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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19161: Notas de leitura (1116): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (58) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Março de 2018:

Queridos amigos,
Aquele gerente de Bissau tem um relacionamento preferencial com as altas instâncias da administração do BNU. Todas as peripécias sobre Fernando Correia, que estava à testa dos negócios em Bissau da Sociedade Comercial Ultramarina, a sua substituição, por razões de uma cunha, e sob a discreta acusação de que praticara mão baixa, as ofertas de emprego que o Governador da Guiné lhe propõe, a sugestão de se fazerem casas de férias em Varela, as tensões com a Casa Gouveia, a grande rival da Sociedade Comercial Ultramarina, afloram nesta correspondência dirigida a Gastão de Bessone Basto e Francisco Vieira Machado.
Aqui se publica, com mera curiosidade da pequena História, a passagem do Duque de Bragança, D. Duarte Nuno, por Bolama, a caminho do Rio de Janeiro, com absoluta discrição do Ministro das Colónias e do Governador da Guiné foi acolhido nas instalações do BNU de Bolama, houve que trazer faqueiro, móveis e tapetes de Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (58)

Beja Santos

Não é de mais insistir que este avulso acervo documental depositado no Arquivo Histórico do BNU é, por definição, heterogéneo, abarca desde considerações pessoais, a pedidos de mobília e utensílios até documentadas exposições sobre o comportamento comercial dos grandes exportadores de mancarra.

Há pedidos aparentemente bizarros, o leitor da documentação não deve abstrair como o mercado de Bissau tinha infindáveis limitações e daí o recurso insistente para virem objetos de utilidade pessoal a partir de Lisboa, mesmo que a sede fosse reticente em proceder a tais envios.
Vejamos esta carta de 12 de março de 1958 em que António de Aguiar a partir de Lisboa se dirige ao gerente do BNU em Bissau:
“Em 5 do corrente recebemos o seu telegrama de 4 do seguinte teor: enviem primeiro avião um par óculos miopia quatro dioptrias. O Banco não se ocupa destes assuntos pois estão fora das suas funções especiais, mas por consideração por essa gerência damos ordem ao nosso arquivo para lhes enviar os óculos pedidos.
As casas da especialidade exigiram que se lhes indicasse a distância pupilar, sem o que não forneciam os óculos e em 8 telegrafámos como segue: Seu 4 óculos telegrafe distância pupilar. Em resposta recebemos em 10 o telegrama de 9 dessa agência: Seu ontem distância normal. Comunicámos este conteúdo ao nosso arquivo para dar andamento ao assunto, o qual nos comunicou o que abaixo se transcreve: Os oculistas, consultados sobre os óculos para Bissau, esclarecem que é necessária a distância pupilar, observa-se que a distância normal é variável. Dizem que é muito fácil obter essas dimensões desde que se coloque um metro ou uma fita métrica sobre o nariz, estando a pessoa, a quem se tira a medida, a olhar bem de frente, a outra pessoa medirá do centro de uma pupila ao centro da outra pupila a distância que se pretende saber.
Posto isto, queiram considerar-nos desligados do assunto.”

Recuemos a 1957, encontram-se no arquivo cartas de grande interesse, uma dirigida ao administrador Gastão Bessone Basto e as duas seguintes a Francisco Vieira Machado, o governador.
Diz-se na carta de 27 de março dirigida a Bessone Basto:
“Penso haver alguma utilidade em relatar-lhe o que tenho sabido e observado quanto à saída do Fernando Correia da Sociedade Comercial Ultramarina. Em carta apressada disse-lhe o que tinha sabido pela boca do Dr. Serra Brandão e transmiti-lhe uma primeira impressão, agora conheço mais versões.
Comecemos pelo princípio. Em Dakar, em 10 de Março, fui abordado por dois rapazes que se apresentaram: Comandante Dr. Serra Brandão e Dr. Camacho Coelho. O último tinha estado dois meses na Guiné em visita de inspecção à Sociedade Comercial Ultramarina, o primeiro havia-se demorado um mês, na sua qualidade de administrador da mesma Sociedade.
Disse-lhes que sabia da visita do Serra Brandão à Guiné e perguntei-lhe como iam as coisas com o Fernando Correia. Que estava tudo arrumado e pela melhor forma, respondeu-me. Que tinham chegado a completo acordo, acrescentei que me alegrava por saber o caso arrumado, visto que a situação do Fernando Correia na Sociedade Comercial Ultramarina não podia ser indiferente ao BNU.
Houve um certo engasgamento e quando eu dava outro rumo à conversa o Serra Brandão dispara: ‘V. Ex.ª sabia que o Fernando Correia tinha pedido a demissão propondo-se sair em Dezembro. Ora isto não era possível. Ou saía já ou saía depois de Dezembro. Concordou em sair já. E já está nomeado gerente da Sociedade Comercial Ultramarina o Dr. Ribeiro e o Fernando Correia sairá definitivamente no fim do mês.
Confesso que a coisa me deixou sem fala, entre a dúvida se aquele sujeito se tinha entretido a chuchar comigo ou se se tratava de um caso de palermice qualificada. O Serra Brandão leu certamente a coisa na minha cara e acrescentou: ‘Ficou tudo arrumado e nos termos mais amistosos. O Fernando Correia confessou ao Dr. Camacho Coelho que de facto nos tinha metido algumas rasteiras, que não tinha sido inteiramente leal com a nova administração da Sociedade.’
O Grave Leite, que assistia à conversa perguntou: ‘E o que vai fazer o Fernando Correia?’ Resposta do Dr. Serra Brandão: ‘O Fernando Correia disse-nos que tudo dependia da indemnização que a Sociedade lhe vier a dar. Se atingir determinada quantia, liquidará compromissos que tem e virá para a Metrópole. Caso contrário, terá de continuar em África’.”

O autor da carta dá-nos saborosos detalhes, o tal Fernando Correia teria praticado deslealdades, fora forçado à demissão. Foi depois conversar com Fernando Correia, este expressara ao autor ter havido má vontade da nova administração, fora intimidado a pedir a demissão ou a ser posto na rua. Fernando Correia dizia ao autor da carta que a hostilidade do Dr. Serra Brandão tinha dois motivos essenciais, não querer que houvesse na Sociedade quem, como ele, estivesse fiel e ligado ao BNU e o Dr. Serra Brandão queria arranjar uma situação para um amigo íntimo, o tal Sr. Ribeiro, que ele, Fernando Correia, considerava pessoa sem qualidades para o desempenho do cargo. Fernando Correia alegava ter trabalhado durante 26 anos, fora sempre servidor dedicado acima de tudo ao Banco (mesmo depois da venda da Sociedade Comercial Ultramarina à Sociedade Nacional de Sabões), pedia ao Banco que utilizassem qualquer serviço.

E o autor da carta mostra-se insinuante:
“A impressão causada na Província pela saída do Fernando Correia não é favorável à Sociedade Comercial Ultramarina. Considera-se que se cometeu uma injustiça e, sobretudo, que a Sociedade Comercial Ultramarina, privada da sua peça essencial, administrada por senhores que só conhecem a Guiné por ouvir dizer e gerida por um rapazola sem prestígio, caminha para um desastre retumbante. Estive no domingo em Catió, em casa do Sr. Álvaro Camacho, o maior produtor de arroz da Guiné e o primeiro cliente da Ultramarina. Considera a saída do Fernando Correia um disparate, mais um disparate a juntar à série de disparates que a Sociedade Comercial Ultramarina tem cometido desde que pertence à Sociedade Nacional de Sabões, disparates que só o Fernando Correia tem remediado. Não terminarei estas notas sem lhe dizer que o Fernando Correia disfruta em toda a Província de um real prestígio. É certo que distingue sobre ele o prestígio inerente a ser o gerente da Sociedade Comercial Ultramarina. É o presidente, respeitado e acatado, da Associação Comercial. É vogal do Conselho do Governo. É vogal da Administração do Porto. Peço-lhe que transmita aos nossos colegas o pedido do Fernando Correia, visto que foi formulado ao Banco por meu intermédio.”

O mesmo autor da carta escreve em Bissau em 28 de março para Francisco Vieira Machado, em Lisboa:
“Como é sabido, a Guiné Portuguesa está situada na zona tropical, a meio entre o Equador e o Trópico de Câncer, entre o Atlântico sul e o enorme bloco continental sudanês-sariano. A sua situação geográfica caracteriza o clima com a existência de duas estações, com uma temperatura média anual à volta de 26,6º e uma humidade que ronda os 86%.
O clima é, pois, extremamente depauperante, sobretudo para os indivíduos vindos da Metrópole ou, mesmo, de Cabo-Verde.
Independentemente de outras razões, o Banco tem toda a vantagem em que os empregados desta Dependência se recuperem dos efeitos do clima guineense por forma a darem melhor rendimento do que o até aqui obtido.
Sucede que na própria Província existe uma praia que pelas suas excepcionalíssimas condições climatológicas permite uma óptima recuperação. Trata-se da praia de Varela, situada na Circunscrição de S. Domingos. Há uns anos a esta parte, Varela começou a ser ‘descoberta’ e a ter uma frequência que se vai acentuando. O governo da Província está interessado em fazer de Varela a estação de repouso dos funcionários públicos e de quantos necessitam de uma mudança de clima. Para tanto: facilitarem-se os transportes, reduzindo-se a 205$00 ida e volta por pessoa a viagem de avião; subsidia-se o concessionário do restaurante por forma a que uma diária completa custe 150$00 para casal e 75$00 por pessoa; alojam-se os turistas, com preferência para os funcionários nos bungalows propriedade do Governo, estando o custo desta hospedagem incluído na diária; fazem-se captações de águas, instalação eléctrica, etc.

Pensa o atual Governador, com quem troquei impressões acerca desta praia e seu futuro, que Varela seria o local de repouso e recuperação de quantos aqui trabalham através das facilidades que vai concedendo, contribuindo essas mesmas facilidades para intensificar a frequência dos europeus residentes na Guiné Francesa, sobretudo de Ziguinchor. Quanto ao grande turismo internacional pensa – e a meu ver muito bem – que o arquipélago dos Bijagós poderá vir a ser um estupendíssimo centro de atracção, dadas as suas excepcionalíssimas condições de exotismo, desporto e beleza natural.
À semelhança do que está estabelecido para os empregados do Continente – e aqui por maioria de razões – proponho que seja concedido aos empregados da Dependência de Bissau um subsídio de férias, pelo menos igual ao estabelecido pelos CCT do Continente, mas só para os que se proponham gozar as suas férias em Varela. Com efeito, não se justifica tal subsídio para um empregado que resolve gozar as férias em Bissau ou em qualquer outro ponto da Província – que são todos piores que Bissau.
Proponho, ainda, que o Banco mande construir em Varela dois bungalows, cada um com dois a três quartos e uma ou duas casas-de-banho. O preço destas construções não será superior a 60$00 por bungalow. A oportunidade da elaboração dos projectos e adjudicação da construção seria a mesma da edificação das moradias dos empregados.
Peço a V. Ex.ª que transmita os meus mais afectuosos cumprimentos aos nossos colegas. O melhor abraço do seu amigo certo e muito dedicado.”

Lendo as duas missivas, pelo teor das mesmas infere-se rapidamente que o autor da carta é o gerente de Bissau, como se vê altamente bem relacionado a nível da administração em Lisboa.
A preparar-se para viajar no “Ana Mafalda” a 8 de abril desse mesmo ano dirige-se ao governador do BNU, tem novidades:
“Tive uma curiosa conversa com o Governador acerca da Sociedade Comercial Ultramarina. Começou por me anunciar que ia nomear Presidente da Câmara Municipal de Bissau o Fernando Correia. Justificou a nomeação por ela corresponder a um movimento unânime das pessoas representativas de Bissau e deplorou o erro gravíssimo em ter sido substituído na gerência da Sociedade Comercial Ultramarina.
A conversa continuou acerca da Ultramarina, tendo-me o Governador manifestado a opinião de que a empresa corre aceleradamente para um desastre. Está entregue, aqui, a um rapaz estimável mas sem a menor experiência. Os sujeitos de lá (como o comandante, Dr. Serra Brandão) não perceberam nem percebem que os esquemas teóricos não correspondem de modo nenhum às realidades guineenses.
A conversa foi muito longa e eu gostaria de dar apenas o essencial pelo que a resumo num dos seus passos: a situação criada pela saída do Fernando Correia pôs os concorrentes da Ultramarina em euforia porque irão rapar-lhe toda a clientela que tenha interesse.
A coisa, como V. Ex.ª vê, não está brilhante e os interesses do Banco não se defendem, apenas, com mais ou menos garantias. Se a Ultramarina se estende, entregam-nos um cadáver porque não são os prédios que numa empresa destas têm valor. O seu valor está no potencial económico, constituído ao longo de muitos anos e que numa campanha – que pode ser a próxima – se pode totalmente perder.”

(Continua)

Com os cumprimentos de Saúde e Fraternidade, uma carta dirigida ao Dr. Malva do Valle, comissário do Governo junto do BNU, com data de 3 de março de 1921, uma queixa acerca da gerência da Filial de Bolama sobre a importância de direitos alfandegários.

Notícia do jornal Arauto, 7 de abril de 1957 sobre a independência de Singapura, a descolonização na Ásia e em África estava já na rampa de lançamento.

Carta do gerente Virgolino Pimenta endereçada para a sede em Lisboa, dando notícia da estadia em Bolama de D. Duarte Nuno de Bragança, a caminho do Rio de Janeiro, onde vai casar-se. Em junho de 1942, o duque de Bragança faz uma curta estadia em Bolama, é deferentemente acolhido pelo gerente de Bissau, chegado ao Rio agradece por telegrama. Sempre pragmático, Virgolino Pimenta termina a carta dizendo que se fizera uma despesa de 730$00, que a Filial adiantara sob a sua responsabilidade, o Governo da Colónia pagaria a conta.
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Notas do editor:

Poste anterior de 26 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19137: Notas de leitura (1114): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (57) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19146: Notas de leitura (1115): Quem mandou matar Amílcar Cabral, reportagem publicada no Expresso em 16 de Janeiro de 1993 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18123: Notas de leitura (1025): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Assistimos a uma retoma de críticas, o gerente da filial de Bolama verifica que a cupidez, a avidez do lucro em muito excede as boas intenções com que se criam granjas e se lançam culturas, se fazem experiências que depois redundam em fracassos, atendendo à pobreza dos solos e à inclemência climática.
Um gerente de uma filial do BNU está atento à evolução da praça, ao aparecimento de novos agentes económicos, neste caso a Sociedade Comercial Ultramarina, com quem o BNU irá estreitar laços. Não é por acaso que se escolhe como imagem a visita de uma delegação vinda de Lisboa para apreciar as atividades da Sociedade Comercial Ultramarina, a fotografia foi retirada em Bafatá, todos felizes a olhar a câmara, rodeados da fartura dos sacos da mancarra.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14)

Beja Santos

A manifesta decadência de Bolama, que se tem vindo a prenunciar nos últimos anos, e de que os relatórios de filial não escondem a situação, aparecem reforçados com os dados do relatório de 1929. Logo quando fala da situação da praça:
“Carateriza-se por acentuada falta de dinheiro no mercado, a par de manifesta frouxidão nas transações de caráter mercantil.
Os estabelecimentos comerciais estão repletos de mercadorias, mas estas não têm saída.
O indígena, a quem outrora serviam todas as bugigangas e artefactos que se lhes punha diante dos olhos, começou já a descrer da sua própria solvabilidade, capacitado que apenas lhe resta o mínimo de existência, o que aliás é rigorosamente exato.
O fenómeno que se regista em Bolama é o mesmo que se observa em todos os demais pontos da colónia.
Avizinha-se a campanha da mancarra, época de maior movimento comercial, mas não havendo até agora fundada esperança nas cotações que têm vindo do estrangeiro, o comércio está receoso de que este ano seja o de mais um desengano, no que respeita aos afamados lucros da mancarra. De facto, se este vaticínio se confirmar, mais se agravará a crise que está atravessando o comércio local”.

Dá a notícia que desde o ano anterior iniciaram as suas operações duas firmas comerciais de relevo, a Sociedade Comercial Ultramarina e Carvalho de Abreu, Lda, dizendo que ambas gozam de bom crédito e têm as suas casas principais em Bissau. Apresenta a primeira do seguinte modo:
“A Sociedade Comercial Ultramarina dedica-se à compra de géneros coloniais em larga escala, nomeadamente mancarra, porque não deixará contrariar a Casa Gouveia, que assim fica tendo com quem competir. Por nosso lado, encaramos debaixo dos melhores auspícios o aparecimento da Sociedade Comercial Ultramarina em Bolama e contamos melhorar os nossos resultados desde que sejamos autorizados a fazer-lhe adiantamentos de fundos destinados à compra da mancarra”.

Num anexo a este relatório, o gerente introduz outros tópicos que se prendem com a vida e o desenvolvimento da colónia. Refere que foi publicada legislação sobre a nova divisão administrativa da colónia, criando o quadro das intendências. Ter-se-ia em vista uma rigorosa seleção do pessoal, expurgando o respetivo quadro de todos os elementos competentes que o favor da política tem facilitado o ingresso. Mas o documento deixa abertamente uma crítica:
“Foram promulgadas as bases do concurso para o provimento das vagas criadas por virtude da reforma que ao de leve nos permitimos analisar.
Coisa singular esta dos concursos! O mesmo pessoal de outrora, sobre cujos deficientes conhecimentos a legislação refere, este pessoal por inteiro ingressou no novo quadro, agravado agora o mal com a sua ascensão a categoria imediatamente superior à que desfrutava antes da nova organização.
Não se compreende bem o fenómeno; mas por certo não lhe é estranho o mesmo favor da política quem em regra ladeia as nomeações públicas”.

E dirige a agulha dos seus comentários para a agricultura:
“Sob o ponto de vista agrícola, diremos a V. Exas. que não compartilhamos da opinião do que ainda pensam que a agricultura científica seja capaz de trazer benefícios, ainda os mais reduzidos, à entidade particular ou oficial que tomar sobre si tal empreendimento.
O solo da Guiné está longe de ser fértil, como soe dizer-se. É facto que em alguns ensaios feitos encontram-se árvores exóticas e não aclimadas, como que pretendendo demonstrar serem fecundos os campos onde tais ensaios se fizeram. Mas com tão insignificante resultado não pode contar quem pretenda fazer agricultura em larga escala.
É facto, e bastante lisonjeiro, que o atual governador, desde a sua chegada à colónia, tem procurado dar a maior expansão à agricultura. Nesse sentido alargou bastante a esfera de ação da Repartição de Agricultura, que tem a sua sede em Bor. Há ali instrumentos e alfaias agrícolas de muito valor, tendo os respetivos serviços a dotação orçamental de 460.000$00 para despesas de fomento.
Como se vê, são fartos os recursos de que dispõe a agricultura. Resta porém saber se os trabalhos realizados são de molde a conduzir o indígena a modificar spont sua o método de trabalho que os seus avoengos já usavam.
Por iniciativa do governo da colónia, foram criadas granjas administrativas em todas as Intendências e Residências”.


Os intendentes revelavam estar a pôr muita fé e entusiasmo nestes empreendimentos, recordando que Fá, Estrela Farim, a Insular da Guiné e outras mais granjas foram tentativas que falharam não porque lhes tivessem faltado os bons terrenos e o auxílio oficial mas porque mas porque o seu objetivo não seria somente a agricultura. E o intendente disse abertamente ao governador:

“V. Exa., colonial experimentado, que conhece Angola, Timor e a Índia, não ignora, certamente, que são organizadas companhias tendo este único objetivo ou finalidade – arranjar dinheiro!”.

O Intendente de Bolama tinha a seu cargo a granja de S. João onde fez plantações. 700 mangueiras, 525 bananeiras, 160 tangerineiras, 450 coqueiros, 20 papaeiras, 1 abacate, 6 pinhas, 25 pés de café Libéria, 8 laranjeiras e 1200 pés de ananás. Porém um grande número destas plantas estava em risco depois de terminarem as chuvas e o mesmo futuro pare estar reservado às restantes que vão resistindo a custo devido à pobreza do terreno.

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 15 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18090: Notas de leitura (1023): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18100: Notas de leitura (1024): Tera Sabi, receitas da gastronomia tradicional guineense, 2.ª Edição (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
É certo e seguro que virá o dia em que se procederá a um estudo minucioso sobre a Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, as duas grandes empresas funcionarão nas últimas décadas da Guiné colonial.
O BNU foi gradualmente interessado em fazer crescer o seu capital na Sociedade, atenda-se ao importante relatório elaborado em 1957 por Castro Fernandes, sem ambiguidades defendia que o BNU devia entrar numa concorrência mais agressiva com a Casa Gouveia, e preconizava negócios. O que a documentação permite registar são perdas sucessivas até anteriores ao início da luta armada, depois desta gerara-se uma situação artificial que eram as importações para os contingentes militares, mas não havia ilusão que os objetivos fundamentais à volta do descasque de arroz, do coconote, da mancarra, das experiências com o caju, o fabrico de óleo, tudo aparecia ameaçado. E a documentação também permite verificar que os últimos negócios em companhias de pesca e de cervejas não iriam ter um futuro lisonjeiro, tudo se esbarrondou e no caso da CICER com muitas culpas para a governação da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76)

Beja Santos

É chegado o momento de apreciar no acervo da documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU o que nele consta da Sociedade Comercial Ultramarina.

Importa esclarecer que esta Sociedade se constituiu em 19 de fevereiro de 1923, o seu capital social foi engrossando ao longo do tempo e se inicialmente era de 2 mil contos em 8 de janeiro de 1968, por incorporação de créditos do BNU e da Sociedade Nacional de Sabões, em partes iguais, o capital social foi elevado para 46.500 contos. A participação do BNU correspondia, à data de 1968, a aproximadamente 44% do total.

A Sociedade dedicou-se ao comércio em geral e à exportação, teve uma existência atribulada, com prejuízos sucessivos que chegaram a totalizar, no termo do exercício de 1967, a uma verba aproximada de 40 mil contos, além de ter o ativo deteriorado, por ausência das devidas amortizações e provisões.

Chegou a ser prevista a liquidação da Sociedade, mas a partir de 1968 passou a apresentar alguns lucros e assim foi reduzindo o prejuízo acumulado para cerca de 32 mil contos em 1972. Houvera recuperação. Em janeiro de 1973, o Conselho do BNU autorizou novos financiamentos, sob a forma de novo crédito destinado a determinados investimentos ou para adiantamentos sobre vendas, desdobramento de crédito para compra de mancarra, etc.

Terá talvez interesse vermos o relatório de 1963, ano em que eclodiu a luta armada. Começa por se dizer que os acontecimentos político-militares que afetaram o Sul da Província tiveram graves repercussões na cultura do arroz, nas transações comerciais, nos transportes, nos encargos e no sossego das populações. O total dos prejuízos verificados em consequência das pilhagens e destruições feitas pelos agitadores atingiu os 3.777.369$60. A estes prejuízos diretos haveria que adicionar o decréscimo de receitas resultante da paralisação e redução de certas atividades. Haveria também a contar com o agravamento da tributação fiscal. A campanha de arroz processara-se normalmente. Relativamente ao coconote, as fracas cotações dos mercados internacionais tinham-se repercutido no preço de compra ao produtor. Houve decréscimo em relação às compras de anos anteriores e no que respeita ao arroz também a baixa foi substancial, o Governo fora forçado a proceder à importação para ocorrer às necessidades da população. Registava-se um aspeto positivo, e assim se escreveu: “Se por um lado se reduziu a actividade de descasque de arroz em virtude da baixa de produção verificada, podemos anunciar, após a conclusão das morosas e indispensáveis obras na central de vapor a reentrada em funcionamento da nossa fábrica de óleos, estando a aumentar consideravelmente a colocação no mercado interno do óleo de amendoim e do sabão produzidos nas nossas instalações”. Propunham-se medidas cautelares, no contexto da subversão: “As especiais circunstâncias em que actualmente vive a Província, criando à empresa dificuldades de várias ordens que se não pode prever quando terminarão, parecem justificar a utilização, embora discutível do ponto de vista técnico, dos saldos de todas as contas Amortizações e Provisões na redução do saldo dos prejuízos do exercício de 1960”.

Em 28 de abril de 1966 apresenta-se aos acionistas o balanço do ano anterior, assim se inicia o texto:
“Apesar do esforço militar desenvolvido na Província no ano de 1965, vários factores em que sobressaem o auxílio efectivo dado aos rebeldes pelos Estados vizinhos, o apoio internacional de carácter político e financeiro de que beneficiam e a vulnerabilidade das nossas fronteiras impediram uma melhoria da situação com reflexos sensíveis na vida económica da Província. Pelo contrário, os reflexos da agitação e da repressão nos anos anteriores fizeram-se sentir profundamente na cultura e comercialização dos produtos agrícolas que se situou em 50% do volume normal. Infelizmente, no seu conjunto, prevê-se um agravamento para o ano em curso do qual, nesta data, já estamos a sofrer as incidências de ordem financeira”.
Dava-se conta da compressão de despesas, do afastamento de alguns empregados, do atraso nas reparações nos barcos, na privação de transportes em meios terrestres. O afluxo crescente de tropas trouxeram aspeto de prosperidade comercial em Bissau, era facto que o comércio florescia graças à importação de bens de consumo destinados aos europeus. A Sociedade Comercial Ultramarina procurava reduzir o saldo negativo e informava-se que a cerveja Sagres ocupava o primeiro lugar nas importações. Decrescera a campanha da mancarra em 1965, felizmente que o preço internacional do coconote já era mais favorável, importava-se maciçamente arroz mas as dificuldades saltavam à vista, como se redigiu: 
“As nossas instalações fabris, dada a falta de matéria-prima, trabalharam durante uns curtos períodos ao longo de todo o ano, bem se podendo dizer que o fizeram com o duplo intuito de não dispensar pessoal e de não encerrar uma das duas instalações fabris com significado na vida da Província. A necessidade de mantermos as oficinas em funcionamento para prestação de serviços às nossas frotas de transportes e reparação urgente de edifícios, assim como a utilização de armazéns de produtos ultramarinos impediriam, em qualquer caso, o encerramento do Bloco Industrial e a completa supressão dos encargos com a sua administração, guarda e conservação”.

A situação da Sociedade degradara-se e muito, explicava-se porquê:
“Três anos de guerra na Província causaram até agora a esta empresa avultados prejuízos que atingem a dezena de milhares de contos, sendo 4 mil de prejuízos directos resultando de actos de terrorismo e das operações militares de repressão. Em consequência de se terem agravado ultimamente os reflexos da situação política e militar na vida económica da Província e na actividade da empresa, agravou-se a situação de tesouraria desta Sociedade, em condições que causam estrangulamento na sua actividade comercial.
Nestas condições, considerando que o BNU é o principal e mais directo interessado nos resultados desta empresa, pelo que eles significam como possibilidade de amortização de passivo e pagamento normal de juros, foram iniciadas diligências junto da respectiva Administração com vista a ser encontrada uma solução que alivie a empresa temporária ou definitivamente de alguns dos seus encargos financeiros.”

Bem elucidativa é a ata do Conselho de Administração da Sociedade com a data de 20 de março de 1970. O administrador fez uma larga e pormenorizada exposição da sua recente visita à Guiné, assistira à inauguração do descasque de Bafatá. Era crescente a importação de mercadorias, caso das importações de cerveja e combustíveis. Mas não era eludível a situação bastante crítica em que se encontrava a Sociedade, com o elevado dispêndio de gastos gerais, o equipamento estava decrépito, afora alguns bacos e o descasque de arroz, o resto era um amontoado velhíssimo de máquinas e motores, totalmente arruinados. O quadro geral era assumidamente lastimável: a fábrica de óleo não estava operacional e não era competitiva; a fábrica de sabão, além de primitiva, não tinha condições de subsistência; os descasques de mancarra, todos com mais de dez anos, estavam quase arruinados; a estrutura humana dos serviços que funcionava na Província era um dos males maiores da Sociedade, com uma única exceção para o gerente, experiente e probo, com invulgares qualidades de trabalho. Enfim, impunha-se repensar o funcionamento da empresa em novas linhas mestras e propunha-se que no futuro imediato as operações da empresa tivessem as seguintes direções: compra de mancarra, descasque e venda de ginguba; importação de cerveja; importação de combustíveis; fornecimento direto às Forças Armadas; comercialização de mercadorias cujo prazo de crédito exceda o da venda e liquidação; e fretes fluviais.

Em 1972, apresenta-se uma súmula da situação económica e financeira da Sociedade, começando por se dizer que havia uma baixa margem de lucro nas mercadorias, uma deterioração da margem de lucro nos produtos ultramarinos, não se dera a recuperação financeira que se esperava a partir de 1967, eram solicitados mais apoios ao BNU. A Sociedade Comercial Ultramarina entrara na Sociedade Vinícola da Guiné, auguravam-se grandes vantagens, registavam-se atrasos de pagamentos das Forças Armadas, pediam-se mais créditos em conta-corrente.

Estamos com a documentação avulsa praticamente esgotada. Iremos no derradeiro texto referir o que consta no acervo sobre a CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, uma participação do BNU para a edificação de um monumento aos mártires do colonialismo, ainda existe um dossiê com data de outubro de 1974 acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá, as negociações do Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina e os impostos a pagar pelo BNU referentes ao ano de 1974. Seguir-se-ão as conversações entre o Governo da Guiné-Bissau e a Administração do BNU para a transferência do BNU de Bissau para o novo Estado da Guiné-Bissau.

(Continua)

Fotografia da década de 1920. 
Imagem retirada da Wikimedia Commons, com a devida vénia.


Imagem extraída do livro Guiné – Alvorada do Império, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.
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Nota do editor

Poste anterior de1 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19543: Notas de leitura (1154): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (75) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19548: Notas de leitura (1155): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19341: Notas de leitura (1135): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66) (Mário Beja Santos)

Ruína de antiga fábrica alemã
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
É de incontestável importância o relatório assinado pelo Dr. Durval Ribeiro, ao funcionário da Sociedade Comercial Ultramarina que visita a Guiné em abril de 1963, fica-se a saber que ainda há movimento predador e pilhagem do Movimento de Libertação da Guiné, surtidas do Senegal, que ainda se nota uma certa paz no centro e à volta de Bissau e que o Sul até à região do Corubal está numa completa polvorosa, os funcionários da Sociedade, uns demitem-se outros estão desanimados, os europeus partem. Dir-se-á mais tarde, numa insinuação de que não há elementos concludentes abonatórios, que a Sociedade Comercial Ultramarina estava a ser mais afetada pela lealdade à soberania portuguesa que a Casa Gouveia, esta jogaria no equívoco, na dupla face. Mas não há elementos que substantivem essa insinuação.
Tudo mudara radicalmente, de janeiro para abril de 1963.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (66)

Beja Santos

De 1 a 13 de abril de 1963, o adjunto da administração da Sociedade Comercial Ultramarina vai à Guiné e elabora um relatório de 16 páginas, carreia elementos e informações de inegável interesse. Fora encarregado de observar o que se estava a passar nos diferentes postos da Sociedade, visitar clientes e apurar a situação geral da Guiné, entre outros elementos de missão. Não se poupou a viajar, esteve no Sul, em Catió, Bedanda e Cacine e a norte do Geba esteve em Bafatá, Contuboel, Farim, Mansoa, Teixeira Pinto e Cacheu. Contactou inúmeros clientes: Arif Elawar, Mamud Elawar, Álvaro B. Camacho, Alberto C. Barros, Salim Boulassem, Jamil Heneni, Virgílio Reis, Casimiro Pires, Hermínio Correia, João S. Sepúlveda, Ernesto Lima, Jamil Wounes, Pedro G. Santos, Heni Abi Kalil, José Kalil, José Gabriel, Francisco Correia, Joaquim Escada, José Reis, José Amine, Mário Lima, Benjamim Correia, Taufik Saad, Carlos Domingos Gomes, Manuel J. Morais. Contacta um grande número de entidades, Governador da Província, altos funcionários, Comandante da Polícia, Chefe da PIDE, oficiais em Catió, Bafatá e Tite, administradores de circunscrição, Presidente da Associação Comercial, gerente do BNU, gerentes da Casa Gouveia e de Barbosa & Comta.

A situação da Província é relatada ao pormenor e quem leu o relatório vai sublinhá-lo amiudadas vezes. Escreve ele o seguinte:
“A actuação subversiva assumiu na Guiné três aspectos distintos que passarei a referir segundo as regiões onde se processaram:

Zona Norte – Na região fronteiriça ao Senegal continuam fazendo sentir-se os efeitos de um grupo cujo móbil tem sido, essencialmente, o saque e a pilhagem. Esse grupo que após as primeiras depredações em Guidage passou a actuar principalmente na região entre S. Domingos e o Litoral, hostilizado, nas suas últimas incursões, pelos nossos nativos, os Felupes, ter-se-á deslocado para Leste, encontrando-se na região do Casamansa, frente à nossa faixa entre Ingoré e Bigene, na qual já se verificaram recentemente roubos de gado.
Na opinião do administrador da circunscrição de Farim, com o qual me avistei, preocupado com a posição do nosso posto de Guidage, cujo encarregado encontrei em Farim, não haveria risco para a nossa empresa, dado que a autoridade administrativa do Senegal, da região que directamente lhe faz face, o tranquilizara a esse respeito.
Com excepção do centro comercial de Susana, abandonado em virtude dos estragos sofridos, várias actividades das populações continuam a processar-se como anteriormente e a insegurança é acidental, dado que os agitadores se encontram do lado de lá da fronteira que atravessam para as suas surtidas de saque, pilhagem e depredação.

Zona Centro – na região compreendida entre os rios Geba e Cacheu, desde o Litoral até à fronteira Leste, embora num clima de preocupação, vive-se em segurança. Em viagem de automóvel, com um motorista nativo e o chefe dos Serviços Industriais, para a zona de Bafatá, para apreciação dos descasques, e com o chefe dos Serviços Comerciais, para a zona de Teixeira Pinto, tudo se afigurou normal durante o percurso, parte do qual foi efectuado de noite. No entanto, esta zona dos limites da circunscrição de Bafatá para Oeste tem merecido especial atenção por parte dos agitadores, distinguindo-se os centros de Bissau e Bissorã e a região do Biombo, não tem sido, felizmente, ultrapassada a fase das reuniões e elaboração dos planos, gorados eficazmente pela intervenção oportuna das autoridades.

Zona Sul – A situação na região ao sul do rio Geba e a oeste do rio Corubal é totalmente diferente. Reina aqui a insegurança, pois que aos agitadores tem cabido a iniciativa das operações e embora a sua actuação se caracteriza pela mobilidade, o domínio geral da região pertence-lhes. Tal domínio traduz-se por: assalto ao aquartelamento de Tite; ocupação de Darsalame, que teve de ser bombardeado e deixou de existir como povoação e centro comercial; assalto ao aquartelamento da secção destacada em Salancaur e ao nosso estabelecimento pelo apoio que a Sociedade Comercial Ultramarina tem prestado às nossas tropas de que resultou a retirada da guarnição e o encerramento de todos os estabelecimentos comerciais; abandono da actividade comercial em Unal, Banta e Chequal; recusa das mulheres em efectuar, em alguns locais, como era hábito, os carregamentos de embarcações, cumprindo assim as instruções recebidas dos agitadores, etc.

A estes factos há a acrescentar a perda de duas embarcações, refugiadas na República da Guiné, uma, o Arouca, pertencente a A. Pinho Brandão, e a outra, o Mirandela, a A. S. Gouveia, esta última das melhores unidades do tráfego fluvial da Província, as quais se supõe terem sido assaltadas, o Mirandela já depois de carregado com 80 toneladas de arroz.
Posteriormente, a navegação para o Sul passou a ser feita em comboio, escoltado por uma lancha da Armada, o que torna muito mais moroso o movimento das embarcações.

Com os actuais efectivos militares na Província, afigura-se impossível a eliminação dos grupos subversivos, ou mesmo a neutralização da sua actividade, apesar da acção da viação e de o único batalhão de que se dispunha em Bissau como reserva estar já em operação em Catió, desde Fevereiro, o que terá conseguido criar a tais grupos dificuldades e insegurança que, até então, não encontravam. A situação é grave, desprestigiante perante as populações nativas indecisas ou mesmo fiéis. Os reforços que necessariamente terão de ser enviados resolverão o problema do domínio territorial, mas já não eliminarão totalmente as consequências político-económicas de uma situação de domínio do inimigo desde o início deste ano, pois irão chegar tarde. Já no seu regresso da Guiné, em Fevereiro, o nosso Presidente do Conselho de Administração levou ao conhecimento do Governo a necessidade de reforços imediatos, que ao terminar a nossa visita, em 13 de Abril, não tinham sido ainda enviados”.

O relator examina as consequências, nomeadamente o previsível desastre da campanha de arroz, a necessidade imperativa da sua importação, a diminuição da atividade industrial e comercial, o êxodo das populações, e tece considerações sobre a população branca:  
“A população europeia vive, como é óbvio, sob forte preocupação. Vive preocupada com o futuro da própria Guiné, perante a feição que os acontecimentos tomaram. De entre a população nativa é de salientar a atitude dos Fulas e Mandingas que têm patenteado o seu desejo de auxiliar as autoridades na repressão dos movimentos perturbadores, o que já se tem verificado, e o comportamento das tripulações (Manjacos) das embarcações utilizadas no tráfego fluvial e costeiro”.

Expende considerações sobre a confiança na Sociedade por parte das autoridades, comércio e particulares, detalha questões do setor industrial e comercial, procurando avaliar prejuízos havidos nos postos do Sul. Não deixa de referir a luta desenfreada que estava a ocorrer com a prática de preços na compra do coconote, a Sociedade protestara junto da casa Gouveia, por receber coconote com uma percentagem de impurezas superior à fixada.
A situação do pessoal levantava preocupações, é interessante ouvi-lo:
“O encarregado de Cacine acusa já o desgaste da sua permanência junto da fronteira, vai ser substituído. O encarregado de Salancaur demitiu-se por ter sido ameaçado por várias vezes pelos agitadores, supondo-se que devido ao franco apoio prestado aos elementos militares. O encarregado de Cadique pensa em pedir a demissão, embora se encontre presentemente em Bedanda, junto do encarregado deste posto. Está indeciso. Os nossos empregados dos postos do Sul manifestaram a esperança de uma retribuição especial pela posição perigosa que ocupam, o que parece ser de toda a justiça”.

Tece conclusões de caráter geral que enfatizam o que foi anteriormente referido: situação normal e muito preocupante na zona Sul; campanha de arroz fortemente afetada; campanha de mancarra a decorrer normalmente; campanha de coconote com tendência para a concorrência entre os exportadores e produção estimada inferior à dos anos anteriores; sérias preocupações quanto à sementeira na próxima campanha de arroz.

Em 23 de maio, o administrador da Sociedade Comercial Ultramarina envia a Castro Fernandes, administrador do BNU, este relatório assinado pelo Dr. Durval Ribeiro.

Em 31 de maio temos nova carta depois de um silêncio de 2 meses, o gerente informa que continuam operações conjuntas das três armas, com destaque para a ação da Força Aérea que, no Sul da Guiné, quase toda à mercê dos terroristas, empregam bombas de “Napalm”, arrasando sistematicamente os esconderijos dos elementos rebeldes.
Observa do seguinte modo o que por ali se está a passar:
“Exercendo pressão sobre as populações indígenas da referida região, que obrigam a fornecer-lhes alimento e a coadjuvá-los nas suas nefastas actividades, os terroristas prosseguem no abate de árvores para obstrução das vias de comunicação, cortes de estradas por meio de valas, destruição de pontes, queimando, assaltando povoações e estabelecimentos comerciais e, sempre que a ocasião lhes é favorável, armando emboscadas às nossas tropas e chegando mesmo ao ponto de atacarem aquartelamentos militares, como sucedeu em Catió e Bedanda.
O Ana Mafalda, esta semana saído do porto de Bissau com destino a Lisboa, foi alvejado a tiro, no canal de S. João, quando da sua passagem para Bolama, não sendo, contudo, atingido.
Por não ser aconselhável a sua permanência nas áreas dominadas por terrorismo, por falta de cobertura militar adequada, os poucos europeus que ainda habitam o Sul estão a abandonar os seus haveres, retirando para lugares menos expostos.”

(Continua)


Duas fotografias que constam do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.
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Nota do editor

Poste anterior de 21 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19313: Notas de leitura (1133): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (65) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19327: Notas de leitura (1134): “O Homem do Cinema, A la Manel Djoquim i na bim”, por Lucinda Aranha Antunes; edição da Alfarroba, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo à apresentação de apontamentos coligidos por Castro Fernandes, Administrador do BNU, após uma visita que ele fez à Província, entre 9 de março e 8 de abril de 1957.
Bem estribado sobre a situação política, alerta para o fenómeno separatista que começa a soprar na África Ocidental francesa; refere o contencioso entre o Governo e o Perfeito Apostólico; dá-nos um dos retratos mais crus alguma vez feitos sobre a sociedade guineense; inventaria os recursos económicos, levanta o véu sobre a competitividade que ele desejaria que fosse mais forte entre a Sociedade Comercial Ultramarina e a Casa Gouveia; aborda a questão cambial, as propriedades do Banco, ainda vê solução para o aproveitamento dessas dezenas de milhares de hectares, repertoria as riquezas de subsolo que se conheciam, fala das conversas que teve em privado com o Governador Silva Tavares.
Em suma, um apanhado de notas de grande valor que a historiografia não pode doravante ignorar.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74)

Beja Santos

Continuamos com os apontamentos coligidos pelo punho de António Júlio Castro Fernandes, administrador do BNU, com o pelouro de Cabo-Verde, Guiné e S. Tomé. Permaneceu na Guiné de 9 de março a 8 de abril de 1957 e deixou-nos um documento com incontestável valor histórico. Bem documentado, com acesso à cúspide das instituições, deixa-nos um assombroso retrato do meio social, compendia os recursos económicos à luz dos interesses da época, deixa o aviso de que se vão operar mudanças na África Ocidental francesa e que a Guiné tem que deixar o estado de colónia-feitoria, pela primeira vez, em documento de administrador, fica bem claro que o BNU tem um desafio pela frente que é concorrer com a CUF por via da Sociedade Comercial Ultramarina, como ele diz, “obra do nosso Banco”.

Deixa para o fim dos seus apontamentos um capítulo sobre os problemas que diretamente interessam ao BNU e inclui nas notas soltas referências às condições mineralógicas, juntando mais elementos sobre a Sociedade Comercial Ultramarina e a exploração agrícola da Casa Gouveia.

Detalha a situação cambial, o que faz o Fundo Cambial da Província, concluindo que fica explicada no seu largo comentário a razão pela qual a conta da Sede algumas vezes dá a perceber uma posição favorável que não existe, e procura justificar o motivo da desnivelada posição de coberturas da Filial. Enuncia as propriedades do Banco, é um assunto a que se terá que voltar, pois no Arquivo Histórico do BNU há referências sobre as propriedades rústicas do Quínara e relatório sobre as possibilidades económicas desta imensa propriedade sita na circunscrição de Fulacunda. Por razões de coerência e de legibilidade quanto a este património, trata-se adiante tudo em conjunto.

Falando das condições mineralógicas, diz que há bauxite na região de Boé. Informa que do lado francês estava a proceder à extração uma empresa canadiana e que do lado da colónia portuguesa a dificuldade parecia ser o transporte até ao rio Buba, dificuldade que poderia ser suprida com uma pequena linha de caminho-de-ferro. E comenta que a casa holandesa N. V. Billiton Maatschappij estava a projetar na região.

Observa, a propósito da ilmenite, que os franceses estavam a explorar as areias da praia ao Norte do Cabo Roxo, junto da foz do Casamansa. Os trabalhos hidrográficos levavam à conclusão que a ilmenite abunda na Guiné Portuguesa. Diz igualmente que as análises dos calcários de Bissau revelaram a existência de nódulos de fosfatos de cálcio em percentagens que indicam a conveniência de se fazerem ulteriores trabalhos de pesquisa.

Como estamos já em notas soltas, escreve lapidarmente o seguinte:
“No plano político, disse-me o Governador, são poucos os elementos com que pode contar. O Governador é, disse-me, intransigente quanto aos princípios fundamentais: não nomeia, não distingue pessoas que não sejam de absoluta fidelidade a esses princípios. Não se importa que discordem do Governo da Província ou do Governo Central neste ou naquele ponto, ou mesmo em muitos pontos, mas têm de ser fiéis aos princípios. Reviralhistas e comunizantes abundam na Guiné (A. A. Silva, Mário Lima, etc.). O nosso consultor jurídico, Dr. Pina, foi nomeado Presidente da União Nacional.”

E cita afirmações do Governador na sessão do Conselho de Governo em que foi aprovado o orçamento:
“A Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné além do melhor aproveitamento do rio Geba como via de comunicação, tem como um dos seus principais objectivos estudar o aproveitamento nos terrenos marginais do referido rio e a forma de proceder às respectivas drenagens e irrigação. Para esse efeito, está prevista já para este ano a construção de uma estação agronómica. Essa estação será construída em cooperação com os Serviços de Agricultura, de forma que ambos os Serviços utilizem mutuamente os respectivos conhecimentos e experiências. Essa estação deverá ainda ser construída tendo em mente que ela deverá vir a reverter para os Serviços de Agricultura, passando a ser a Estação Agronómica da Guiné.
… Ainda no que concerne a fomento agrário, entrar-se-á, este ano, através do Plano de Fomento, pelo caminho da defesa, enxugo e recuperação de terrenos, indo, aliás, de encontro às solicitações dos indígenas.”

Refere, e tem seguramente significado, a exploração agrícola da Casa Gouveia, em Bolama:
“Nos viveiros do Nato Fula existem 18 mil coqueiros já muito desenvolvidos e 30 mil cocos em viveiro coberto, dos quais grande parte dará transplantação na próxima época das chuvas.
Fazem-se experiências de plantas de cobertura com objectivo de evitar a erosão e o domínio do capinzal inútil. Experimentaram-se também os pés de rícino, estudando-se a melhor época da sementeira.
Em Sã-Muriá existem plantações com 6 mil palmeiras de samatra e 23 mil coqueiros – início de uma grande exploração futura. A exploração conta com 250 trabalhadores voluntários, com salário, alimentação, alojamento e assistência médica. Esta exploração, escreve-se na imprensa local, constitui uma novidade prometedora, um caso única na vida agrícola da Província através dos tempos!”

Estamos agora chegados à questão do património do Banco em terrenos. A riqueza do BNU distribuía-se pelas áreas administrativas de S. João, Tite, Fulacunda e Buba, constituindo um conjunto de seis blocos, abrangendo uma área total próxima dos 44 mil hectares. Castro Fernandes tece os seguintes esclarecimentos para a governação do BNU:
“Tendo havido conversas aqui em Lisboa, acerca do eventual interesse da Sociedade Nacional de Sabões em adquirir para si ou para a Sociedade Comercial Ultramarina estas propriedades, procurei antes de mais nada averiguar se o negócio teria ou não viabilidade.
Coincidiu estar na Guiné o Engenheiro Agrónomo Teles Ribeiro, encarregado pela Sociedade Nacional de Sabões de estudar o assunto.
Uma primeira conversa com o Eng.º Teles Ribeiro levou-me logo a concluir que o assunto não interessaria à Sociedade Nacional de Sabões. Com efeito, esta empresa parece estar interessada nas possibilidades de exploração agrícola na Guiné – sobretudo de palmares, coqueiros, rícino e, eventualmente, de arroz. Para tanto, encarregou o Eng.º Teles Ribeiro para proceder ao estudo da possibilidade dessa exploração.
O critério que preside ao estudo a que o Eng.º Teles Ribeiro está procedendo consiste em não adaptar determinados terrenos às culturas que interessam à empresa, mas sim o de escolher terrenos próprios para essas culturas. Prefere, já se vê, propriedades perfeitas a concessões, em todo o caso como ainda é possível adquirir propriedades a $20 o hectare, só escolherá terrenos em condições óptimas.

As propriedades que as casas grandes possuem na Guiné – como a Casa Gouveia – não tiveram, aquando da aquisição, o objectivo de fazer exploração agrícola, mas objectivos exclusivamente comerciais. Pretendeu-se que o indígena, trabalhando – por sua conta – nessas propriedades, lhes vendessem, e não a outros, os respectivos produtos.
Os antigos donos das propriedades que hoje pertencem ao Banco deviam ter tido os mesmos objectivos.
É certo que a consciência que hoje na Guiné se vai tendo dos problemas, força as Casas grandes a darem o seu concurso à valorização económica da Província. O facto de haver, como há, propriedades pertencentes a comerciantes completamente ao abandono, é motivo de críticas que se publicam. Assim é que em artigo publicado no jornal ‘Bolamense’ se denunciam asperamente estas situações: ‘… não, senhores agricultores, na maior parte casas comerciais de grande vulto aqui e na Metrópole, assim não está certo. As vossas terras são enormes e estão praticamente abandonadas sem valor económico algum’.

A CUF apercebeu-se já da situação e lançou-se decididamente na valorização das suas propriedades. E o facto é tão saliente que em entrevista concedida à imprensa pelo Governador da Província, referindo-se ao facto, disse: ‘A exploração agrícola da empresa A. Silva Gouveia, Lda., é um empreendimento de grande vulto. Já estão plantados dezenas de milhares de coqueiros e existem em viveiros muitas outras dezenas de milhares de coqueiros e palmeiras. Está planeada a plantação, segundo me dizem, de centenas de milhares de coqueiros e palmeiras. É uma iniciativa de largo alcance para a Guiné… Quero crer que a iniciativa frutificará… O difícil é sempre principiar’.

Vai descrevendo os blocos das referidas propriedades, fala em solos vermelhos em S. João, dizendo tratar-se dos mais equilibrados da Província, ali se cultiva amendoim, os solos dão sinais nítidos de cansaço. Noutro bloco, o maior, encontra-se uma maior diversidade de tipos de solos, que vão dos vermelhos aos amarelos, caraterizando-se estes últimos pelo aparecimento de uma couraça laterítica. Há propriedades com palmeiras, ocupadas por floresta aberta, e depois de fazer esta exposição, Castro Fernandes deixa as seguintes notas:
“O problema das propriedades do Banco põe-se, a meu ver, em três hipóteses: venda; o seu abandono à acção devastadora do indígena; a sua valorização ao longo dos anos, mediante uma gradual ocupação agrícola.
Não sendo – como não é – viável a primeira, decido-me abertamente pela terceira.
Quanto a mim, esta valorização teria de assentar na ocupação das melhores parcelas dos terrenos, por cultura de carácter arbóreo. São as que permitem uma maior extensão ocupada com o mínimo dos investimentos. Sem as que – ao contrário das culturas arvenses de carácter anual – se traduzem por uma ocupação definitiva.
Estou convencido que a valorização dos terrenos – agora sem valor – se poderia fazer através do coqueiro e da palmeira (viável nos terrenos baixos e húmidos), do caju (árvore muito rústica, que pode ser semeada directamente no terreno definitivo e que permite uma ocupação extremamente económica, dada a inexistência de granjeiros), da coleira (com elevados rendimentos por árvore e que pode ser utilizada na ocupação dos terrenos mais a Sul) e, eventualmente, do cafezeiro, que, embora ainda não definitivamente estudado, tudo leva a crer ser viável uma boa adaptação da variedade robusta. No que se refere às lalas existentes e ainda não ocupadas pelo indígena, seria, a meu ver, caso para se pensar o seu aproveitamento para a exploração orizícola através de combinações a encarar”.

É este o essencial dos pontos abordados neste importante relatório. Está enxameado de notas políticas e revelação de conversas. Veja-se o caso da ilha de Canhambaque:
“Foi o Governador quem primeiro me falou no assunto, revelando a maior hesitação sobre o caminho a seguir. O intendente Santos Lima pensa que a solução consistiria em transferir para lá a colónia penal que está instalada nas lhas das Galinhas e, com esse pretexto, mandar uma companhia militar que meteria aquilo na ordem. O Administrador de Bissau entende que tal medida seria um disparate. Segundo diz, a ilha é um palmar densíssimo que permitiria uma luta de guerrilhas semelhante à Indochina”.

Vamos seguidamente passar em revista o essencial do muito que se escreveu sobre as propriedades do BNU, o que se disse sobre as possibilidades económicas, e como a luta armada tudo veio atrapalhar de modo que em 1973 o BNU encontrou uma forma airosa de se desfazer de um acervo de terrenos que se tinham tornado economicamente inúteis.

(Continua)

********************

A doutoranda Lúcia Bayan, estudiosa da etnia Felupe, mais uma vez revela a sua generosidade oferecendo-nos imagens relacionadas com a sua investigação, desta feita um marco que assinala a presença de fuzileiros do DFE 2 junto do Cabo Roxo, desconhecia completamente estas imagens, creio que nos prestou um ótimo serviço para enriquecimento do mais valioso acervo fotográfico que existe da Guiné Portuguesa.

Uma curiosidade para os militares portugueses que estiveram em Varela. Esta foto é do marco fronteiriço nº 184, junto ao Cabo Roxo, a ponta mais ocidental da Guiné-Bissau, que hoje é mais senegalesa que guineense. O marco foi refeito, em 1962, por militares portugueses (Fuzileiros DFE 2)

Foto do farol português, agora desactivado, no mesmo Cabo.

Imagem de um mapa do Ministério do Ultramar, de 1953, com o marco fronteiriço e o farol assinalados.
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Notas do editor

Poste anterior de 15 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19496: Notas de leitura (1150): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (73) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19505: Notas de leitura (1151): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19414: Notas de leitura (1142): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (69) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

Se há imagens que valem por mil palavras há também palavras que ganham eloquência e permitem refletir uma dada situação histórica, com um grau apreciável de fidedignidade. Será o caso deste documento em que o responsável em Bissau pela Sociedade Comercial Ultramarina descreve o que está a acontecer no Sul, um quase desmantelamento geral de postos de abastecimento.

O gerente do BNU em Bissau irá enviar para Lisboa até ao primeiro trimestre de 1964 informações preciosas, como ele próprio observa o Comando Militar é lacónico, não dá informação sobre o evoluir da situação, o gerente tem fontes que o habilitam a enviar informações preciosas, de tal modo que percebemos que para março/abril de 1964, mesmo com um número crescente de unidades militares a chegar à Guiné, a subversão foi bem sucedida no Sul, estendeu-se para o Corubal e começa a inquietar o chamado setor de Bafatá e posicionou-se de pedra e cal no Oio, cortando estradas e desinquietando toda a região circundante.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (69)

Beja Santos

Em julho de 1963, está instalado o alarme. O “Diário Popular”, na sua edição de dia 17 dera relevo a uma entrevista com o Ministro da Defesa, a Administração do BNU entendeu pôr-se imediatamente em contacto com o gerente de Bissau, agradecendo tudo quanto tinha vindo a ser exposto sobre a escalada da luta armada. O que viera no “Diário Popular” fora silenciado pela maior parte da imprensa nacional, e como escreve a Administração do BNU, o ministro dissera textualmente que no Sul da Província “grupos numerosos e bem armados de terroristas penetraram em território nacional numa zona correspondente a 15% da superfície da Província” e a Administração em Lisboa previne a gerência de Bissau:

“Achamos prudente que estejamos atentos ao desenvolvimento da situação, para o caso de ela vir a agravar-se. E assim devem V. Sas. ter bem presente o que dispõe a circular reservada n.º 760, de 7/5/1931, para o que confiamos plenamente em V. Sas., no sentido de, se necessário, dar-lhe execução.

Agirão, em primeiro lugar, sem nervosismos nem precipitações, pois mesmo com a violação verificada das fronteiras, as nossas tropas cumprirão o seu dever, como o estão fazendo.
Só se procederá à inutilização das nossas notas em última extremidade, quando as autoridades militares o julguem conveniente.

A inutilização poderá ser por perfuração ou por queima, conforme a rapidez que a gravidade dos acontecimentos posteriores porventura imponha.

Como medida de providência, é conveniente mandar relacionar as notas existentes na Casa Forte ou Cofres, reduzindo ao mínimo indispensável as existências na Tesouraria.

O relacionamento será feito por maços, correspondendo a cada maço uma relação, a fim de que, quando os maços transitem para a Tesouraria, as respectivas relações individuais possam ser inutilizadas.” 

Em 20 de agosto, Luiz Vianna, da Sociedade Comercial Ultramarina em Lisboa envia ao administrador do BNU, Castro Fernandes, uma fotocópia da carta confidencial, datada de 6 desse mês remetida pela gerência de Bissau à sede da Sociedade Comercial Ultramarina, cujo teor é o seguinte:

“Situação política:

1 – No dia 4 do corrente veio a Bissau de avião o nosso empregado Manuel da C. Cunha Viana para nos avisar de que o Pelotão que estava no Xugué ia ser retirado para Bedanda, o aviso partiu de um capitão amigo do nosso empregado que o fez em atenção a favores recebidos, mas debaixo de grande sigilo.

2 – Como devem calcular, ficámos indignados com tal procedimento, pois a nossa Sociedade tem sido para o Comando Militar um manancial de facilidades e não está certo uma atitude destas, pois a economia da Província, a manter-se tal disposição, sofreria um prejuízo na ordem dos 1.500 contos, sem contar os imóveis.

3 – No que diz respeito à nossa Sociedade e pelas informações agora chegadas, temos naquela localidade os seguintes valores: 200 toneladas de arroz em casca, 70 contos de mercadorias, imóveis e utensílios diversos. Deslocámo-nos imediatamente ao Comando Militar para ver das possibilidades de suster, pelo menos por 10/15 dias, esta medida que prejudicava não só a nossa Sociedade como a economia da Província. 

4 – Depois de várias tentativas e intermediários militares, era domingo, conseguimos falar com o Sr. Major, que nos disse para esperar, pois ia pôr o assunto ao Sr. Brigadeiro Louro de Sousa, que disse textualmente o seguinte: nada podia fazer, pois havia um mês que o assunto do abandono do Xugué tinha sido posto ao Sr. Governador e por conseguinte nada tinha com tais problemas, o movimento tinha que se fazer como estava previsto. Avistámo-nos com o Chefe do Estado-Maior que nos ouviu e depois de várias hipóteses, mandou-nos regressar ali no outro dia para nos dar uma resposta definitiva. 

5 – Fomos lá à hora marcada na companhia do gerente da Casa Gou   veia que também tem no Xugué vários valores e depois de estarmos ali à espera quase duas horas, resolveram dar-nos os 15 dias pedidos para retirar todos os valores existentes no Xugué, antes de a povoação ser abandonada. 

6 – Já tomámos as providências necessárias e contamos ter tudo recolhido até ao princípio da próxima semana. 

7 – Sabemos que na realidade tem havido diversos problemas naquela área e tal situação é insustentável. 

8 – Em Catió, quase todos os dias tem havido tiroteio sem consequências de maior. 

9 – Em Salancaur soube-se que os terroristas estavam a negociar na nossa Casa Gouveia, vendendo não se sabe o quê, possivelmente coisas roubadas, a aviação foi lá e bombardeou aquilo tudo, e é de prever que as Casas tenham ficado bastante danificadas. 

10 – Sabe-se também que os terroristas estão instalados nas nossas Casas de Caboxanque, qualquer dia a aviação vai lá e dá cabo de tudo.

É esta a situação, quanto mais tropa vem, menos faz, por este andar os nossos imóveis vão desaparecendo e qualquer dia todas as Casas abandonadas estão desfeitas pela aviação.
A Casa de Cafine já quase não tem telhado e as 40 toneladas de arroz e mercadorias que lá ficaram já não existem com toda a certeza.”

Em 31 de agosto, o gerente de Bissau informa o BNU em Lisboa:

“A entrevista concedida pelo Senhor Ministro da Defesa e publicado no “Diário Popular” na tarde de 17 de Julho foi nesta Província transcrita no jornal “O Arauto” do dia 25.

As declarações do Senhor Ministro não tiveram aqui a repercussão inquietante de que se revestiram na Metrópole, de tal modo que choveram em grande número para a Guiné, quer por correspondência, telefone ou telegrama, os mais desencontrados e por vezes horripilantes boatos das lutas travadas pela posse desta cidade, com umas dezenas de mortes e de feridos à mistura.

Aliás, as palavras proferidas por aquele membro do Governo confirmam apenas as informações que há meses vimos prestando a V. Exas.

A população citadina, diga-se em abono da verdade, não isenta de preocupações, continua a fazer a sua vida normal, confia que com os reforços há semanas desembarcados, as forças militares operem o tão desejado volte-face da situação passando, finalmente, à contraofensiva nas zonas infestadas pelo terrorismo.

É convicção geral que só desta forma, lutando com as mesmas armas e no campo do inimigo, será possível senão eliminar pelo menos abrandar a violência dos últimos ataques.

Depois de previamente instaladas como as actuais condições permitem, as nossas tropas desenvolveram ultimamente grande actividade no sector compreendido entre Mansoa, Mansabá, Bissorã e Olossato, relativamente perto de Bissau.

Precedidos de intensos e arrasadores bombardeamentos aéreos nos refúgios do inimigo no mato, as tropas de terra, apertando o cerco, lançam ataques contra os terroristas em fuga, infligindo-lhes, segundo consta, severas baixas que uma emissora de um território vizinho aqui captada cifrou no número 200 só numa operação.

Não podemos confirmar estes números, visto que o Quartel-General do Exército é avaro de informações e nem sequer fornece comunicados das operações realizadas.

Assim, limitamo-nos a transmitir as informações de fontes não oficiais e que, possivelmente, nalguns casos, não correspondem inteiramente à verdade.

Contudo, não obstante as acções militares, não deixam os terroristas assinalar a sua presença e, como prova da sua actividade, na estrada Mansabá-Bissau, num troço das proximidades daquela povoação, esteve esta semana obstruída com troncos de árvores.

Anteriormente à vinda dos reforços militares, num ataque levado a cabo em 20 de Julho por um numeroso grupo constituído por argelinos distintamente identificados pelo vestuário e tez mais clara, negros e cabo-verdianos a uma coluna militar à distância de dois quilómetros de Mansabá, resultaram sete feridos do nosso lado.

No Sul, autenticamente abandonado, à excepção de alguns pontos ainda guarnecidos pela tropa, os terroristas continuam livremente senhores da maior parcela do terreno e controlam as vias de comunicação.

Nesta área, os nossos soldados limitam-se à defensiva dentro de redutos de arame farpado, visto que, segundo dizem, os efectivos de que dispõem são em número reduzido em relação ao território a cobrir.”

O gerente do BNU irá manter esta correspondência confidencial muito intensa, ao longo de todo o ano de 1963. Iremos verificar que o Leste entra em cena no final do ano, ataques a Amedalai e na região do Xime, em frente, na outra margem do Geba, resistiu-se em S. Belchior, os terroristas foram postos em fuga.

Quando se fizer o balanço de 1963, verificar-se-á que a situação no Sul vive em crescente turbulência, e daí a tentativa de sustar a subversão através de uma formidável operação, a Tridente, para reocupar a ilha do Como; a subversão chegara ao Corubal, grupos do PAIGC instalavam-se nas matas densas de Tabacutá, Galo Corubal, Mina, Poidon, Ponta Luís Dias, e muito mais, a Frente de Leste, ainda que timidamente, passara a ser uma realidade; e em território que o PAIGC classificará como Frente Norte, são constantes os ataques provenientes das matas do Oio, designadamente do Morés.

(Continua)


Mapa da Guiné constante no “Novo Atlas Escolar Português”, de João Soares, 4.ª edição, Sá da Costa, 1951. O que surpreende é a flagrante desatualização das localidades, noutro mapa que em breve publicaremos, referente a 1948, haverá muito mais rigor. Quem olhar para este mapa, ficará com a ideia que quase metade da Guiné era maioritariamente constituída por Fulas Pretos e depois por Biafadas, Balantas e Manjacos. Define-se a região do Gabu, mas não se precisam os limites, aquilo que é o Forreá e o Tombali também não tem nenhuma precisão, escreve-se que há Beafadas e Nalus. Foi por este mapa que a minha geração teve notícia do que era a Guiné…


A Imagem retirada do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao governador Raimundo Serrão.


Travessia do Corubal
Imagem publicado no Jornal “O Comércio da Guiné”, na sua edição de abril de 1931.
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Nota do editor

Poste anterior de11 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19395: Notas de leitura (1140): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (68) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de14 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19404: Notas de leitura (1141): “Vozes de Abril na Descolonização”, a organização é de Ana Mouta Faria e Jorge Martins e os entrevistados dos três teatros de operações foram Carlos de Matos Gomes, José Villalobos Filipe e Nuno Lousada, edição do CEHC – Centro de Estudos de História Contemporânea do Instituto Universitário de Lisboa, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19073: Notas de leitura (1106): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54) (Mário Beja Santos)

Imprensa Nacional em Bolama, 
Foto de Francisco Nogueira, inserida no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
O gerente Virgolino Pimenta passou um mau bocado com a vigilância britânica, havia empresas que tudo faziam para que os seus produtos chegassem aos alemães, constavam de uma lista negra, recorriam a expedientes que eram intermediários. Durante um tempo, as fronteiras, além de porosas, eram um meio fácil de chegarem a locais que depois faziam transbordo para a Alemanha e países amigos. Tudo vai mudar a partir de 1943, quando as potências do Eixo abandonaram África. Mas a Inglaterra manteve-se vigilante todo o tempo, como esta correspondência, iniludivelmente, o revela.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54)

Beja Santos

Todo este período que compreende a II Guerra Mundial reflete-se no BNU da Guiné fundamentalmente em duas áreas: com a transição da capital para Bissau, decidiu-se reduzir ao mínimo a filial de Bolama que ficou com o estatuto de Correspondência; e estreita vigilância às operações comerciais e financeiras, a pressão britânica era permanente para que não saíssem matérias-primas para o Eixo e seus aliados.

De há muito que o gerente de Bissau pedia a Lisboa o encerramento de Bolama, tenha-se presente uma informação datada de 22 de agosto de 1933, já nessa altura se dizia que fora solicitado ao Ministro das Colónias o encerramento da filial de Bolama, em virtude dos avultados prejuízos, e o gerente de Bissau verberava assim:
“O movimento desta filial é insignificante, e nem sequer a Caixa do Tesouro justifica a sua existência, pois, conforme se alvitrou a Sua Ex.ª o Ministro das Colónias, este serviço pode, sem prejuízo, ser feito pela Fazenda, caso não convenha concentrá-lo em Bissau.
O nosso administrador, Dr. Francisco Vieira Machado, aquando da sua visita à Guiné, reduziu ao mínimo as despesas gerais da filial, cujo quadro do pessoal foi igualmente reduzido.
Apesar das razões apontadas, entende o Sr. Governador da Guiné que o Banco deve manter os serviços da Caixa do Tesouro, embora entregue a sua Agência a uma casa comercial, isto no caso de se não querer mudar a capital para Bissau”.

O cônsul da Grã-Bretanha protestava quanto aos negócios da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné. Escrevia o gerente de Bissau para Lisboa, em 26 de maio de 1942:
“A firma em questão está na lista negra inglesa. O cônsul inglês exerce uma especial vigilância sobre a Companhia, e todos que transaccionarem com ela ficarão sujeitos a represálias por parte da vigilância inglesa e irão parar à lista negra.
É esta a razão por que esta firma não consegue relações comerciais nesta colónia e, por isso, não consegue vender um quilo dos produtos que tem armazenados em Bubaque.
Quando o gerente da Companhia começou a falar-nos em lhe concedermos crédito, sondámos com toda a prudência o cônsul inglês e ficámos com a certeza absoluta de que ele incitaria a vigilância inglesa contra quem negociasse com a Companhia.
É certo que o cônsul inglês, não tendo grandes possibilidades de exercer represálias contra o Banco, não hesitará em as exercer contra as sociedades ligadas ao Banco e isso lhe traria consequências bem mais graves que as que já resultam do disfarçado mas firme bloqueio que os ingleses fazem a esta colónia.
A situação da Companhia é séria. Não vende os seus produtos. A fábrica está parada e o pessoal de cor e europeu foi despedido. As plantações velhas estão sem cuidados e já invadidas pelo matagal que cresce continuamente. O coconote armazenado desde o começo da guerra tende a depreciar-se. Os óleos guardados desde a mesma altura, também se acabarão por depreciar. Da má situação da Companhia resultará impossibilidade desta liquidar o empréstimo, a fazer-se. E se o Banco tiver que lançar mão da garantia, não tem quem lha compre nem a poderá embarcar, porque os ingleses não darão navicert (certificado inglês usado em tempo de guerra para transporte marítimo) ”.

Em 3 de junho desse ano, o administrador do BNU A. Menezes Correia de Sá assina a seguinte circular sobre a filial de Bolama:
“Para os devidos efeitos comunicamos a V. Sas. que o Exmo. Conselho do Banco, em sessão do passado dia 12 de Maio, resolveu transformar a Filial de Bolama em Correspondência; portanto todas as operações com esta colónia serão feitas com a nossa dependência de Bissau que passou a denominar-se filial.
Em Bolama apenas funcionará essa Correspondência subordinada à filial de Bissau, a cargo da Sociedade Comercial Ultramarina, Bolama”.

O gerente Virgolino Pimenta, a tal propósito, corresponde-se com a sede, informa que a Sociedade Comercial Ultramarina ficará com móveis e os cofres que tinham pertencido à agência de Bolama, as louças, vidros, talheres e pequenas miudezas iriam para Bissau, tal como o arquivo e os documentos.

Em 15 de novembro de 1943 é expedido para Lisboa, com caráter reservado, um ofício em que se fala do Flit e da doença do sono, tem interesse tomar nota do que ele escreve:
“O Flit pedido é necessário para prevenção. Se houver a sorte de não ser preciso para tal efeito é sempre necessário porque temos traça em todo o edifício e temos de defender as notas e valores do Estado existentes na casa forte onde há também traças e outros bichos da velha madeira das estantes.
O secretário do Sr. Governador informou-nos anteontem que ia buscar importante quantidade de vacina ao território francês.
Aproveitamos escrever sobre sanidade da colónia e informamos que, há tempo, apareceram casos da doença do sono, em Bissau, e em três indivíduos que foram picados a uns 15 km da cidade. O ex-Director de Saúde teimou em não diagnosticar doença do sono e os três indivíduos chegaram a tal ponto que o Sr. Governador os remeteu a Zinguinchor onde os médicos franceses, na forma gentil do costume, verificaram que os doentes estavam já em tal estado que morreriam certamente, se não fossem imediatamente tratados da doença do sono.
E deram gratuitamente os remédios necessários.
O ex-Director de Saúde manteve a sua teima, o que demonstrava uma ignorância total pois o sangue dos doentes que foram a Zinguinchor dera prova absoluta do seu mal, na análise feita”.

Os ingleses eram também severos com a quantidade de bagagens dos passageiros a caminho da metrópole, assim se compreende a carta que o inspetor Caetano de Sá dirigiu ao agente em Bissau da Companhia Nacional de Navegação:
“Para que V. Ex.ª se digne transmitir a todas as pessoas que adquiram passagens para a metrópole nos navios da vossa Companhia, comunico que, segundo informou o vice-consulado britânico nesta cidade, os passageiros que desejam levar consigo bagagens, géneros alimentícios de peso superior a 5 kg terão de solicitar do vice-consulado um certificado de origem, que custa 25$50. Estes certificados serão passados para quantidades entre 5 e 1000 kg. Para os embarques de géneros alimentícios com peso superior a uma tonelada é necessário navicert”.

Os pedidos de crédito eram rigorosamente vigiados pelo consulado britânico. Em 12 de novembro de 1943 o Vice-Cônsul James Graham dirige a seguinte carta ao gerente Virgolino Pimenta:
“Dear Sir,
I have been instructed by His Britanic Majesty’s Principal Secretary of State for Foreign Affairs to inform you that His Majesty’s Government in the United Kingdom regard with very great displeasure the loans which your bank have made in the recente times to the German-owned company at Bubaque, “Agrifa”, in exchange for palm-oil and other goods. His Majesty’s Government point out that these loans provide the company “Agrifa” with a market for their products and enable them to continue in existence”.

No dia seguinte, a propósito de créditos para a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, o gerente Virgolino Pimenta escreve para Lisboa:
“O consulado britânico nesta cidade nunca perdoou ter o Banco feito a operação de crédito efectuada, há tempo, com esta Companhia.
Agora que o crédito já está liquidado e que julgávamos o assunto arrumado, volta o consulado com a carta cuja cópia juntamos.
Falámos com o cônsul, a quem fizemos ver que V. Ex.ª agiu dentro dos severos preceitos da nossa neutralidade, tratando todos igualmente e ainda lhe dissemos que a Companhia tem a sua sede em Lisboa e, legalmente, é considerada portuguesa.
Nada o convence e, pelo que se vê, o assunto está merecendo a atenção de Londres, mas vinculando pessoalmente o gerente desta filial que, como V. Ex.ª sabe, apenas cumpriu as ordens de V. Ex.ª.
É interessante registar que o signatário foi avisado de Lisboa por uma pessoa amiga, no passado correio, que ia ser alvo de qualquer perseguição por parte das autoridades inglesas.
Não é este o ponto que interessa. O que interessa é salvaguardar o Banco de qualquer aborrecimento, este pode surgir na negação, por exemplo, de navicerts relativos a cargas em que houvera a nossa interferência directa ou por ordem de clientes.
Já instámos com a “Agrifa” por várias vezes para retirar o óleo do nosso armazém mas esta nada resolve.
O cônsul britânico telegrafou ontem para Londres sobre o assunto, em extenso telegrama que não sabemos o que diz, por estar cifrado.
Dado o que lhe expusemos, prometeu que iria tudo esclarecer do modo mais favorável ao Banco.
No entanto, pedimos licença para alvitrar a necessidade de se esclarecer o caso, aí, no consulado geral britânico.
Se a nossa observação não erra, é provável que a “Agrifa” venha a solicitar novo crédito sobre o mesmo óleo.
Afigura-se-nos de desatender nova operação pois se se fizer não resta dúvida nenhuma que surgirão maiores aborrecimentos, em troco, afinal, de pequeno benefício, tanto mais que o óleo vai tendo excesso de prazo de armazenagem e os tambores vão apresentando vestígio de estrago.”

Tempos depois, a 16 de fevereiro de 1944, volta-se aos assuntos da Companhia Agrícola de Bubaque, esclarece-se Lisboa do seguinte modo:
“Já informámos que todo o óleo saiu do nosso armazém. A demora em ser retirado provinha da negativa do cônsul inglês em autorizar que os donos dos camiões os alugassem para este efeito e só a custo se conseguiu.
Pedimos muita desculpa mas não podemos perceber como nos pode ser atribuída grande parte da responsabilidade em quaisquer consequências que possam surgir.
E menos percebemos ainda porque é mal julgado o nosso procedimento. Basta ler-se toda a nossa correspondência telegráfica e ordinária para se ver que esta gerência fez tudo quanto pôde para não se fazer tal operação com os alemães. O procedimento que V. Ex.ª nos censura foi apenas uma resultante de ordens que V. Ex.ª nos deu numa carta reservada de 1943 mandando-nos procurar vender o óleo à Sociedade Comercial Ultramarina.
Ora a primeira coisa que tínhamos que fazer, para cumprir aquela ordem, era abordar o cônsul inglês para ver se ele permitia que o óleo passasse para Sociedade Comercial Ultramarina sem esta ir para a lista negra.
O cônsul garantiu que a Sociedade Comercial Ultramarina iria para a lista negra e como os alemães liquidaram a conta ficou o caso arrumado pelo melhor.
Por tudo o exposto, se vê que não fizemos nada para nos serem imputadas responsabilidades ou para merecermos censuras.
V. Ex.ª pode repetir-nos que a autoridade estrangeira nada tinha com isto.
Aí, pode pensar-se que é assim. Aqui, na prática, não é. Todos têm que se subordinar ao cônsul inglês”.

No acervo documental do Arquivo Histórico do BNU nada mais relevante se encontrou sobre este período da II Guerra Mundial. O que se segue tem a data de 1947, o gerente Virgolino José Pimenta entrega a gerência da filial de Bissau ao gerente José Henrique Gomes.

Continua

Esta fotografia do governador Muzanty, cujo nome fica ligado às campanhas de 1907-1908, contra Infali Soncó, consta do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

Mulheres de etnia “Papel” – (Tatuagens), 
Retirado do livro “Guiné Portuguesa”, I Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936.
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Notas do editor

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Último poste da série de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19059: Notas de leitura (1105): “Gargalhada da Mamã Guiné”, de Carlos-Edmilson M. Vieira, edição de autor, 2014 (Mário Beja Santos)