ingressado num mundo tropical.

As cicadáceas são um dos ex-libris do Jardim. Autênticos fósseis vivos, representam floras antigas, que na maioria se extinguiram e que só em jardins botânicos se conservam. O Jardim é particularmente rico em espécies tropicais originárias da Nova Zelândia, Austrália, China, Japão e América do Sul, o que atesta as peculiaridades dos diferentes microclimas criados neste Jardim pela implantação topográfica em que se insere. Na classificação como Monumento Nacional em 2010, integra-se todo o património artístico (esculturas) e edificado que nele se encontra: Observatório Astronómico da Escola Politécnica, Edifício dos Herbários, Estufas, Palmário, e antiga estufa em madeira.

Mas porquê colocar o Jardim Botânico neste local? Este lugar era conhecido no passado como Monte Olivete, tinha já mais de dois séculos de tradição no estudo da Botânica, iniciado com o colégio jesuíta da Cotovia, aqui sedeado entre 1609 e 1759. Aqui se escreve no que vem nos textos divulgativos que encontramos na internet.

A enorme diversidade de plantas recolhidas pelos seus primeiros jardineiros, o alemão E. Goeze e o francês J. Daveau, provenientes dos quatro cantos do mundo em que havia territórios sob soberania portuguesa, patenteava a importância da potência colonial que Portugal então representava, mas que na Europa não passava de uma nação pequena e marginal. Edmund Goeze, o primeiro jardineiro-chefe, delineou a “Classe” e Jules Daveau foi o responsável pelo “Arboreto”.

A elevada qualidade do projeto, bem ajustado ao sítio e ao ameno clima de Lisboa, cedo foi comprovada. Mal acabadas de plantar, segundo o caprichoso desenho das veredas, canteiros e socalcos, interligados por lagos e cascatas, as jovens plantas rapidamente prosperavam, ocupando todo o espaço e deixando logo adivinhar como, com o tempo, a cidade viria a ganhar o seu mais aprazível espaço verde e o de maior interesse cénico e botânico. Em pleno coração de Lisboa e em forte contraste com o seu bulício, as cores e as sombras, os cheiros e os sons do Jardim da Politécnica dão recolhimento e deleite.

A maior intervenção na área do Jardim ocorreu no final dos anos 30 e princípios dos anos 40 do séc. XX, por influência do então diretor Ruy Telles Palhinha: a primitiva ordenação sistemática do plano superior do Jardim foi substituída pelo agrupamento das espécies em conjuntos ecológicos.

As coleções sistemáticas servem vários ramos da investigação botânica, demonstram junto do público e das escolas a grande diversidade de formas vegetais e múltiplos processos ecológicos, ao mesmo tempo que representam um meio importante e efetivo na conservação de plantas ameaçadas de extinção.

Autênticos fósseis vivos, representam floras antigas, que na maioria se extinguiram. Hoje, são todas de grande raridade, havendo certas espécies que só em jardins botânicos se conservam. O Jardim é particularmente rico em espécies tropicais originárias da Nova Zelândia, Austrália, China, Japão e América do Sul, o que atesta a amenidade do clima de Lisboa e as peculiaridades dos microclimas criados neste Jardim.

Na esteira do que acontece na generalidade dos jardins botânicos, também este Jardim, em estreita colaboração com os restantes departamentos do Museu desenvolve, em permanência, ativos programas de educação ambiental, para os diferentes níveis etários da população estudantil e oferece visitas temáticas guiadas.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22419: Os nossos seres, saberes e lazeres (462): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (2) (Mário Beja Santos)

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