sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19073: Notas de leitura (1106): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54) (Mário Beja Santos)

Imprensa Nacional em Bolama, 
Foto de Francisco Nogueira, inserida no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
O gerente Virgolino Pimenta passou um mau bocado com a vigilância britânica, havia empresas que tudo faziam para que os seus produtos chegassem aos alemães, constavam de uma lista negra, recorriam a expedientes que eram intermediários. Durante um tempo, as fronteiras, além de porosas, eram um meio fácil de chegarem a locais que depois faziam transbordo para a Alemanha e países amigos. Tudo vai mudar a partir de 1943, quando as potências do Eixo abandonaram África. Mas a Inglaterra manteve-se vigilante todo o tempo, como esta correspondência, iniludivelmente, o revela.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54)

Beja Santos

Todo este período que compreende a II Guerra Mundial reflete-se no BNU da Guiné fundamentalmente em duas áreas: com a transição da capital para Bissau, decidiu-se reduzir ao mínimo a filial de Bolama que ficou com o estatuto de Correspondência; e estreita vigilância às operações comerciais e financeiras, a pressão britânica era permanente para que não saíssem matérias-primas para o Eixo e seus aliados.

De há muito que o gerente de Bissau pedia a Lisboa o encerramento de Bolama, tenha-se presente uma informação datada de 22 de agosto de 1933, já nessa altura se dizia que fora solicitado ao Ministro das Colónias o encerramento da filial de Bolama, em virtude dos avultados prejuízos, e o gerente de Bissau verberava assim:
“O movimento desta filial é insignificante, e nem sequer a Caixa do Tesouro justifica a sua existência, pois, conforme se alvitrou a Sua Ex.ª o Ministro das Colónias, este serviço pode, sem prejuízo, ser feito pela Fazenda, caso não convenha concentrá-lo em Bissau.
O nosso administrador, Dr. Francisco Vieira Machado, aquando da sua visita à Guiné, reduziu ao mínimo as despesas gerais da filial, cujo quadro do pessoal foi igualmente reduzido.
Apesar das razões apontadas, entende o Sr. Governador da Guiné que o Banco deve manter os serviços da Caixa do Tesouro, embora entregue a sua Agência a uma casa comercial, isto no caso de se não querer mudar a capital para Bissau”.

O cônsul da Grã-Bretanha protestava quanto aos negócios da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné. Escrevia o gerente de Bissau para Lisboa, em 26 de maio de 1942:
“A firma em questão está na lista negra inglesa. O cônsul inglês exerce uma especial vigilância sobre a Companhia, e todos que transaccionarem com ela ficarão sujeitos a represálias por parte da vigilância inglesa e irão parar à lista negra.
É esta a razão por que esta firma não consegue relações comerciais nesta colónia e, por isso, não consegue vender um quilo dos produtos que tem armazenados em Bubaque.
Quando o gerente da Companhia começou a falar-nos em lhe concedermos crédito, sondámos com toda a prudência o cônsul inglês e ficámos com a certeza absoluta de que ele incitaria a vigilância inglesa contra quem negociasse com a Companhia.
É certo que o cônsul inglês, não tendo grandes possibilidades de exercer represálias contra o Banco, não hesitará em as exercer contra as sociedades ligadas ao Banco e isso lhe traria consequências bem mais graves que as que já resultam do disfarçado mas firme bloqueio que os ingleses fazem a esta colónia.
A situação da Companhia é séria. Não vende os seus produtos. A fábrica está parada e o pessoal de cor e europeu foi despedido. As plantações velhas estão sem cuidados e já invadidas pelo matagal que cresce continuamente. O coconote armazenado desde o começo da guerra tende a depreciar-se. Os óleos guardados desde a mesma altura, também se acabarão por depreciar. Da má situação da Companhia resultará impossibilidade desta liquidar o empréstimo, a fazer-se. E se o Banco tiver que lançar mão da garantia, não tem quem lha compre nem a poderá embarcar, porque os ingleses não darão navicert (certificado inglês usado em tempo de guerra para transporte marítimo) ”.

Em 3 de junho desse ano, o administrador do BNU A. Menezes Correia de Sá assina a seguinte circular sobre a filial de Bolama:
“Para os devidos efeitos comunicamos a V. Sas. que o Exmo. Conselho do Banco, em sessão do passado dia 12 de Maio, resolveu transformar a Filial de Bolama em Correspondência; portanto todas as operações com esta colónia serão feitas com a nossa dependência de Bissau que passou a denominar-se filial.
Em Bolama apenas funcionará essa Correspondência subordinada à filial de Bissau, a cargo da Sociedade Comercial Ultramarina, Bolama”.

O gerente Virgolino Pimenta, a tal propósito, corresponde-se com a sede, informa que a Sociedade Comercial Ultramarina ficará com móveis e os cofres que tinham pertencido à agência de Bolama, as louças, vidros, talheres e pequenas miudezas iriam para Bissau, tal como o arquivo e os documentos.

Em 15 de novembro de 1943 é expedido para Lisboa, com caráter reservado, um ofício em que se fala do Flit e da doença do sono, tem interesse tomar nota do que ele escreve:
“O Flit pedido é necessário para prevenção. Se houver a sorte de não ser preciso para tal efeito é sempre necessário porque temos traça em todo o edifício e temos de defender as notas e valores do Estado existentes na casa forte onde há também traças e outros bichos da velha madeira das estantes.
O secretário do Sr. Governador informou-nos anteontem que ia buscar importante quantidade de vacina ao território francês.
Aproveitamos escrever sobre sanidade da colónia e informamos que, há tempo, apareceram casos da doença do sono, em Bissau, e em três indivíduos que foram picados a uns 15 km da cidade. O ex-Director de Saúde teimou em não diagnosticar doença do sono e os três indivíduos chegaram a tal ponto que o Sr. Governador os remeteu a Zinguinchor onde os médicos franceses, na forma gentil do costume, verificaram que os doentes estavam já em tal estado que morreriam certamente, se não fossem imediatamente tratados da doença do sono.
E deram gratuitamente os remédios necessários.
O ex-Director de Saúde manteve a sua teima, o que demonstrava uma ignorância total pois o sangue dos doentes que foram a Zinguinchor dera prova absoluta do seu mal, na análise feita”.

Os ingleses eram também severos com a quantidade de bagagens dos passageiros a caminho da metrópole, assim se compreende a carta que o inspetor Caetano de Sá dirigiu ao agente em Bissau da Companhia Nacional de Navegação:
“Para que V. Ex.ª se digne transmitir a todas as pessoas que adquiram passagens para a metrópole nos navios da vossa Companhia, comunico que, segundo informou o vice-consulado britânico nesta cidade, os passageiros que desejam levar consigo bagagens, géneros alimentícios de peso superior a 5 kg terão de solicitar do vice-consulado um certificado de origem, que custa 25$50. Estes certificados serão passados para quantidades entre 5 e 1000 kg. Para os embarques de géneros alimentícios com peso superior a uma tonelada é necessário navicert”.

Os pedidos de crédito eram rigorosamente vigiados pelo consulado britânico. Em 12 de novembro de 1943 o Vice-Cônsul James Graham dirige a seguinte carta ao gerente Virgolino Pimenta:
“Dear Sir,
I have been instructed by His Britanic Majesty’s Principal Secretary of State for Foreign Affairs to inform you that His Majesty’s Government in the United Kingdom regard with very great displeasure the loans which your bank have made in the recente times to the German-owned company at Bubaque, “Agrifa”, in exchange for palm-oil and other goods. His Majesty’s Government point out that these loans provide the company “Agrifa” with a market for their products and enable them to continue in existence”.

No dia seguinte, a propósito de créditos para a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, o gerente Virgolino Pimenta escreve para Lisboa:
“O consulado britânico nesta cidade nunca perdoou ter o Banco feito a operação de crédito efectuada, há tempo, com esta Companhia.
Agora que o crédito já está liquidado e que julgávamos o assunto arrumado, volta o consulado com a carta cuja cópia juntamos.
Falámos com o cônsul, a quem fizemos ver que V. Ex.ª agiu dentro dos severos preceitos da nossa neutralidade, tratando todos igualmente e ainda lhe dissemos que a Companhia tem a sua sede em Lisboa e, legalmente, é considerada portuguesa.
Nada o convence e, pelo que se vê, o assunto está merecendo a atenção de Londres, mas vinculando pessoalmente o gerente desta filial que, como V. Ex.ª sabe, apenas cumpriu as ordens de V. Ex.ª.
É interessante registar que o signatário foi avisado de Lisboa por uma pessoa amiga, no passado correio, que ia ser alvo de qualquer perseguição por parte das autoridades inglesas.
Não é este o ponto que interessa. O que interessa é salvaguardar o Banco de qualquer aborrecimento, este pode surgir na negação, por exemplo, de navicerts relativos a cargas em que houvera a nossa interferência directa ou por ordem de clientes.
Já instámos com a “Agrifa” por várias vezes para retirar o óleo do nosso armazém mas esta nada resolve.
O cônsul britânico telegrafou ontem para Londres sobre o assunto, em extenso telegrama que não sabemos o que diz, por estar cifrado.
Dado o que lhe expusemos, prometeu que iria tudo esclarecer do modo mais favorável ao Banco.
No entanto, pedimos licença para alvitrar a necessidade de se esclarecer o caso, aí, no consulado geral britânico.
Se a nossa observação não erra, é provável que a “Agrifa” venha a solicitar novo crédito sobre o mesmo óleo.
Afigura-se-nos de desatender nova operação pois se se fizer não resta dúvida nenhuma que surgirão maiores aborrecimentos, em troco, afinal, de pequeno benefício, tanto mais que o óleo vai tendo excesso de prazo de armazenagem e os tambores vão apresentando vestígio de estrago.”

Tempos depois, a 16 de fevereiro de 1944, volta-se aos assuntos da Companhia Agrícola de Bubaque, esclarece-se Lisboa do seguinte modo:
“Já informámos que todo o óleo saiu do nosso armazém. A demora em ser retirado provinha da negativa do cônsul inglês em autorizar que os donos dos camiões os alugassem para este efeito e só a custo se conseguiu.
Pedimos muita desculpa mas não podemos perceber como nos pode ser atribuída grande parte da responsabilidade em quaisquer consequências que possam surgir.
E menos percebemos ainda porque é mal julgado o nosso procedimento. Basta ler-se toda a nossa correspondência telegráfica e ordinária para se ver que esta gerência fez tudo quanto pôde para não se fazer tal operação com os alemães. O procedimento que V. Ex.ª nos censura foi apenas uma resultante de ordens que V. Ex.ª nos deu numa carta reservada de 1943 mandando-nos procurar vender o óleo à Sociedade Comercial Ultramarina.
Ora a primeira coisa que tínhamos que fazer, para cumprir aquela ordem, era abordar o cônsul inglês para ver se ele permitia que o óleo passasse para Sociedade Comercial Ultramarina sem esta ir para a lista negra.
O cônsul garantiu que a Sociedade Comercial Ultramarina iria para a lista negra e como os alemães liquidaram a conta ficou o caso arrumado pelo melhor.
Por tudo o exposto, se vê que não fizemos nada para nos serem imputadas responsabilidades ou para merecermos censuras.
V. Ex.ª pode repetir-nos que a autoridade estrangeira nada tinha com isto.
Aí, pode pensar-se que é assim. Aqui, na prática, não é. Todos têm que se subordinar ao cônsul inglês”.

No acervo documental do Arquivo Histórico do BNU nada mais relevante se encontrou sobre este período da II Guerra Mundial. O que se segue tem a data de 1947, o gerente Virgolino José Pimenta entrega a gerência da filial de Bissau ao gerente José Henrique Gomes.

Continua

Esta fotografia do governador Muzanty, cujo nome fica ligado às campanhas de 1907-1908, contra Infali Soncó, consta do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

Mulheres de etnia “Papel” – (Tatuagens), 
Retirado do livro “Guiné Portuguesa”, I Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 28 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19052: Notas de leitura (1104): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19059: Notas de leitura (1105): “Gargalhada da Mamã Guiné”, de Carlos-Edmilson M. Vieira, edição de autor, 2014 (Mário Beja Santos)

Sem comentários: